Por Ulisses Capozolli, jornalista
Uma onda de antissemitismo tomou forma e espalha-se pela Europa desde os ataques do grupo paramilitar Hamas em Israel, em 7 de outubro passado, segundo a versão eletrônica de hoje do jornal espanhol “El País”. Uma mulher de 30 anos foi atacada a faca, em Lyon, na França, ao atender ao chamado de um desconhecido à porta de sua casa. O agressor deixou uma marca adicional de suas intenções: uma cruz suástica gravada na porta. Uma sinagoga foi atacada na Alemanha com um coquetel incendiário molotov e edifícios que abrigam moradores judeus também tiveram suas paredes marcadas com símbolos de antissemitismo como se judeus de todas as tendências político-religiosas, incluindo os que se opõem aos ataques bárbaros que Israel executa na Faixa de Gaza, fossem um único, com a mesma postura ideológica o que caracteriza um ódio profundamente irracional.
Na Alemanha, segundo dados da organização Investigação Informação sobre antissemitismo houve um aumento de 240% em incidentes deste tipo que demonstram ódio crescente. Em Viena, na Áustria, a antessala de cerimônias na área judia de um cemitério também sofreu ataques. Ainda na Áustria, dados da comunidade judaica falam em um aumento de 300% nesse tipo de manifestação. Na França, fazendo eco a cantos no interior de vagões do metrô contrários à comunidade judaica, o governo já registrou 857 atos antissemitas o que supera os índices de todo o ano passado
Na Inglaterra, apenas na primeira quinzena de outubro, que inclui o ataque do Hamas em Israel, foram registrados 218 crimes de ódio, o que significa um volume 18 vezes superior ao registrado no ano passado. Com isso o governo deslocou forças especiais para proteção de sinagogas e centros frequentados pela comunidade judaica.
Os protestos e hostilidades crescentes, no entanto, não tem se refletido na moderação do governo direitista de Benjamin Nethanyahu duramente criticado pelo secretário-geral da ONU, o português Antonio Gueterres, tido como uma pessoa afável, egresso das hostes católicas e aberto ao diálogo. A frase que irritou Nethanyahu e membros de seu governo submetido a duras críticas de judeus progressistas e favoráveis a um diálogo como forma de encaminhamento de soluções é que o Hamas não agiu sem motivação histórica para expressar a opressão crescente de Israel que impede um encaminhamento para a situação política local.
Nethanyahu tem tido carta branca do governo americano para executar o que cada vez mais caracteriza um extermínio proposital na miserável e cada vez mais dramática Faixa de Gaza. Nenhuma surpresa. Em um pronunciamento em meados dos anos 1980 no congresso Joe Biden já anunciava que “se Israel não existisse, deveria ser criado”. Ele se referia a algo como um porta-aviões em terra firme para a salvaguarda de interesses norte-americanos no Oriente Médio, região crítica aos Estados Unidos em função de todos os confrontos das últimas décadas.
Na verdade, os acontecimentos na miserável e cada vez mais agredida Faixa de Gaza se encaixam no que se assemelha a forças geológicas envolvidas com sismos e vulcanismo, mas são interações geopolíticas por excelência. Toda a ordem estabelecida ao final da Segunda Guerra Mundial, em que o antigo colonialismo europeu foi substituído pela hegemonia político-militar americana está sob profundo questionamento por potências emergentes como China e Rússia que, com outros países emergentes, caso do Brasil, integra o bloco político-econômico (Brics) defensor de novas regras questionando, entre muitos outros valores, o dólar como moeda padrão do comércio internacional.
A fala recente de Joe Biden, figura politicamente desprovida de qualquer carisma como a Barak Obama, sobre os Estados Unidos serem o maior poder político-militar da história da civilização é uma confissão de impotência enquanto possibilidade de alterar os movimentos da história. Assim, a questão geopolítica que até o 7 de outubro passado esteve localizada na Ucrânia deslocou-se literalmente da noite para o dia para Israel e a mão de ferro com que ele tem submetido a Palestina também desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Se a Rússia não dispusesse de amplo e diversificado arsenal nuclear e não integrasse uma aliança estratégica com a China, qualquer estudante de relações internacionais primeiranista diria que já teria sido invadida pelos Estados Unidos, em busca de recursos para assegurar a unipolaridade de que se vestiu ao final da Segunda Guerra Mundial, marcada pela explosão de duas bombas atômicas sobre o Japão.
Ocorre, no entanto que, apesar da metáfora usual, nem mesmo os diamantes são eternos. A única eternidade é a do fluxo da história em um universo também eterno.