Por Enio Squeff, jornalista, escritor e artista plástico
“Era previsível que o Brasil acordasse meio sonâmbulo do pesadelo Bolsonaro. Nunca tivemos tantos fanáticos em torno de um homem decididamente medíocre e que, ao fim de quatro anos, não tinha nada a apresentar a seu povo.
Não se sabe o que escondem as caixas pretas de 100 anos de sigilo, que ele decretou. Mesmo seus mais fanáticos seguidores admitem que governou mal a pandemia, que nunca teve plano de governo, que só se preocupou em fazer motociatas, e que, quando concluiu algo, apenas estabeleceu um puxadinho de modo a dizer que a obra foi sua.
Quanto ao mais, deixou que o país literalmente fosse queimado, isolou-se mundialmente, beneficiou seus amigos de farda de maneira escandalosa – tornando-os cúmplices de seus malfeitos, e quando em meio à miséria que promoveu, por fim, aos milhões, perdeu a eleição (ainda se irá provar que comprou votos), ei-lo abúlico e choroso. Um fiasco.
O fato de ter sido um militar, que governou o país, tornou as coisas ainda piores. Sabemos que as Forças Armadas não têm absolutamente nada de diferentes das outras instituições. Pior, sabemos, na maioria, que se algo as preocupam, não são propriamente os assuntos relativos a patriotismo e quejandos. Mas a bufunfa.
O dramaturgo francês Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière (1622-1673), escreveu uma peça cujo título define a gestão Bolsonaro. Chama-se “Les Précieuses Ridicules” (As Preciosas Ridículas). Embora o argumento da peça não tenha nada de governança, ele define perfeitamente o que foram os quatro anos do governo Bolsonaro. Nada fugiu aos epítetos de “preciosas” e “ridículas”.
Preciosas, não apenas porque nele se acotovelaram gente de alta patente, não somente militar, buscando se beneficiar de tudo o que o governo mal conseguiu fazer – daí as preciosas, mas também porque, no fundo, foi tudo muito, muito ridículo. Gente que se considerava de alto “pedrigree”, desfilou num lamaçal como se estivesse pisando no salão de espelho de Versalhes; e ridículas, porque fingiram como se não soubessem de nada.
Existe algo de mais grotesco do que a encenação do batismo nas águas do rio Jordão, ou o homem comendo frango frito e espalhando farinha pelo chão de uma barraca em Brasília? Nem se fale da reunião ministerial em que o que mais sobressaiu foram os palavrões. Difícil acreditar que o chefe de um bando de malfeitores permitisse que seus asseclas proferissem tantas barbaridades de baixo calão.
No entanto, nada impediu que, em alguns templos, ele fosse consagrado como homem de Deus. Alguns comandantes militares sabiam com quem estavam lidando. Mas havia um projeto de poder e nada assanha mais os homens do que a promessa de um butim. E o que todos esperavam era algum lucro. Que, afinal, veio. Ou Pazuello, o canhestro general não foi eleito por ter demonstrado uma incompetência ilimitada como especialista em logística? Imaginá-lo a suprir as forças brasileiras que lutaram no Paraguai, o Brasil seria hoje uma colônia do país vizinho.
Ricardo Salles, ministro do meio ambiente, deveria administrar madeireiras. Que é do que parece que ele entende. A lista é infindável e, dos seus ministros, não se salva um: todos compuseram uma trupe à imagem e semelhança de seu chefe. Alguns, um pouco menos, outros, um pouco mais.
O repertório de perversidades da Sra. Damares Alves rivaliza, vantajosamente, com todas as obras do Marquês de Sade e de Sacher-Masoch (que deu origem à palavra masoquismo). Foi eleita consagradoramente. Quanto aos ministros de educação, da saúde, e ponham-se ministros nisso, todos foram consagrados pela porção podre da sociedade brasileira. Ou saíram bonito.
Tudo isso consagra uma conclusão. Ouvi certa vez o grande intelectual norteamericano Noam Chomsky dizer que o que surpreendia na ascensão de Hitler é que a monstruosidade do nazismo se deu na Alemanha, a nação mais culta da Europa da época. De fato, quem viveu aquele momento, avaliza a versão.
Aqui, fala-se em loucura coletiva, na insanidade que se espalhou como um rastilho de pólvora. Fosse eleito para um segundo mandato, o Inominável, que agora se encaramujou num mutismo que só a psiquiatria explica, talvez se lembrasse de emular seu ídolo – o coronel Carlos Brilhante Ustra, um dos assassinos e torturadores mais que cruéis que nos foi legado pelo golpe de 64. E que não só ganhou monumentos, porque muitos oficiais de sua geração, justamente os que serviram Bolsonaro, fracassaram fragorosamente no auxílio à governança do capitão, que muitos admiram (como se não tivesse sido expulso do exército).
Seria um novo genocídio, mas desta vez consagrado pela população que votou nele. E que hoje canhestramente (sempre os ridículos) pede um golpe. E que ainda o considera um grande homem. O mérito da era Bolsonaro é que ele nos fez entender o nazismo da Alemanha.”
Imagem da capa do post: Pintura de Enio Squeff, sem Título, 202240×50 cm (altura x largura), acrílica sobre tela.