Como anda a saúde mental da mulher brasileira? Por Alessandra Diehl

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Uma em cada cinco mulheres apresenta transtornos mentais; mulheres são duas vezes mais propensas ao suicídio e a automutilação que os homens

Compartilhado de Jornal GGN




Como anda a saúde mental da mulher brasileira?

Da ABEAD – Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas.

Por Alessandra Diehl

Neste 8 de março, nós mulheres certamente temos que celebrar todas as nossas conquistas! No entanto, cabe também lançarmos luz para a saúde mental das mulheres brasileiras que são agravadas diretamente por relações abusivas e violentas de suas parcerias íntimas, pelo machismo, pela misoginia, pela intolerância, pelas desigualdades de gênero e pelo racismo os quais, infelizmente, ainda são bastante prevalentes na sociedade brasileira.

As ciências sociais explicam que o patriarcado (“a regra do pai”) é a expressão de um ordenamento social (não reduzível a relações interpessoais) que sob a ótica de privilégios e das relações de poderes dentro de uma sociedade (re)produz iniquidade de gênero. O entrelaçamento de várias interseccionalidades é que faz nascer uma nova realidade social, cuja síntese se traduz em um sistema de dominação e exploração das mulheres como forma de opressão. Esta opressão, que pode ser também compreendida como abuso, exploração ou carga tem íntima relação com a saúde mental de mulheres.

Em 2021, o Instituto Cactus, em parceria com o Instituto Veredas, lançou dados de um levantamento chamado Caminhos em Saúde Mental que revelaram que uma em cada cinco mulheres apresenta transtornos mentais comuns no Brasil e a taxa de depressão é, em média, mais do que o dobro da taxa de homens com o mesmo sofrimento, podendo ainda ser mais persistente nas mulheres. Mulheres são duas vezes mais propensas ao suicídio e a automutilação que os homens. No Brasil, a violência autoprovocada, entre 2011 e 2018, apresentou quase 340 mil notificações. Desse total, 45% dos episódios foram observados em jovens entre 15 e 29 anos, sendo 67% deles em mulheres.

As diferenças de sexo e gênero também precisam ser contempladas, para além dos fatores biológicos, de forma que as mulheres sejam reconhecidas como sujeitos que precisam lidar com as desvantagens de gênero, diferenças socioculturais e vulnerabilidades que se entrelaçam no processo saúde-doença. Sabemos que a prevalência de condições de saúde mental é maior nas mulheres e isso não se limita às questões biológicas, mas tem também, alta relação com questões associadas às vulnerabilidades de gênero e exposições a riscos específicos para a saúde mental delas, por conta de diferentes processos biológicos e relações sociais.

Ser mulher em nossa sociedade, ou tornar-se mulher como bem disse Simone de Beauvoir, representa exercer papéis, comportamentos, atividades e oportunidades que determinam o que se pode experimentar ao longo da vida e, portanto, estabelece vivências estruturalmente diferentes daquelas experimentadas por homens. Dentro deste contexto interseccional não podemos deixar de mencionar a dupla opressão de gênero e raça em nosso país, uma vez que o racismo de todas as formas, mas principalmente o racismo estrutural, afeta a saúde mental de mulheres pretas trazendo como consequência a internalização por elas de características negativas que lhes são atribuídas, gerando sentimentos de inferioridade, prejudicando a autoestima, favorecendo o isolamento e o adoecimento psíquico de mulheres pretas.

Depressão, ansiedade, transtornos do sono, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e ideação suicida são apenas algumas das doenças mentais que acompanham mais as mulheres do que os homens. Soma-se também o fato de que consumo de álcool entre as mulheres tem aumentado nas últimas décadas. A dependência do álcool em mulheres deverá ser igual à dos homens até 2030 já que o número de mulheres de 18 a 24 anos que bebem na forma de binge, cresceu de 14,9% para 18% entre 2010 a 2018. Entre as que bebem, uma em cada quatro mulheres fazem consumo excessivo de bebidas alcoólicas, sendo que 2% desenvolve algum grau de dependência, os dados são do último levantamento da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (VIGITEL).

Entre os principais fatores que levam mulheres, especialmente as mais vulneráveis, ao sofrimento psicológico e ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos já citados estão a sobrecarga física e mental de trabalho a que estão submetidas. A baixa qualidade da ocupação que atinge diversas mulheres, com predomínio de trabalhos na informalidade, do caráter temporário e da precariedade dos vínculos empregatícios, também pode gerar temor e ansiedade. Este cenário é agravado pela somatória da dupla jornada de trabalho da grande maioria das mulheres que têm que administrar o trabalho remunerado e as tarefas domésticas.

A saúde mental das mulheres brasileiras também pode ser impactadapelas diversas formas de violências as quais estão submetidas no dia a dia.As violências psicológica, física, sexual, simbólica e institucional são resultado de uma ampla gama de práticas sociais experenciadas em sociedades como a nossa onde ainda existe uma cultura machista muito arraigada.Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quinto país no mundo no ranking de feminicídios. Em 2021, foram 1.319 casos, uma morte a cada sete horas e mais de 66 mil mulheres foram vítimas de estupro; mais de 230 mil brasileiras sofreram agressões físicas por violência doméstica. No primeiro semestre de 2022, o Brasil bateu recorde de feminicídios, registrando cerca de 700 casos no período. 

Como mudar este cenário?

Esta realidade nos mostra que para mudar este cenário e de fato cuidarmos da saúde mental das mulheres brasileiras precisamos de abordagens específicas para cada público afim de promover uma cultura de promoção e prevenção em saúde mental. Isso atravessa, necessariamente, a construção de políticas públicas e intervenções sociais, educativas e jurídicas que garantam os nossos direitos enquanto mulheres e o pleno acesso a todas nós ao atendimento de qualidade. Além disto, primordial para esta mudança é o papel da educação em diminuir a masculinidade tóxica que (re)produz estereótipos em que a nossa sociedade tende a atribuir ao sexo masculino e que fazem tanto mal não só a sociedade e a nós mulheres, mas também aos próprios homens.

Que nós mulheres possamos celebrar todos os atos de coragem e determinação que nós mulheres desempenhamose assim, reconhecermos este papel extraordinário que estamos construindo juntas na história donosso país, em nossas casas e em nossas comunidades, transformando realidades e incentivando outras mulheres a serem protagonistas de suas próprias biografias sem tanto adoecimento psíquico e sem tanta violência.

Feliz Dia 8 de março a todas as mulheres brasileiras!

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