Por Paula Adamo Idoeta, compartilhado de BBC News –
No alto dos rankings internacionais da educação, perto de conhecidas “potências” da área como Finlândia, Cingapura, Canadá e Coreia do Sul, está um país que tem avançado há relativamente pouco tempo, mas com constância e velocidade surpreendentes: a Polônia.
Na edição mais recente do Pisa, exame internacional que em 2018 avaliou 600 mil estudantes de 15 anos em 79 países ou regiões (Brasil entre eles), a Polônia ficou entre os dez melhores colocados do mundo nos exames de leitura, matemática e ciências.
Para efeitos comparativos, os estudantes poloneses fizeram, em média, quase 100 pontos a mais que os brasileiros em leitura: 512 contra 413. E ficaram 129 pontos à frente na avaliação de matemática. A prova, aplicada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), visa medir a habilidade de alunos globais em compreender textos, captar informações-chave, entender e aplicar conceitos matemáticos e científicos em seu dia a dia.
O sucesso polonês — cujas pontuações superam, inclusive, as médias da própria OCDE — chama a atenção por ocorrer em um país que, até poucas décadas atrás, era inexpressivo na educação. E que tem um passado recente de destruição e pobreza.
Mortes e destruição na guerra
Ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando a Polônia passou da ocupação nazista para a esfera comunista do Leste Europeu, estima-se que o saldo de poloneses mortos no conflito tenha sido de 6 milhões de pessoas. Cidades como a capital Varsóvia, Wróclaw e Gdansk estavam em ruínas.
Nos anos durante e pós-comunismo, a situação do país tampouco era alentadora social e economicamente, segundo relatos históricos.
“É difícil descrever de maneira sucinta a desordem que assolou a Polônia no espaço de meio século. Depois da derrocada do comunismo, em 1989, a hiperinflação entrou em cena e dominou o país. As prateleiras dos supermercados ficaram vazias, e as mães não conseguiam encontrar leite para seus filhos”, descreve a autora Amanda Ripley em As Crianças Mais Inteligentes do Mundo (ed. Três Estrelas, 2013), livro que mergulha em experiências internacionais bem-sucedidas de sistemas educacionais.
O panorama da educação também era ruim, aponta a autora: somente metade dos adultos de áreas rurais do país havia concluído o ensino fundamental.
Mesmo em 2010, diz Ripley, quando a Polônia entrou para a União Europeia e depois de reformas que promoveram o livre mercado no país, “aproximadamente uma em cada seis crianças polonesas vivia na pobreza. (…) Em um estudo das Nações Unidas sobre o bem-estar material infantil, a Polônia figurava na última posição do mundo desenvolvido”.
À essa altura, porém, a Polônia já passava por intensas reformas, às quais muitos analistas atribuem as altas taxas de crescimento econômico que persistem até hoje, embora lado a lado com desafios políticos. Uma dessas reformas acontecia na educação.
Valorização de professores, autonomia e ‘terapia de choque’
Essa reforma, em 1999, é descrita por Ripley como uma espécie de “terapia de choque”: no decorrer de apenas um ano, a Polônia implementou um currículo escolar mais rigoroso, mas com menos tópicos a serem abordados; as escolas tiveram mais autonomia para escolher livros didáticos e entre centenas de opções pré-aprovadas de didática e conteúdo a ser abordado.
“O novo programa fornecia os objetivos fundamentais, mas deixaria os detalhes para a escola. Ao mesmo tempo, o governo exigiria que um quarto dos professores voltasse à faculdade para aperfeiçoar sua própria formação”, explica Amanda Ripley.
Isso forçou um grande investimento em professores, tanto em capacitação quanto em remuneração e bonificação, e também em avaliações, que permitissem mensurar o desempenho ao final de cada ciclo e identificar quais alunos, escolas e professores precisavam de mais ajuda do governo. Isso sinalizava, segundo a autora, “que os professores já não eram trabalhadores de nível inferior”.
