Com dinheiro vivo, amigo banca imóveis de luxo para presidente da Alerj

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Rodrigo Bacellar usa uma cobertura no Rio e uma mansão na Região Serrana compradas em um negócio que envolveu R$ 3,6 milhões em espécie

Por Arthur Guimarães, compartilhado de Metrópoles




Leandro Luna/Metrópoles

Imagem aérea em cores da mansão na região serrana do Rio de Janeiro usada pelo presidente da Assembleia Legislativa do Estado, Rodrigo Bacellar

Rodrigo Bacellar, atual presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), subiu na vida. Literalmente. Até 2018, o deputado era um advogado do interior fluminense que não tinha casa própria nem carro. O patrimônio declarado por ele à Justiça Eleitoral não passava de R$ 85 mil. Antes de se tornar um dos homens fortes da política no estado, com ligações estreitas com o governador Cláudio Castro, Bacellar havia ocupado cargos públicos de baixo prestígio, todos por indicação, e morava de aluguel em um sobrado simples em Campos dos Goytacazes, município a 270 quilômetros da capital.

Em foto colorida, o deputado Rodrigo Bacellar, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
Bacellar se elegeu deputado estadual pela primeira vez em 2018

Em 2018, foi eleito deputado estadual pela primeira vez e se mudou para o Rio a fim de cumprir o mandato, que seria renovado quatro anos depois, quando se candidatou à reeleição. Em dois períodos, entre 2021 e 2022, Bacellar deixou a Assembleia para ocupar a Secretaria de Governo de Cláudio Castro, que, assim como ele, é filiado ao PL. Neste ano, voltou e, com a bênção do governador, foi eleito presidente da Alerj.

Junto da ascensão meteórica na carreira política veio uma mudança expressiva no padrão de vida do deputado. Se antes vivia em endereços mais modestos, agora Rodrigo Bacellar mora em uma confortável cobertura com piscina e vista livre para o Cristo Redentor, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio, e costuma descansar nos finais de semana em uma luxuosa mansão de três andares e tinindo de nova em um condomínio em Teresópolis, na Região Serrana fluminense, conhecido retiro da alta sociedade carioca (veja imagens aéreas mais abaixo).

Em Campos, Rodrigo Bacellar vivia neste condomínio, em um bairro de classe média Reprodução

Fachada de prédio em que mora o deputado Rodrigo Bacellar

A fachada do prédio em que Bacellar mora, em Botafogo Reprodução

Os dois imóveis foram comprados recentemente por R$ 5,1 milhões. Do valor total, a maior parte foi paga com dinheiro que, até então, estava guardado em espécie. Sim, dinheiro vivo. E nenhuma das propriedades – nem a cobertura, nem a casa – está em nome de Bacellar, cujos salários recebidos nos últimos anos não alcançariam a cifra. O apartamento e a casa estão ligados, porém, a um mesmo personagem, um amigo do peito do deputado que, até agora, era pouco conhecido no mundo da política fluminense.

O homem do dinheiro vivo

Trata-se de Jansens Calil Siqueira, advogado de Campos de Goytacazes, o município de origem de Rodrigo Bacellar. Calil comprou a cobertura e a casa na montanha em 2022 e, logo depois, as propriedades foram colocados à disposição do presidente da Alerj. Ao Metrópoles ele admitiu o “favor” ao amigo poderoso e disse, sem meias palavras, que cede os imóveis por interesse. “Nada é de graça. O cara é influente e conhece um monte de gente. (…) Rodrigo abre portas para mim em decorrência do próprio cargo que ocupa”, disse Jansens Calil. Além de amigo, ele afirma que é advogado de Bacellar.

Em foto aérea colorida, a cobertura onde mora Rodrigo Bacellar, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, comprada em dinheiro vivo por um amigo de deputado
A cobertura em Botafogo: área nobre com vista privilegiada para o Cristo Redentor

Pelo apartamento em Botafogo, Calil pagou R$ 2,1 milhões. Já a mansão na serra foi adquirida por R$ 3 milhões. Nesse segundo negócio, Bacellar teria arcado com uma parte do pagamento: R$ 500 mil, um quinto do valor total. O Metrópoles apurou que quem usa ambos os imóveis é o próprio Rodrigo Bacellar – o que Calil confirma.

Para fazer o investimento, o advogado lançou mão de uma reserva financeira: usou pelo menos R$ 3,6 milhões que guardava, em dinheiro vivo. Indagado sobre o assunto, Calil afirmou que o valor tem origem em honorários que recebeu para liberar um precatório judicial. O serviço advocatício, diz ele, teria rendido mais de R$ 11 milhões para seu escritório.

O advogado Jansens Calil, amigo do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar
O advogado Jansens Calil tem um escritório em Campos e acaba de comprar um frigorífico

O advogado afirma que depois de receber os honorários milionários, aos poucos foi retirando parte do dinheiro do banco porque pretendia comprar uma fazenda, um negócio que precisaria ser feito com recursos em espécie. Como a transação não foi adiante, ele diz que guardou o dinheiro, usado posteriormente na aquisição das duas propriedades usadas pelo presidente da Alerj. “A grande parte guardei comigo, em casa”, disse, acrescentando que, ao comprar os imóveis, depositou os recursos no banco novamente e fez transferências bancárias em seguida para os vendedores.

