Como chegar à paz que Israel não quer

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Ela exige dois Estados autônomos. Mas em negociações bilaterais, Tel-Aviv jamais a aceitará. Por isso, a saída é outra: um novo arranjo geopolítico, capaz de construir a solução na ONU – e mobilizando tropas internacionais, se necessário

por Jeffrey D. Sachs, compartilhado de Outras Palavras




Foto: Majdi Mohammed/AP

Por Jeffrey D. Sachs, no Other News | Tradução: Rôney Rodrigues

A solução de dois Estados está consagrada no direito internacional e é o único caminho viável para uma paz duradoura. Todas as outras soluções – uma continuação do regime de apartheid de Israel, um Estado binacional ou um Estado unitário – garantiriam a continuação da guerra por um lado ou por outro ou por ambos. No entanto, a solução de dois Estados parece irremediavelmente bloqueada. Não é. Aqui está um caminho.

O governo israelense opõe-se fortemente a uma solução de dois Estados, tal como uma proporção significativa da população israelense, alguns por motivos religiosos (“Deus deu-nos a terra”) e outros por motivos de segurança (“Nunca poderemos estar seguros com um Estado palestino”). Uma proporção significativa de palestinos considera Israel uma entidade ilegítima de colonialismo de colonos e, em qualquer caso, desconfia de qualquer processo de paz.

Como, então, proceder?

A recomendação habitual é a seguinte sequência de eventos em seis etapas: (1) cessar-fogo; (2) libertação de reféns; (3) assistência humanitária; (4) reconstrução; (5) conferência de paz para negociações entre Israel e Palestina; e finalmente (6) estabelecimento de dois Estados em fronteiras acordadas. Este caminho é impossível. Há um impasse perpétuo nos passos 5 e 6, e esta sequência falhou durante 57 anos, desde a guerra de 1967.

O fracasso de Oslo é o caso paradigmático em questão. Existem diferenças irreconciliáveis, como o estatuto de Jerusalém Oriental. Os fanáticos israelenses forçariam a saída do poder de qualquer político israelense que se atrevesse a ceder Jerusalém Oriental à soberania palestina e os fanáticos palestinos fariam o mesmo com qualquer líder palestino que desistisse da soberania sobre Jerusalém Oriental. Deveríamos abandonar a ilusão contínua de que Israel alguma vez chegará a um acordo, ou de que a Palestina alguma vez terá o poder de negociação significativo diante Israel, especialmente quando a Autoridade Palestina é altamente dependente dos EUA e de outros financiadores.

A abordagem correta é, portanto, oposta, começando com o estabelecimento de dois Estados em fronteiras acordadas globalmente, nomeadamente as fronteiras de 4 de junho de 1967, tal como consagradas nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU e da Assembleia Geral da ONU. Os Estados-membros da ONU devem impor a solução de dois Estados, em vez de esperar por mais uma negociação falhada entre palestinos e israelense.

Assim, o acordo deveria seguir esta ordem: (1) estabelecimento da Palestina como 194º Estado-membro dentro da estrutura da solução de dois Estados nas fronteiras de 4 de junho de 1967; (2) cessar-fogo imediato; (3) libertação de reféns; (4) assistência humanitária; (5) forças de manutenção da paz, desarmamento e segurança mútua; e (6) negociação sobre modalidades (assentamentos, regresso de refugiados, trocas de terras mutuamente acordadas e outras; mas não de fronteiras).

Em 2011, o Estado da Palestina (agora reconhecido por 140 dos Estados-membros da ONU, mas ainda não como um Estado-membro) solicitou o estatuto de membro pleno da ONU. O Comitê de Novos Membros do Conselho de Segurança da ONU (constituído pelo Conselho de Segurança) reconheceu a legitimidade da candidatura da Palestina, mas, como é absolutamente típico no “processo de paz”, o governo dos EUA convenceu a Autoridade Palestina a aceitar o “status de observador”, prometendo que a adesão plena à ONU ocorreria em breve. Claro que não ocorrerá.

O Conselho de Segurança, apoiado pela Assembleia Geral da ONU, tem o poder, abrigado na Carta da ONU, de impor o acordo de dois Estados. Pode fazê-lo como uma questão de direito internacional, após décadas de resoluções relevantes. E impor a solução através de uma combinação de incentivos (econômicos, financiamento para a reconstrução, forças de manutenção da paz apoiadas pelo Conselho de Segurança, desarmamento, segurança fronteiriça etc.) e penalizações (sanções por violações cometidas por qualquer uma das partes).

A única fronteira concebível para a criação da solução de dois Estados é a de 4 de junho de 1967. A partir dessa fronteira, os dois lados poderiam de fato negociar uma troca de terras mutuamente acordada para benefício mútuo, mas fariam isso sabendo que a “melhor alternativa para um acordo negociado” (BATNA – técnica de solução de conflitos) é a fronteira de 4 de junho de 1967.

É bem possível, e até provável, que os EUA vetassem inicialmente esta via proposta. Afinal de contas, os EUA já usaram o seu veto diversas vezes para bloquear até mesmo um cessar-fogo. No entanto, o processo de obter o veto dos EUA e, depois, garantir uma grande maioria de votos na Assembleia Geral da ONU será salutar por três razões.

Em primeiro lugar, a política dos EUA está mudando rapidamente contra as políticas israelenses, dada a crescente compreensão da população estadunidense sobre os crimes de guerra e o extremismo político de Israel. Esta mudança na opinião pública torna muito mais provável que os líderes dos EUA aceitem, mais cedo ou mais tarde, a abordagem básica aqui delineada devido à dinâmica política interna dos EUA. Em segundo lugar, o crescente isolamento dos EUA no Conselho de Segurança da ONU e na Assembleia Geral da ONU também está pesando fortemente sobre os líderes dos EUA e a forçando a liderança dos EUA a reconsiderar as suas posições políticas tendo em conta considerações geopolíticas. Terceiro, uma votação forte no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral das Nações Unidas para a solução de dois Estados nas fronteiras de 4 de junho de 1967 ajudará a fortalecer o direito internacional e os termos do eventual acordo assim que o veto dos EUA for levantado.

Por estas razões, existe uma perspectiva realista de que a ONU irá finalmente exercer a sua autoridade jurídica e de política internacional para criar as condições para a paz.

Há 22 anos, os líderes árabes e islâmicos afirmaram na Iniciativa Árabe de Paz de 2002 que o único caminho para a paz é através da solução de dois Estados. Em 7 de fevereiro de 2024, o Ministério do Comércio Exterior saudita reafirmou que uma paz abrangente só será alcançada através do reconhecimento de um Estado palestino independente nas fronteiras de 1967 e de Jerusalém Oriental como capital. Os Estados árabes e a comunidade internacional em geral não deveriam aceitar outro processo de paz vago que provavelmente é fadado ao fracasso, especialmente dada a urgência causada pelo genocídio em curso em Gaza e a má vontade acumulada ao longo dos últimos 57 anos por um infrutífero “processo de paz”.

A paz pode passar pela implementação imediata da solução de dois Estados, fazendo da admissão da Palestina na ONU o ponto de partida e não o ponto final. Dois Estados soberanos, nas fronteiras de 4 de junho de 1967, protegidos inicialmente por forças de manutenção da paz apoiadas pela ONU e outras garantias, serão o ponto de partida para uma paz abrangente e justa, não apenas entre Israel e a Palestina – mas também uma paz regional que garantiria relações diplomáticas em todo o Oriente Médio e pôr fim a este conflito que tem esgotado a população, a região e o mundo há mais de um século.

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