Por Luís Carlos Valois, Facebook –
Como juiz de vara de execução penal, mas, principalmente, como funcionário de uma estrutura burocrática criada especificamente para parecer que o Estado se preocupa com as condições dos presos, há mais de 20 anos, fui acostumando a não sentir, e me manter frio e insensível diante do sofrimento que envolve a prisão de uma pessoa.
Afinal, fazendo parte do meu trabalho estar nesse meio, não seria suportável carregar o sofrimento de cada caso que diariamente aparece.
Aos poucos a gente vai deixando de ver uma lágrima, uma dor, um gesto de desespero, perdendo igualmente a capacidade de ver injustiças. A máquina judiciária, como chamam, nos torna engrenagem, dentes de um mecanismo triturador de pessoas e vidas.
Só me dei conta disso, no dia em que, estando fazendo mestrado em São Paulo, fui visitar uma cadeia fora da condição de juiz, como estudante. O preso que falava comigo também sequer tinha ideia de que eu era um juiz, e conversamos algum tempo, em um dos corredores do Parada Neto, em Guarulhos.
A certa altura do papo, o preso colocou a mão no meu ombro e eu vi uma lágrima escorrendo no seu rosto. De repente, o susto. O mais impressionante é que eu já tinha visto tantas lágrimas, mas tantas, e aquela era a primeira que eu percebia aquele liquido como lágrima de verdade. Pensei e disse, em silêncio, para mim mesmo: – preso chora!
Tento guardar aquele dia para sempre comigo, para não deixar de ver pessoas quando o que nos mostram, e nos cobram, é só número, estatística e papel.
Só conseguindo ver gente é que se consegue ser gente e fazer qualquer coisa que se pareça humana.
Cada lágrima de uma injustiça é uma gota de sangue da morte lenta de uma sociedade doente, cada lágrima não vista é uma pá de terra no nosso túmulo.
Comemorar lágrima, prisão e morte, coisa de seres decrépitos.