Sem registro

No 3º Ofício de Registro de Imóveis de Teresópolis, a compra da mansão não tinha sido informada até esta semana. O imóvel ainda está registrado em nome dos donos anteriores. Não há, nas certidões, qualquer menção a Calil ou a Bacellar. Já a aquisição da cobertura em Botafogo foi registrada em 1º de julho de 2022 no 3º Ofício de Registro de Imóveis do Rio. Além desse apartamento, usado pelo deputado, Calil comprou a cobertura vizinha, que ele diz usar quando está na cidade.

No condomínio da região serrana, o amigo de Bacellar comprou cinco lotes de uma vez. Na área, que soma pouco mais de 20 mil metros quadrados, já havia algumas construções, incluindo a casa principal, com elevador, adega, uma suíte master de 80 metros quadrados, sauna, churrasqueira e até uma capela. Depois da compra, e antes de Bacellar passar a usá-la, porém, a propriedade passou por uma ampla reforma. Corretores da região estimam que, como está hoje, a mansão vale entre R$ 7 e R$ 10 milhões.

Relação misteriosa

Bacellar ocupa cargos públicos há mais de 15 anos. Passou, por exemplo, pela Câmara de Vereadores de Campos, que já foi presidida por seu pai, Marcos Vieira Bacellar. Ele também foi funcionário de órgãos públicos estaduais, como o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Hoje, como deputado, seu salário é de R$ 25,3 mil brutos. O deputado é sócio de duas pequenas empresas em Campos, com atuação nos ramos automotivo e de eventos, e tem um escritório de advocacia com capital social de R$ 10 mil.

A relação dele com o amigo Calil é cercada de mistério. Embora um diga que advoga para o outro, no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não há processos em que essa relação apareça.

Veja imagens aéreas da cobertura:

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Até agora, em documentos oficiais de alcance público, os nomes dos dois aparecem juntos apenas em uma decisão tomada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio em uma ação na qual o presidente da Alerj tenta remover da internet um vídeo postado pelo ex-governador fluminense Anthony Garotinho.

Em uma live, Garotinho, que tem sua base eleitoral também em Campos dos Goytacazes e é adversário político de Bacellar, afirmou ter informações de que Jansens Calil estaria comprando imóveis que, na prática, seriam para Rodrigo Bacellar. “Dizem que ele é seu laranja, porque ele não tem dinheiro para comprar”, afirmou o ex-governador.

Ao tentar tirar o conteúdo da live da internet, Bacellar perdeu na primeira instância. Recorreu, mas novamente teve o pedido negado. Neste ano, o processo foi arquivado. A publicação de Garotinho está até hoje no ar.

Passado de problemas

Rodrigo Bacellar é investigado em várias frentes, direta e indiretamente, pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ). Uma delas, por sinal, envolve o uso suspeito de um apartamento de terceiros pelo irmão dele, Nelson Bacellar. Uma reportagem da TV Globo mostrou que, enquanto Rodrigo Bacellar era secretário estadual, Nelson morava em um imóvel de uma empresa que tinha contratos de R$ 73 milhões com o governo de Cláudio Castro. O caso está em andamento.

Bacellar também foi flagrado voando em um helicóptero de propriedade de empresários que também são donos de uma firma de venda e locação de máquinas detentora de contratos com uma empreiteira contratada pelo governo. Para além dessa conexão com os cofres públicos, os empresários são suspeitos de envolvimento com atividades ilegais de garimpo na Amazônia. Os voos do deputado no helicóptero do grupo passaram a ser igualmente investigados pela Promotoria. O resultado da apuração ainda não é conhecido.

Registro do imóvel em Botafogo usado por Rodrigo Bacellar

A compra da cobertura em Botafogo está registrada em cartório, em nome de Jansens Calil Siqueira, o amigo de Bacellar Reprodução

Registro do cartório de mansão usada por Rodrigo Bacellar

No No cartório de Teresópolis, os últimos registros relativos à mansão usada por Bacellar trazem apenas informações sobre imbróglios jurídicos dos antigos donos. Não há menção ao nome do deputado nem do amigo dele Reprodução

A compra da cobertura em Botafogo está registrada em cartório, em nome de Jansens Calil Siqueira, o amigo de Bacellar Reprodução

No No cartório de Teresópolis, os últimos registros relativos à mansão usada por Bacellar trazem apenas informações sobre imbróglios jurídicos dos antigos donos. Não há menção ao nome do deputado nem do amigo dele

O nome do presidente da Alerj aparece ainda no chamado escândalo do Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas e Formação de Servidores), um órgão do governo do Rio no qual folhas de pagamento secretas escondiam dezenas de funcionários fantasmas que sacavam, na boca do caixa, os salários que recebiam. Muitos desses funcionários, como mostrou uma reportagem do portal UOL, haviam atuado como cabos eleitorais de políticos.