No que diz respeito às avaliações, a ideia era “não apenas (fazer os alunos) acertarem as alternativas corretas, mas sim queríamos que eles pensassem estrategicamente e queríamos saber como eles entendiam os problemas”, disse à BBC, em 2015, Janusz Wolosz, conselheiro de educação da Embaixada da Polônia no Reino Unido.
Antes da reforma, quando chegavam aos 15 anos de idade, no ano equivalente ao primeiro do ensino médio, os alunos poloneses eram encaminhados, com base em seu desempenho, para cursos profissionalizantes/técnicos ou para o ensino regular/acadêmico. Essa divisão — chamada de “categorização” — foi, com a reforma, postergada em um ano. Ou seja, os alunos passaram a ter 12 meses a mais de estudos na escola tradicional e só sair dela aos 16 anos. Só para acomodar esse ano extra, foi necessário construir, rapidamente, 4 mil escolas a mais em todo o país.
“A diferença era de apenas 12 meses, mas teria consequências surpreendentes” na educação, diz Ripley, citando outro ponto crucial: “aumentaram as expectativas acerca de o que os estudantes seriam capazes de realizar”.
“Em outras palavras, o sistema exigia mais responsabilização por resultados, ao mesmo tempo em que concedia mais autonomia de métodos. Essa mesma dinâmica podia ser encontrada em todos os países que haviam melhorado de maneira acentuada seus resultados, incluindo a Finlândia.”
Resultados
Mesmo antes da reforma, a Polônia partiu de um patamar acima do Brasil porque conseguiu colocar todas as crianças na escola mais cedo do que nós, explica Claudia Costin, que foi diretora global de educação do Banco Mundial e hoje dirige o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV Rio.
“Todos os países da esfera soviética universalizaram o acesso à educação bem antes. Essa educação podia ter uma série de problemas, mas não deixava as crianças fora da escola”, diz ela à BBC News Brasil.
Costin explica que manter os alunos um ano a mais no ensino tradicional, entre 15 e 16 anos, foi um dos aspectos mais significativos da reforma polonesa, o que é confirmado por dados: esses estudantes (que antes teriam sido transferidos para escolas técnicas) fizeram, no primeiro exame Pisa, em 2000, mais de 100 pontos a mais do que seus colegas que, àquela altura, já haviam sido transferidos.
A suspeita de especialistas é de que, ao serem enviados para cursos técnicos com base em suas notas, os alunos perdiam a motivação, e seu aprendizado desacelere.
Como qualquer avaliação, o Pisa não é uma medição perfeita. Avalia apenas algumas habilidades dentro de um determinado recorte. Mas, especificamente para a Polônia, ele teve importância crucial, porque começou a ser implementado em 2000, justamente quando as reformas acima começaram a vigorar, dando um retrato do antes e depois da educação.
“De 2000 a 2006, a nota média de leitura dos estudantes poloneses de 15 anos de idade subiu 29 pontos no Pisa”, reconta Ripley. “Era como se os poloneses tivessem de alguma maneira enfiado dentro do cérebro quase três quartos de um ano letivo de aprendizagem extra. Em menos de uma década, os alunos tinham saltado de um desempenho abaixo da média do mundo desenvolvido para uma nota acima da média.” Na prova seguinte, em 2009, os poloneses superaram outros países desenvolvidos e com investimentos muito superiores em educação, como os EUA.
Essa performance continuou avançando, segundo os dados do Pisa. Na edição mais recente do exame, divulgada no início de dezembro, os estudantes poloneses mantiveram suas médias acima dos demais países da OCDE (grupo chamado também de “clube de países ricos”) nas três esferas avaliadas: leitura, matemática e ciências.
Uma análise do Banco Mundial apontou que o aumento nas notas do país no Pisa foi “maior e mais consistente do que qualquer outro país próximo”.
A lições – e os problemas – da Polônia
“É muito impressionante: um país que foi destroçado pela guerra hoje mostra resultados muito consistentes”, diz à reportagem Mozart Neves Ramos, que é diretor de inovação do Instituto Ayrton Senna e membro do Conselho Nacional de Educação brasileiro. Ele conheceu o sistema polonês alguns anos atrás, em visita quando era reitor da Universidade Federal de Pernambuco.
