Por Odilon Rios, compartilhado de Repórter Nordeste –
Em 31 de março de 1997, Milton Santos era o entrevistado do programa Roda Viva.
O sorriso marcante, a voz pausada, serena para respostas bem explicadas e incisivas se transformaram por um instante: era a lembrança do seu passado na prisão, logo quando os militares tomaram o poder em 1964.
Ali na cadeira central do Roda Viva, Milton Santos, maior pensador da Geografia brasileira, já era consagrado internacionalmente: aos 71 anos era doutor honoris causa em 11 universidades, de 7 países.Ganhou, em 1994, o Vautrin Lud, conhecido como o Nobel da Geografia. Era o único latino americano a ter recebido aquele prêmio.
E era, ali no Roda Viva, a única testemunha, na carne, do golpe militar. Naquele dia da entrevista, o golpe completava 33 anos. E ele havia sido preso em 64. Passou 90 dias no quartel do Exército, em Salvador.
Teve um princípio de AVC na cadeia, foi solto mas impedido de dar aulas. Chamado por universidades para uma temporada de 6 meses fora do Brasil, ficou mais de uma década. Europa, África, América do Sul. Eis o périplo do pensador brasileiro, neto de escravos, ainda hoje um dos poucos intelectuais negros brasileiros reconhecidos pelo mundo.
Prisão
Por que foi preso? A pergunta no Roda Viva veio do único jornalista negro na bancada dos entrevistadores.
Fernando Conceição, professor da Universidade Federal da Bahia, lembrou- e Milton endossou- que sua prisão estava ligada à apresentação de projeto de taxação das grandes fortunas. Milton era presidente da Comissão de Planejamento Econômico da Bahia (CPE), no Governo de Lomanto Júnior (1963-67).
Aquela pergunta havia sido feita a Milton, pelo mesmo Fernando Conceição, antes do Roda Viva. Constava no livro Milton Santos: Uma Biografia, de autoria do jornalista.
A Província – Houve alguma acusação de caráter ideológico? O senhor disse que algumas propostas de intervenção urbana teriam desagradado…
M.S. – Não, não, era mais na questão social. Por exemplo, nós íamos propor um imposto sobre a fortuna. À época o Estado podia taxar. Essa era uma das idéias que tínhamos na CPE.
Milton estava no radar dos caçadores de comunistas ao menos desde 1960. Nesse ano, acompanhou Jânio Quadros, futuro presidente da República, a Cuba. E Milton, também jornalista, escreveu
vários artigos mostrando o que era a revolução cubana. “Com isso, comecei a fazer parte dos arquivos do Exército nesse momento”.
A defesa da taxação às grandes fortunas e os contatos com a recente revolução cubana, liderada por Fidel Castro, eram demais para aquele Brasil pré-golpe.
Em 1997, no Roda Viva, relembrando a prisão, o projeto de taxação das grandes fortunas e o futuro do Brasil, Milton refrescou a memória: o presidente Fernando Henrique Cardoso era favorável à taxação dos ricos. Faltava apenas regulamentar o que estava previsto na Constituição.
Em 20 de julho daquele ano, FHC, em Lima (Peru) disse apoiar a ideia. Anos depois, o próprio Fernando Henrique voltou atrás: disse que era muito difícil aprovar este imposto.
Taxar as grandes fortunas segue um baile até hoje.
(Esse texto continua)