Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
A acintosa pregação de Eduardo Bolsonaro por um novo AI 5 não parece ser apenas uma declaração delirante de um enfermo. O guru dos fascistas malucos, Olavo de Carvalho, já há algum tempo vem insuflando seus seguidores na base do só um golpe antidemocrático permitirá o prosseguimento do governo medieval. Como se sab, nenhum filho de Bolsonaro age sem ter o aval cínico dele.
A reiteração de sandices e os surtos psiquiátricos do clã, no entanto, coloca agora claramente a necessidade de os setores progressistas discutirem a possibilidade de adotar uma campanha pelo fim da loucura.
Até agora, essa postura foi rechaçada pela maioria das esquerdas por razões respeitáveis: falta ainda mobilização popular, Mourão é o mesmo mal, é necessário deixar Bolsonoro sangrar, é preciso libertar Lula antes, o Brasil não suportará outro impeachment etc.
Cada um com seu peso, são argumentos que de fato são políticos. Ocorre que, a História ensina, com o fascismo não se brinca. E setores militares malucos estão flertando com golpe junto com os Bolsonaros e Olavo de Carvalho.
Basta olhar a baba de ódio do general Heleno e as seguidas ameaças do general Villas Boas ao Supremo Tribunal Federal nas duas vezes em que ocorreriam discussões na Corte que poderiam representar a liberdade do ex-presidente da República.
Por óbvio, trocar 6 por meia dúzia, que seria a saída constitucional (com Mourão na Presidência), não representaria solução. Mourão é o Bolsonaro com patente superior e sem apoio popular nenhum. Por isso, se for para a luta, a palavra central deveria ser pela realização de nova eleição presidencial. Se possível, com a participação de Lula.
É maluquice se pensar na saída de Bolsonaro sem, por enquanto, nenhuma movimentação de rua? Aparentemente, sim. Mas talvez só aparentemente.
O exemplo do Chile está aí. Ninguém mesmo previa a erupção popular nas ruas. Há no Brasil uma série de fatores engasgados em grande parte da população. A vergonha pelo comportamento doentio da família Bolsonaro, a inação contra gravíssimos desastres ambientais, a entrega de patrimônio nacional a empresas estrangeiras, o desemprego altíssimo, a ameaça de aprofundamento da política econômica neoliberal que levou à revolta no Chile etc.
É lógico que, hoje, a esquerda não tem volume sozinha para um amplo movimento de massas, E agora chegamos ao ponto G da questão: dá para contar ou confiar em aliança pontual com setores que, fora da bolha progressista, estão insatisfeitos com a baixaria e a loucura sem limites desde a posse de Bolsonaro?
É hora de a aventar a possibilidade de que talvez sim. Um movimento com agenda explícita e enxuta pode aglutinar até quem é da direita convencional mas não é fascista. A ameaça de Eduardo Bolsonaro tende a unificar o repúdio à escalada fascista.
O isolamento internacional do Brasil, cada vez mais inevitável, detona os interesses do setor exportador, por exemplo. O que seria uma agenda enxuta? Pela preservação das instituições democráticas, por eleições presidenciais, pela preservação de boas relações com países próximos e democráticos.
Poderia ter um ponto a mais aqui ou lá, mas teriam que ser abrangentes. Não é hora de achar que estamos em período pré-revolucionário.
O que se defende aqui é, resumindo grosseiramente, o “vamos juntos se livrar do desastre que é o fascismo. Depois, a gente volta a brigar dentro dos parâmetros democráticos”. Bolsonaro, não nos enganemos, ainda tem um núcleo duro de apoio de cerca de um terço da população.
Não é maioria, mas é uma taxa expressiva. Com habilidade e visão de realidade, é possível aglutinar uma maioria sólida para terminar com o inferno que ameaça a Democracia.
Com o fascismo, repita-se, não se brinca. Se o início do governo de extrema-direita enganava muita gente fora dos setores claramente progressistas com a conversa mole de respeitar as regras, a situação agora é outra. Eduardo Bolsonaro apenas expressou para incautos ingênuos o que sempre quiseram ele e sua turma: rasgar a Constituição e impor uma ditadura fascista no Brasil.
É hora de combater a possibilidade terrível. Para isso, é preciso barrá-los nas ruas, com um amplo movimento. A urgência é essa. O resto a gente vê depois.
Cartun de Ziraldo de 1968.