Como contar ao filho de 12 anos que futebol é a vida em 90 minutos

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Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista.

Nesta partida, Cícero César relata o seu jogo da vida ou melhor: a Seleção de sua vida que o ensinou que perder faz parte para aprendermos a ganhar. Eu, Washington, o Araújo, sempre disse, e gostaria que ficasse registrada como de minha autoria, a frase “Futebol é a vida em 90 minutos”. É isso que Cícero César relata ao filho Francisco Warrak, 12 anos.




“Querido filho, o tempo é um ponta-direita arisco, do tipo Uri Geller ou Mauricinho. Se você não os conhece, procure aí no Mr Google, o senhor de todos os sortilégios.
Falando em Google, não ouviremos nem veremos por enquanto coisas do tipo: “É gol, goool do Google”. Afinal, ele não passa de um guarda-metas de alGOLritmos. É lá vai o corretor automático encrencar com o L a mais.
Já dizia o Gilberto Gil, “o cérebro eletrônico faz tudo ou quase tudo, mas ele é mudo”.

Doze anos dão três Copas do Mundo. Para mim, a maior de todas foi a de 1982. Não levamos. Eu tinha onze anos, era mais novo que você. Nem chorar chorei. Só fui aprender a me lamentar Copas perdidas mais tarde, sou um sujeito anti-precoce. Todavia, vi o Brasil ser campeão de duas Copas. Não é para qualquer um. Mais uma Copa e eu peço gol no Fantástico.


Mas voltemos ao tempo. Palavrinha curiosa que quer dizer, entre outras coisas, as duas bandas de uma partida de futebol de campo. Duas bandas de quarenta e cinco minutos mais os acréscimos.

Na época em que eu ouvia o jogo pelo rádio, havia um locutor que dizia com sua voz bonita: “O relógio marca!” Ao que entrava uma vinheta para dizer, um tempinho depois, quanto tempo de jogo restava.

Aliás, jogo no rádio é mais ou menos como ouvir um áudio de Zap na velocidade 4.7 do Créu. Falta de sincronia é isso aí. É que no rádio se evita a qualquer custo o silêncio. É divertido.


Não, o tempo não é só um par de ponteiros habilidosos. É também uma cabeçada do Assis, camisa 10 do Fluminense. De vez em quando penso na dupla Washington/Assis. Era tão grande a sintonia entre eles era tal que o pessoal os apelidou de “Casal 20”.

Você sabe que até para morrer eles morreram na mesma época, nem velhos nem novos? Eu nunca vi um time do Fluminense tão bom. Nunca vi nem nunca verei, por óbvio. Mas eles continuam a jogar nos campos da minha imaginação.

Você também joga na minha imaginação, meu Fillol, digo, filho. Tanto que eu lhe escrevi um poema em que apontava as suas virtudes de craque – e você era recém-nascido!
Destaco os melhores momentos:

“A bola que trisca
Nesse gramado
Chama Francisco
De meu namorado
A bola que sabe
Procura o craque
O berço é o Maraca
Do Chico Warrak

Bem-vindo, Francisco
Na ponta dos pés
O meio-campista de todos vocês
Francisco Warrak Batista tu és
Francisco Warrak Batista e mais dez!”

Antes de pendurar as chuteiras desse texto, eu posso levantar o cartaz onde se lê:
“Eu já sabia!” Mesmo que você fosse um perna-de-pau, eu não me importaria. Há coisas mais importantes que o futebol. O futebol de botão, por exemplo. Agora, simbora que a gente já está atrasado para o treino.”

Foto de Ricardo Mantente, publicada no Jornal da Tarde/SP no dia 06 de junho de 1982, um dia após a chamada Tragédia do Sarriá.

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