Por Fernando do Valle, Zonacurva –
A pequena Nicarágua, na América Central, sofria os ataques dos impulsos imperialistas norte-americanos bem antes da Guerra Fria, período de disputa da hegemonia geopolítica no mundo entre os Estados Unidos e a União Soviética que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. A América Latina sofreu as agruras desse embate. Nas décadas de 20 e 30 do século passado, o revolucionário nicaraguense Augusto Sandino foi o precursor em enfrentar a intervenção dos Estados Unidos nos assuntos internos dos países latino-americanos.
Ainda adolescente, Sandino testemunhou o enterro do general Benjamín Zeledón, que lutou contra a primeira intervenção militar norte-americana em seu país, iniciada em 1909. O general foi assassinado pelas tropas invasoras em 2 de outubro de 1912. Sandino sempre lembrava que a centelha de sua obstinada resistência ao invasor do Norte nasceu naquele momento. Ali se iniciava a fascinante história do líder revolucionário Sandino, que ainda vive no imaginário da auto-afirmação da identidade latino-americana.
A mãe do guerrilheiro nicaraguense, Margarita Calderón, era muito pobre e sobrevivia como camponesa e empregada doméstica. Seu pai, Gregorio Sandino, vinha de uma família com um pouco mais de recursos e era proprietário de um pequeno lote de terra. Já com os pais separados, Sandino trabalhou durante a infância na difícil colheita de café ao lado da mãe na região do Pacífico nicaraguense. Aos 11 anos, Augusto foi viver com o pai.
Augusto César Sandino nasceu há 120 anos na pequena Niquinohomo no dia 18 de maio de 1895. Morreu na capital nicaraguense Manágua em 21 de fevereiro de 1934, com apenas 38 anos.
Entre 1920 e 1923, Sandino trabalha na Guatemala nas plantações da United Fruit, multinacional norte-americana que comercializava frutas tropicais. Trabalha também em empresas produtoras de petróleo nas cidades mexicanas de Tampico e Cerro Azul, entrando em contato com militantes socialistas e anarquistas embalados pelo clima de mobilização sindical criado pela Revolução Mexicana.
Em agosto de 1925, depois de mais de 13 anos de ocupação, os Estados Unidos retiram suas tropas de Nicarágua e confiam seus interesses a grupos paramilitares. Em 1926, Emiliano Chamorro assume através de um golpe militar e após somente um ano, os marines dos Estados Unidos desembarcam novamente na Nicarágua já que não reconhecem a legitimidade de Chamorro. Em outubro deste ano, Sandino volta à Nicarágua e se une às tropas constitucionalistas. No dia de Natal, Sandino e outros constitucionalistas combatem os invasores com a colaboração das prostitutas que trabalham na região portuária da cidade litorânea de Puerto Cabezas.
Durante o ano de 1927, Sandino acompanha de perto o armistício entre o general Moncada e o governo do presidente republicano Calvin Coolidge, que governou os Estados Unidos entre 1923 e 1929. Sandino não se convence que a soberania nicaraguense foi respeitada pelo acordo entre os dois países e continua sua luta pela expulsão das tropas norte-americanas do país.
Para isso, recebe o apoio de combatentes estrangeiros de países como El Salvador, Guatemala, México e Venezuela, inclusive do dirigente comunista salvadorenho Farabundo Martí. No final de 1928, Moncada é eleito presidente em eleição organizada pelos marines e contestada por Sandino.
“Iremos até o sol da liberdade ou até a morte; se morrermos, nossa causa seguirá vivendo. Outros nos seguirão” (Sandino).
Entre 1930 e 1932, o Exército Defensor da Soberania da Nicarágua, comandado por Sandino, chegou a possuir em suas fileiras 6 mil soldados. Após uma longa guerra civil, no primeiro dia de janeiro de 1933, a causa sandinista consegue expulsar as tropas norte-americanas do país. Juan Bautista Sacasa assume a presidência e o general Anastacio Somoza passa a comandar a Guarda Nacional, que ainda sofre forte influência dos Estados Unidos. Em fevereiro, Sandino firma um acordo de paz com o governo central mesmo se queixando das perseguições e assassinatos perpretados pela Guarda Nacional a combatentes do Exército Defensor.
Sob as ordens do embaixador norte-americano, Somoza desobedece ao salvo conduto fornecido pelo governo ao líder nicaraguense e arquiteta seu assassinato no dia 21 de fevereiro de 1934 após uma reunião de Sandino com o presidente Sacasa.
Em junho de 1936, Somoza derruba Sacasa e assume a presidência. Ele e seu filho dominaram o governo nicaraguense durante décadas. Em 1939, o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, ironizou: “Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.
O curioso é que Anastasio “Tachito” Somoza Debayle, filho do algoz de Sandino, foi derrubado do governo pela FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), grupo político que segue o ideário político de Augusto Sandino, em 1979. O ditador Somoza Debayle fugiu para o Paraguai onde foi assassinado em 17 de dezembro de 1980.
“Minha maior honra é ter surgido do seio dos oprimidos, que são a alma e o nervo da raça” (Sandino).
Fernando do Valle, blogueiro e jornalista. Pai de Lorena, santista e obcecado por literatura, cinema, música e política.