Por Celso Sabadin, publicado em Planeta Tela –
Num primeiro momento, “A Tabacaria” parece beber na fonte de uma série de filmes parecidos entre si, nos quais um personagem jovem faz uma grande e improvável amizade com um bem mais idoso, e ambos percorrerão uma trajetória redentora que contraporá experiência e furor, com final edificante. Como “Deuses e Monstros”, “Mr. Holmes” e “Um Dia para Relembrar”, por exemplo.
Até determinado ponto, o filme segue realmente por este caminho. Mas muda de rumo quando começa a abordar um tema muito próximo do nosso momento e do nosso país: a ascensão da violência, da intolerância e do racismo numa nação até então tida como civilizada.
“A Tabacaria” se passa na Viena dos anos 1930, momento em que a cidade – capital mundial da música clássica e de elegantes cafés – começa a sentir de perto os efeitos da chegada de Hitler ao poder, na vizinha Alemanha. A um olhar de desconfiança se segue uma conversa ríspida, que abre espaço para uma discussão mais forte, que evolui para uma parede pichada, passando rapidamente por janelas quebradas, confronto físico, totalitarismo, censura, prisões, mortes… horror. Tudo num espaço de tempo muito pequeno, da mesma forma do que acontece atualmente no Brasil, atualizando dolorosamente a contemporaneidade do roteiro baseado no livro que Robert Seethaler publicou em 2013.
A história fala do jovem Franz, que aos 17 anos sai de seu ambiente rural para trabalhar na tabacaria do título, na capital austríaca. Ali o rapaz inicia uma amizade com ninguém menos que Sigmund Freud (Bruno Ganz, o inesquecível Hitler de “A Queda”), um importante cliente da loja. De pequenas dúvidas amorosas e existenciais, a crises políticas e sociais de repercussão mundial, tudo é assunto para os novos amigos. Enquanto Franz ingressa no mundo adulto e descobre sua sexualidade, Freud vê seu milenar mundo judaico desabando diante dos desmandos do Nazismo.
Melancolicamente, os opostos se atraem.