Mais de R$ 220 milhões foram movimentados pelo esquema. Desse valor, R$ 12 milhões foram sacados em uma única agência bancária de Campos dos Goytacazes. Assessores de vereadores da cidade estavam entre os contratados. Todos eram aliados de Bacellar. A lista incluía um irmão do deputado, conhecido como Marquinho Bacellar. Uma cunhada do presidente da Alerj também fez saques. O MP-RJ apura se Rodrigo Bacellar, quando era secretário, detinha uma fatia das nomeações de funcionários fantasmas.

Novela fluminense

Nos últimos tempos, o topo do poder no Estado do Rio de Janeiro tem aparecido frequentemente no centro de rumorosos escândalos. Assim como as propriedades reveladas nesta reportagem, que ainda não eram conhecidas pelos órgãos de investigação, no auge da Lava Jato uma outra casa de luxo virou notícia: uma mansão em Mangaratiba, no litoral sul fluminense, onde o ex-governador Sérgio Cabral fazia festas e reunia empresários para negociatas.

A trama que levou Cabral para a cadeia — e a sentenças que passaram dos 400 anos de prisão — também tinha um escritório de advocacia, de propriedade da mulher dele, Adriana Ancelmo. De acordo as investigações, a banca era usada para recebimento de propinas pagas por empresas com contratos no governo.

As suspeitas de envolvimento em desvios e de enriquecimento ilícito se estendem aos ocupantes da cadeira de presidente da Assembleia. De 1995 para cá — ou seja, há 28 anos — todos os comandantes da Alerj foram presos por indícios de corrupção. A única exceção é o antecessor de Bacellar, André Ceciliano, do PT. Ele não foi para a cadeia, mas já sofreu buscas da Polícia Federal (PF) e, até hoje, é investigado pelos promotores do Rio por suspeita de rachadinha em seu gabinete.

“Nada é de graça. Isso é negócio. Rodrigo abre portas para mim”

O advogado Jansens Calil Siqueira disse que o uso que Bacellar faz dos seus imóveis é parte de um “negócio”. Ele afirma, com naturalidade, que acaba de adquirir um frigorífico e que espera contar com a ajuda do amigo para fazer o projeto prosperar. A cessão da casa na montanha seria, segundo Calil, uma maneira de estreitar ainda mais os laços com o presidente da Alerj.

“Eu tenho meus negócios. Nada mal eu ter um parceiro, um amigo que é presidente da Alerj”, disse Calil ao Metrópoles. “Nada é de graça. Ou seja, o cara é influente e conhece um monte de gente. Conhece um monte de gente que pode comprar minha carne. Você acha que é de graça? Isso é negócio. Rodrigo abre portas para mim em decorrência do próprio cargo que ele ocupa”, emendou (ouça abaixo).

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Sobre a cobertura em Botafogo, Calil diz ter alugado o imóvel para Bacellar depois de uma conversa que os dois tiveram “numa Quarta-feira de Cinzas”. Ele conta que estava almoçando com Rodrigo Bacellar e que, interessado na vista deslumbrante que o apartamento tem para o Cristo, o deputado demonstrou interesse imediato em morar no local.

Ele afirma que Bacellar paga de aluguel R$ 2,2 mil, mais taxa de condomínio. É um valor quase simbólico em se tratando de uma cobertura de alto padrão em um endereço nobre da Zona Sul carioca — em sites de buscas, há até imóveis em favelas do Rio com aluguel mais caro do que aquele que Calil diz que Bacellar paga. “Ele (Bacellar) paga todo mês.”

Calil nega que tenha comprado a mansão e a cobertura para Bacellar. Ele também diz não ter interesses no governo: “Eu sou advogado, ganho muito para isso. Se perguntar aqui em Campos, vai ver qual é o maior escritório de advocacia”.

“Amigo de longa data”

Também procurado, o deputado Rodrigo Bacellar enviou uma nota na qual afirma que aluga a cobertura em Botafogo. Ele diz que “a soma do aluguel com condomínio, impostos e taxas” gira “em torno de R$4,5 mil”. “Tudo devidamente documentado”, prossegue.

Sobre a mansão em Teresópolis, o presidente da Alerj afirma que o imóvel “foi adquirido em processo judicial” e que tem em mãos “toda a documentação que comprova, de forma transparente, a legalidade da negociação no que cabe a ele”.

Perguntado sobre sua relação com Jansens Calil, Bacellar respondeu que o advogado é um “amigo de longa data, além de colega de profissão”. Disse ainda que Calil já atuou em processos da sua família e que ambos também “advogaram em parceria.”

O presidente da Alerj sustenta que as informações sobre seu patrimônio constam da declaração que apresentou à Justiça Eleitoral — a cota-parte de R$ 500 mil no negócio da mansão na região serrana, porém, não aparece no detalhamento de bens entregue por ele ao se candidatar no ano passado, com patrimônio total informado de R$ 793 mil. “Todos os bens do deputado são condizentes com sua remuneração, com todas as informações transparentes e disponíveis em seu imposto de renda, sem nada a esconder”, diz a nota.

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