Por Luis Nassif par a o Jornal da CGN –
Na Folha de ontem o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, procura rebater as acusações de que a crise com títulos públicos dos últimos dias foi de responsabilidade do BC.
Segundo ele, não procederia a informação de que o BC colocou mais LFTs do que o mercado demandava, visto que houve resgate líquido de papel no período. Nem se pode atribuir o prejuízo dos fundos ao novo sistema de “marcação a mercado” (pelo qual os fundos contabilizam os papéis em suas cotas de acordo com o preço de mercado, e não pela rentabilidade diária), já que o preço das LFTs caiu antes da entrada em vigor do novo sistema (que era praticado por apenas parte dos fundos).
Também não julga incorreto o alongamento do perfil da dívida, já que é objetivo virtuoso de política monetária esse procedimento. Finalmente, afirma que a troca de títulos cambiais por “swaps” de câmbio não aumentou a exposição do BC ao risco cambial.
É possível justificar todas as medidas isoladamente, mas, aparentemente, ainda não caiu a ficha do BC sobre o que a soma desses fatos provocou.
A LFT é o papel por excelência dos investidores conservadores, pequenos poupadores que aplicam em fundos de renda fixa e fundos DI. Sua remuneração corresponde à variação diária do overnight. Além disso, por ser papel de risco soberano (isto é, garantido pelo governo) e com remuneração atrelada ao over, deveria ser vendido ao par, isto é, pelo seu valor de face. Custa 100, os fundos compram por 100 e diariamente repassam para o investidor a variação do overnight.
No caso de outros papéis, como as LTNs, costuma haver oscilação no valor de face, porque são papéis prefixados ou com taxas diferentes das do overnight. Como a maioria desses papéis é “rolada” diariamente no overnight, quando sente que o papel pode render menos, ou as taxas de juros podem aumentar, os investidores (fundos, bancos, corretoras) exigem um desconto para comprar o papel. Por isso são mais utilizadas por fundos especulativos, que operam com a oscilação do seu preço.
Neste ano houve resgate líquido de LFTs, mas o BC colocou papéis de prazos longos em quantidade maior do que o mercado comportava, de R$ 13 bilhões a R$ 15 bilhões. O mercado começou a recusar o papel devido às incertezas sobre a política econômica do novo governo -e aí Armínio está coberto de razão. O problema foi a maneira como o BC enfrentou esse problema.
Depois do 11 de setembro o BC vendeu US$ 10 bilhões em papéis cambiais no mercado, para acalmar as empresas que queriam proteção contra a alta do dólar. Em janeiro, rolou uma parte com cambiais longos, mas o mercado exigiu preços muito altos.
Para contornar essa exigência, o BC passou a oferecer “swap” (uma operação pela qual ele garante ao comprador a variação do dólar ocorrida no período) amarrado com LFTs. Compra um, tem que comprar outro. Ocorre que, na hora de fazer as contas, os bancos aceitaram comprar LFT com prejuízo porque compensaria com os lucros que teriam no “swap”.
Só que esse preço pago pela LFT casada contaminou imediatamente todo o estoque de LFTs do mercado, em um momento no qual o mercado já estava começando a se desfazer dos papéis de prazos mais longos. Para resolver um problema de pouco mais de US$ 5 bilhões, o BC contaminou um estoque de LFTs de R$ 290 bilhões.
Quando os preços da LFT foram afetados por essa operação, o BC obrigou todos os fundos a mudar a fórmula de cálculo das suas cotas, para evitar que alguns espertos tivessem lucro em cima da queda das LFTs -já que a queda no valor da cota hoje será compensada por uma maior rentabilidade amanhã.
O que resultou foi esse enorme nervosismo no mercado. O que especialistas recomendam é que o BC passe a comprar as LFTs pelo valor de face, até que se reduza a corrida contra os fundos. Depois, que aumente o compulsório para enxugar o dinheiro de novo da economia. Com isso, acalmará o mercado e devolverá à LFT a reputação arranhada.
Coluna de 12 de outubro de 2012
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O Banco Central e a crise
Não está certo o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em debitar à campanha eleitoral os problemas cambiais enfrentados pelo país. Politiza o debate, acirra o nervosismo do mercado e tira o corpo de erros que foram cometidos na gestão cambial deste ano. E foram muitos os erros.
Quando teve início o nervosismo do mercado, no primeiro semestre, o BC decidiu administrar as demandas adiando os problemas para o último trimestre deste ano, justamente o período em que o mercado estaria mais nervoso, por conta das eleições. Ou seja, jogou o pepino para o epicentro da crise.
O erro inicial foi ter utilizado a “marcação a mercado” na definição do valor dos títulos em carteira dos fundos, provocando desvalorização das cotas. Criou um nervosismo desnecessário, porque a maior parte dos títulos era levada até o vencimento pelos fundos.
No plano cambial, foram muitos os equívocos. Um deles foi o de, para reduzir o nervosismo do mercado com as mudanças dos fundos, ter trocado papéis cambiais com vencimento para 2003 e 2004 por outros com vencimento no último trimestre deste ano, em pleno período eleitoral. De 17 de outubro a 12 de dezembro serão US$ 9,35 bilhões em vencimentos, além de US$ 5 bilhões em “swaps” cambiais que vencem entre 17 de outubro e 18 de dezembro.
A última coisa a fazer, em uma empresa com dificuldade de caixa, é antecipar vencimentos de dívidas, me diz um analista independente. Pelo contrário, o caminho prudencial é o do alongamento da dívida, para reduzir os problemas de liquidez. A idéia de encurtar o prazo pode ter contentado o mercado em um primeiro momento, mas deixou bombas pelo caminho, um excesso de procura sem oferta, em um período de alta volatilidade motivada pelas eleições, que começou a movimentar a roda da especulação.
O jogo começa quando os detentores de títulos cambiais começam a manipular o mercado para elevar o valor do Ptax (o preço de liquidação do título cambial). Com o cenário instável por si, por conta das eleições, os bancos técnicos saem da parada, deixando o terreno aberto para os especuladores. Com o movimento de alta, quem tem dólar à vista segura, esperando uma nova alta. Quem precisa se proteger compra correndo, temendo uma nova alta. E aí se cria o moto-contínuo da crise, explica o analista.
A manipulação pode ocorrer de várias formas, a mais primária das quais é a chamada operação “Zé com Zé”, em que há troca de chumbo entre instituições. Essas operações vêm ocorrendo com grande insistência, sem que o Banco Central as detecte e puna.
Não foi o único erro do BC. Entre agosto e outubro deste ano, gastou US$ 2,8 bilhões na recompra de C-Bonds, com vencimento entre 2003 e 2005, pagando entre US$ 0,54 e US$ 0,60 por dólar para fazer a cotação subir e ajudar a “percepção da curva de juros dos papéis brasileiros e melhorar a formação da taxa de risco Brasil”, segundo Beny Parnes, diretor do BC e pai da operação.
O resultado foi inverso. O papel está cotado a US$ 0,495 por dólar e a taxa de risco Brasil não parou de subir. Nessa recompra, o BC amargou perda financeira entre US$ 250 milhões e US$ 280 milhões. Se esses US$ 2,8 bilhões tivessem sido utilizados internamente, poderiam ter sido muito mais eficazes para acalmar o mercado.
Por isso, o melhor a fazer é Armínio Fraga -a quem o país deve muito, por sua atuação tranquilizadora na crise cambial de 1999 – evitar debitar esses problemas ao processo político e tratar de atuar com serenidade, enquanto espera o vendaval passar.