Com o perdão do juiz Sérgio Moro, ele não é o justiceiro que pensa ser

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Por Enio Squeff, jornalista, escritor e artista plástico, Brasil 247 – 
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Deve ser por um equívoco generalizado que grande parte do Brasil olha para o juiz Sergio Moro como um dos grandes responsáveis pela paralisia por que passa o país. A presidente Dilma Rousseff, com sua inequívoca inabilidade, leva boa parte da responsabilidade sobre o que aí está. E o parlamento dirigido por oportunistas, religiosos ou não, respondem também à sua maneira, ao acrescentar lenha à fogueira de um quase desgoverno. Neste aspecto é, sem dúvida, inestimável o papel do juiz Sérgio Moro. Devem-se-lhe, afinal de contas, as prisões de gente graúda, detenções que, até prova em contrário, parecem perigosamente arbitrárias. Quem o diz é a Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB. Mas o magistrado de primeira instância do Paraná – um simples juiz de primeira instância, anote-se – não estaria a ostentar todo este poder se um outro poder, muito maior que ele, leia-se Supremo Tribunal Federal, não o estivesse sustentando com o seu silêncio mais que obsequioso. Está na hora de se dar ao STF a parte que lhe cabe nesse latifúndio de confusão e perplexidade.

É de se lembrar que quando o juiz Fausto de Sanctis prendeu Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes não hesitou um só minuto em assinar, em seu favor, dois habeas corpus, um atrás do outro, numa atitude resolutamente estranha não só à magistratura brasileira, mas à parte da opinião pública que nunca tinha visto nada parecido. Ficou claro que um juiz tinha lá seus limites. E que independentemente da culpa ou não do poderoso banqueiro, havia quem limitasse qualquer magistrado a deixar bem claro que quando um ministro do STF não quer, um juiz de primeira instância não faz. Amém.




Ora, afora o estardalhaço das manchetes que o exibicionismo dos procuradores e do juiz paranaense parecem adorar, nada indica que sem o apoio do STF, eles seguiriam impavidamente em frente, como supremos dirigentes do Brasil. Numa entrevista recente, o professor Cláudio Lembo, do alto da sua autoridade de mestre em direito constitucional, e com o título nada negligenciável de ex-governador de São Paulo, admitiu que Sérgio Moro estaria “exagerando”. Tudo se daria por inexperiência de “um menino”(sic) que pensaria poder, com seus atos, arrumar o Brasil. Um dos procuradores paranaenses levantou a bandeira: o Ministério Público do Paraná estaria realmente disposto a “refundar”a república brasileira. Na entrevista que concedeu ao jornalista Paulo Moreira Leite na TV Brasil, Cláudio Lembro aduzia que um país governado somente pela justiça, sem os outros poderes, como o Parlamento, e o Executivo, ambos eleitos pela população, tinha tudo para dar errado.

Não houve repercussão à entrevista, nem mesmo entre os blogueiros que decididamente não se convencem que um juiz, como Sérgio Moro, faça o que bem entenda, a despeito dos outros poderes constituídos. O entendimento – este mais generalizado que nunca – de que a intenção do juiz seria o de atingir o ex-presidente Lula, como parte de uma bem elaborada agenda da oposição brasileira, continuou pautando boa parte dos analistas. Mas a pergunta que insiste em fazer parte do interrogatório continua: a quem senão ao STF interessa que o juiz Sérgio Moro prossiga impavidamente com suas ações?

Ora, o Supremo Tribunal Federal talvez não seja “in totum”favorável ao que está se vendo no Paraná e, por extensão, no Brasil. Mas o STF referendou o julgamento do “Mensalão”. Parece terem sido vãs os alertas de muitos juristas de respeito de que, como disse o falecido advogado e ex-ministro da Justiça, Márcio Tomas, o STF estava usando uma bala de prata para o futuro: o julgamento, com todas as suas falhas técnicas, com a quase solene ignorância dos argumentos da defesa dos réus, seria um dia devidamente revisto. E daí, quem teria de se explicar, seria a Suprema Corte.

Digamos que tenha havido um exagero na assertiva do ex-ministro, defensor de um dos réus. Mas o STF se comprometeu como um todo no julgamento do Mensalão. Será especioso considerar que isso esteja pesando agora numa investida bem mais perigosa e desta vez, contra os próprios alicerces da economia do Brasil – desde que se entenda que a prisão de um líder popular como o ex-presidente Lula passará em brancas nuvens, como se o Brasil fosse uma república de amebas?

Que o Brasil sempre foi um país de bacharéis, dizem-nos as decisões judiciárias sempiternamente favoráveis aos poderosos. É do bacharelismo brasileiro referendar o poder e não culpar os torturadores, a votar pela anistia dos agentes da ditadura. Foi assim desde o Brasil colonial, continuou pela República Velha, persistiu no Estado Novo, e não se furtou a referendar o golpe de 64, quando os militares, a serviço de Washington, derrubaram um governo constitucionalmente eleito. Os bacharéis de plantão – outrora tão importantes para as famílias das elites quanto os padres – foram sempre os fiéis escudeiros do poder. É o que justifica, em grande parte, a existência de bacharéis entre as elites do poder. Raymundo Faoro, como grande jurista que também foi, sabia perfeitamente disso. O que certamente não pensava era que o Brasil pudesse vir a imitar o Paraguai, que derrubou um governo por intermédio da Suprema Corte do País.

Um exemplo a ser seguido?

A pensar, evidentemente. E a pesar. Pois o STF parece desconsiderar o que poderá acontecer ao Brasil. E não parece, também, haver nada o que reclamar da presidente da República. Já que ela não teve nada a dizer até o presente, desconsidere-se o que ela possa vir a dizer no futuro. Quanto ao Supremo Tribunal Federal, se tivesse de se opor a alguns atos do juiz Sérgio Moro, já o teria feito. E até agora, parece ter se proposto a não interferir no caso. Não vale culpar o magistrado pelo que não o impedem de fazer – mesmo que sejam as mais escancaradas ilegalidades.

Com o perdão, enfim, do próprio juiz Sérgio Moro, ele não é o justiceiro que pensa ser. Este é um atributo que o STF não lhe concedeu. Nem lhe concederá já que essa é uma prerrogativa da Suprema Corte brasileira.

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