Publicado no Portal Vice –
O fotógrafo Jan Banning nos leva para prisões de Uganda, França, EUA e Colômbia.
Cerca de 10.350.000 pessoas estão presas atualmente pelo mundo, segundo o grupo de direitos humanos Penal Reform International. Todo ano, esse grupo sem fins lucrativos examina o estado do encarceramento pelo mundo e divulga um relatório. E ano passado o relatório deles pode ser resumido por um trecho nada bom:
“As condições de detenção estão piorando, o número de prisioneiros está aumentando enquanto as taxas de crime estão caindo na maioria das sociedades.”
Claro, uma acusação triste para a popularidade universal das políticas de tolerância zero. Muitos sistemas de justiça no mundo estão superlotados, o que para a maioria dos eleitores não é uma questão porque eles não veem o resultado. A maioria das pessoas nunca esteve numa prisão, então não sabemos a onipresença de infraestrutura decadente e celas pensadas para duas pessoas lotadas com várias. Somos cegos para como nosso voto afeta diretamente os mais pobres e com menos educação da sociedade, então não nos importamos. E assim a espiral continua.
Esperando contribuir com uma reavaliação muito necessária do nosso sistema legal global, o fotógrafo holandês Jan Banning assumiu a tarefa aparentemente impossível de fotografar o interior de prisões ao redor do mundo. Viajando para Uganda, França, EUA e Colômbia, as fotos de Jan nos convidam a questionar se as prisões estão realmente realizando seu propósito – corrigir, reabilitar e desencorajar o crime.
Falando com a VICE de sua casa, Jan explicou como teve acesso a esses lugares, o que ele viu e o que aprendeu no final sobre a reforma criminal ao redor do mundo.
VICE: Oi, Jan. Primeiro, você pode falar um pouco sobre o que essas fotos estão tentando nos dizer? Por que esses países? Por quê, por exemplo, você compara uma prisão na Uganda com uma prisão na França?
Jan: Boa pergunta. Primeiramente, me perguntei “onde posso tirar boas fotos?” Isso provavelmente me renderia um bom livro fotográfico, mas qual a relevância? O que isso significaria? Eu sempre quis que meu trabalho tivesse um papel no debate público.
Então, com ajuda do Instituto Max Planck, decidi me focar em países baseado em algumas diferenças: uma divisão entre lei civil e lei comum, uma consideração de sua natureza geográfica, e quão importante esses países são internacionalmente. Aí escolhi dois exemplos de cada uma das principais versões de lei criminal: um exemplo ocidental (a lei civil na França e a lei comum nos EUA) e um exemplo não-ocidental (lei civil na Colômbia e lei comum em Uganda). Também escolhi fotografar os EUA em vez da Inglaterra, porque os EUA tem a pena de morte, o que, claro, é o sistema mais radical que existe.
Quais foram as prisões mais fáceis de entrar?
De longe, o acesso mais fácil que tive foi em Uganda, acho que provavelmente devido às ideias liberais do Comissário de Prisões lá, uma pessoa muito aberta e transparente.
E como foi nas outras prisões?
As outras foram um pesadelo. Na França, levei dois anos para conseguir acesso. Nos EUA levei um pouco menos de dois anos, na Colômbia, a primeira rodada em prisões de segurança média e mínima foi fácil. Mas na viagem seguinte, para tirar fotos das prisões de segurança máxima, eles me enganaram. Depois de muita burocracia, eles me deram acesso a quatro prisões de segurança máxima, mas chegando lá, me impediram de fotografar qualquer coisa que não fosse aulas sem sentido de inglês em salas vazias e uma oficina onde os detentos trabalhavam com madeira. Ainda era tudo muito sujo e superlotado, mas em certas áreas, só de olhar pelas lentes das câmeras eu já era cercado de guardas que me impediram fisicamente de fotografar. Além disso, na Colômbia, os juízes geralmente não queriam ser fotografados, porque isso poderia colocá-los em risco.
