Um mês após a reunião do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA) que prometeu a inversão de R$ 440 milhões para a ansiada retomada de investimentos no cinema brasileiro, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) segue paralisada, sem ter dado um só passo adiante. O que poderia ser chamado de ineficiência, contudo, é apenas uma já manjada política interna de boicote a suas próprias funções constitucionais: a agência exonerou hoje um servidor, Mastroiane Bento Dias, Coordenador da Gestão de Negócios, por se recusar a paralisar as contratações de projetos (a maioria deles resultante de liminares na Justiça, conseguidas por produtores audiovisuais).

Produtora do filme “Detetives do Prédio Azul 3” conseguiu mandado de segurança contra a Ancine para o financiamento da produção

Com uma estratégia de disseminar a confusão interior entre as diferentes instâncias de gestão, a Ancine distribui ordens de comando contraditórias para minar sua própria capacidade de acionar o fomento. Para consumo externo, a Ancine divulga que está em plena operação, mas internamente, dá-se exatamento o oposto. Essa semana, um ofício da Superintendência de Desenvolvimento Econômico (SDE) determinava o seguinte: “Por orientação da SEF (Secretaria Executiva de Políticas de Financiamento), as contratações (de novos projetos) estão suspensas no momento. Mas vocês podem continuar incluindo os ofícios no bloco de assinaturas até que o comando venha formalmente”. A agência, por intermédio dessa ordem, suspendia assim todos os pedidos de liberação de recursos ao Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BRDE), uma das instituições financeiras que operam o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Mas, como os projetos audiovisuais já tinham suas análises devidamente corroboradas por todas as instâncias técnicas, o coordenador da Gestão de Negócios não viu lógica na orientação e determinou que prosseguissem as análises.




Em resposta, a Superintendência de Desenvolvimento Econômico (SDE) tentou justificar a própria ordem alegando em outro ofício que “o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) está passando por problemas de fluxo financeiro e orçamentário”. Prosseguia o documento: “Esses problemas estão sendo devidamente relatados e documentados pela SFE, que espera poder saná-los, ainda que parcialmente, em uma próxima reunião do CGFSA”. Não há nenhuma reunião do comitê gestor do fundo, o CGFSA, marcada para um futuro próximo, e a última reunião, em junho, decidiu justamente pela retomada dos investimentos (ou então era puro jogo de cena, algo para o qual esse site já tinha alertado).

Dessa forma, afirmando e negando sua própria razão de existência, a Ancine cozinha a crise e mergulha numa funda irrelevância. O coordenador afastado, Mastroiane Bento Dias, também tinha pedido uma reunião de emergência na Ancine para tratar da chuva de liminares que chega da Justiça obrigando a agência a dar prosseguimento a processos que estão paralisados há mais de um ano. A maior parte dessas ações é de mandados de segurança e algumas estipulam multas diárias pela desobediência, assim como coloca os servidores que se recusam a obedecer à Justiça até na iminência de uma prisão.

No dia 22 de junho, por exemplo, a juíza federal Maria Alice Paim concedeu mandado de segurança à empresa Paris Produções Cinematográficas, que requereu a retomada imediata do seu projeto Detetives do Prédio Azul 3 – Uma Aventura no Fim do Mundo, cujo processo administrativo está parado há 8 meses na Ancine. No dia 29 de junho, a produtora Cumbaru Produções Artísticas Eirelli ganhou outro mandado, expedido pelo juiz federal Adriano de Oliveira França, da 28ª Vara Federal do Rio, para que seja concluído o processo do projeto Segredos do Coração da América do Sul, parado desde junho de 2019.

A exoneração de Mastroiane Bento Dias, um técnico experimentado e isento que vinha conferindo segurança jurídica ao seu setor, foi repudiada unanimemente entre os servidores da Ancine.

O diretor-presidente interino da Ancine, Alex Braga Muniz, também intensificou nos últimos tempos o aparelhamento político da instituição. Sem “lastro” em sua pretensão de prosseguir à frente da Ancine e ser efetivado no cargo pelo bolsonarismo, Braga Muniz tem acomodado pessoas ligadas ao Centrão e às relações políticas da presidência da República. Uma de suas contratações, o francês Vincent Olivier Jean Roux, até hoje não se apresentou, mesmo em home office, para trabalhar. Ele é ligado ao deputado Daniel Silveira, do PSL do Rio. Em novembro, Braga Muniz nomeara Mauro Gonçalves de Souza (ex-assessor parlamentar do deputado Filippe Poubel, do PSL, que invadiu um hospital de campanha armado em maio em São Gonçalo, no Rio, tentando intimidar integrantes de uma organização social que atuava na emergência) como Superintendente de Registro da Ancine.

Não bastasse isso, a gestão atual da agência ainda colocou Mauro de Souza na lista tríplice com a qual pretendem constituir a nova diretoria da Ancine. A lista é um escândalo em si: integram os nomes dos candidatos três diretores substitutos cujos mandatos já expiraram e que não poderiam ser reconduzidos: o pastor Edilásio Barra, Vinicius Clay e Luana Rufino.