“Vi neles uma visão sistêmica, de melhorar a educação tanto básica quanto no ensino superior (sem priorizar um ou outro)”, afirma. “Eles também estão muito focados na formação de professores, assim como todos os países no topo (do Pisa). Todos os estudos mostram que esse é o fator que mais faz diferença, entre os fatores que impactam na educação.”
Em seu livro, Ripley avalia que o país foi bem-sucedido em mostrar que é possível avançar com diligência e altas expectativas sobre si mesmos: quando os estudantes passaram a corresponder às apostas que haviam sido feitas neles, e diretores das novas escolas começaram a contar com professores mais talentosos e engajados, os resultados positivos iniciais começaram a ganhar tração e a se retroalimentar.
Outra questão-chave, apontam diferentes estudos, foi a incorporação da educação como uma agenda essencial e estratégica para o país crescer e competir em patamar de igualdade com o restante da força de trabalho da União Europeia. “Sem melhoras na educação, os poloneses seriam relegados a subempregos não qualificados e de remuneração muito baixa, fazendo o trabalho que outros europeus não queriam fazer”, explica Ripley.
Mas isso não significa que as reformas resolveram os problemas educacionais — e socioeconômicos — do país.
O ministro responsável pelas mudanças na educação, Miroslaw Handke, renunciou no ano seguinte à reforma, sem conseguir assegurar os recursos necessários para aumentar, no nível prometido, o salário dos professores.
A OCDE apontou, em relatório de 2015, que embora a autonomia sobre o currículo na Polônia seja superior à da média dos demais países do grupo, a remuneração de professores poloneses está abaixo da média não só da organização, mas também inferior ao de outros profissionais poloneses de educação superior.
Apesar de alguns aumentos recentes no salário docente, apenas 18% dos professores do país acreditam que sua profissão é valorizada na sociedade.
Em abril deste ano, esses professores fizeram uma greve histórica na Polônia, paralisando mais da metade das escolas em grandes cidades.
Mas a demanda por maiores salários acabou não sendo atendida pelo governo, comandado pelo partido populista e nacionalista de extrema direita Lei e Justiça (PiS), que foi reeleito no mês de outubro.
Essa mesma eleição evidenciou também desafios políticos poloneses: o PiS é acusado de interferir no funcionamento da imprensa e do Judiciário e de aumentar o isolamento da Polônia da União Europeia, por ter atitudes consideradas antidemocráticas.
“Durante décadas, cientistas políticos enxergaram a Polônia como a grande história de sucesso de transição do comunismo à democracia”, escreveu o cientista político alemão-americano Yascha Mounk em artigo para a Folha de S.Paulo, em outubro. “Essa narrativa começou a ser posta em dúvida quando o PiS chegou ao poder, em 2015. (…) O líder da legenda, Jaroslaw Kaczynski, começou imediatamente a atacar o estado de direito e a limitar a independência de instituições fundamentais, como a rede de rádio e TV pública do país.”
Na educação, o país avançou imensamente, mas não chegou ao nível de qualidade e igualdade de referências como a Finlândia, aponta Ripley em seu livro.
“A qualidade das faculdades de formação de professores variava tremendamente. Os professores que conseguiam arranjar trabalho ainda não ganhavam salários suficientemente bons. Enquanto não redobrasse o rigor e resolvesse o problema da qualidade do ensino, a Polônia jamais seria a Finlândia”, conclui ela.
“Ainda assim, a Polônia tinha feito um avanço revolucionário e espetacular, mostrando que mesmo países às voltas com transtornos e adversidades poderiam fazer o melhor para seus educandos em questão de poucos anos. O rigor era algo que podia ser cultivado. Não tinha de aparecer de maneira orgânica. Verdade seja dita, não havia evidências de que tivesse surgido organicamente em país nenhum. Era possível aumentar as expectativas. Gestores e dirigentes educacionais ousados que não se considerassem sabichões poderiam ajudar a formar toda uma geração de crianças mais inteligentes.”