Teve algo particularmente surpreendente ou chocante que você descobriu fotografando esses quatro sistemas diferentes?
O que me surpreendeu foi como a atmosfera era muito mais relaxada em Uganda. De todas, a atmosfera lá provavelmente era a melhor. Mas claro, as prisões de Uganda não são hostels. Elas são superlotadas, há muita pobreza, mas lá os detentos pareciam ser bem tratados no geral.
Eu diria que a França, materialmente, era a melhor das quatro. Os detentos podem ter muitas coisas nas celas, eles também podem cozinhar para si mesmos. Eu diria que o encarceramento na França é tolerável, falando em termos relativos. Esses dois sistemas me pareceram relativamente humanos.
O que achei interessante é que esse contraste também era muito visual, o que foi uma boa coincidência para mim. Olhando as fotos de Uganda, há muitas cores quentes. Eles usam muito amarelo, como num vilarejo africano. Nos EUA é tudo aço inoxidável e concreto, tudo muito frio. As prisões americanas tinham um clima muito mais deprimente.
Fiz amizade com a prisioneira mais famosa de Uganda, que desde então foi libertada e palestrou na minha exposição Law and Order na Alemanha. Ela confirmou minha impressão de que o relacionamento entre os guardas e os outros prisioneiros em Uganda é muito boa, o que eu não esperava. Mesmo tendo passado por muitos lugares do mundo nos meus 37 anos de carreira, eu esperava que as prisões de Uganda fossem as piores, e esperava que as prisões nos EUA fossem melhores. Esses dois países foram os que mais me surpreenderam.
O que te surpreendeu no sistema carcerário dos EUA?
Bom, eu diria que as prisões dos EUA são punição institucionalizada, apesar de estarem sob o Departamento Correcional. Acho que as cadeias americanas são pensadas principalmente para punir.
Quanta interação você podia ter com os detentos em cada país?
Interagi com eles em Uganda. A foto do homem tomando banho de sol entre as paredes coloridas na França era um chefe da máfia da Córsega. Conversamos por uma meia hora. Na Colômbia eles me impediram de falar com as pessoas. A mesma coisa nos EUA.
Como você gostaria que essa série comparativa contribuísse para a discussão pública cercando sistemas de encarceramento?
Não comecei necessariamente para provar que um sistema era melhor que outro, esse não foi meu ponto de partida. Mas claro, no final eu tinha minhas preferências.
Os serviços correcionais e o jeito como lidamos com o crime parece ter um grande papel na política de muitos países, ainda mais do que alguns anos atrás, com a ascensão de partidos populistas e essa ideia de que como punimos as pessoas vai determinar a queda da taxa de crimes. No livro, apresento comparações de taxas de crimes e assassinatos em várias partes da Europa, que vêm caindo muito. O mundo é mais seguro que nunca, talvez com exceção dos anos 1950 e 1960, a acho que muitas pessoas não estão conscientes disso. Espero que o livro contribua para o debate público sobre como lidamos com o crime. Acho que comparar sistemas, situações e culturas diferentes é um jeito muito bom de ganhar perspectiva.
Você fala um pouco sobre por que acha que encarceramento não é particularmente eficaz em muitos casos. Por quê? Você sente que há uma alternativa para o sistema atual de encarceramento?
Tenho muitas dúvidas sobre o uso do sistema prisional no geral. Sei que em alguns casos é necessário isolar pessoas da sociedade. Algumas pessoas não podem participar da sociedade, mas acho que isso é uma minoria na população carcerária. Acho que muita gente lá só teve azar, nunca teve uma oportunidade, talvez tenha problemas mentais, são da classe mais baixa, e que raça tem um papel nisso. Acho que esse foco em punição não é a melhor ideia. Acho que corrigir e dar oportunidades para as pessoas contribuírem para a sociedade é uma ideia muito melhor, o que pode muito bem ter algo a ver com a minha origem. Na Holanda, as taxas de encarceramento são tão baixas que eles estão alugando prisões para a Noruega e Bélgica.