Como defender em tucanês a sentença de Moro

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Por Luis Nassif, publicado em Jornal GGN –  

Veja o desafio.




Brilhar nas páginas de um jornal conta pontos para um advogado. O padrão aceito é o de defender a Lava Jato, embora a unanimidade comece a ceder. Mas, ao mesmo tempo, há uma reputação a ser zelada da parte dos mais advogados sérios.

Como se equilibrar?

Confiram como o brilhante dr. Carlos Ari Sundfeld se safou para atender a dois soberanos: o sistema e o direito.

Em cada sentença, há a análise da forma e do mérito. O mérito é essencial, a forma é acessória, embora possa levar à anulação de julgamentos.

O título do artigo dr Sundfeld é “Ao rejeitar parte da denúncia, Moro fortaleceu sentença“. Aparentemente, uma opinião definitiva sobre a sentença. De fato, é isso o que ele diz na abertura do artigo.

Colocar o secundário na frente e o essencial no fim faz parte do estilo jurídico, ao contrário da redação jornalística, que coloca o essencial no lide e no título. Mas nem Sundfeld conhece a fundo o jornalismo, nem o o mancheteiro conhece a fundo o direito. E destacou a forma em detrimento do mérito.

Segundo dr. Sundfeld, ao rejeitar a acusação secundária – o transporte de bens recebidos no exercício da Presidência – Moro teria fortalecido a acusação principal – o triplex.

Abre parêntesis:

Na época em que se levantou essa acusação, jornais se rejubilaram com vazamentos de procuradores e delegados lançando suspeitas até sobre a falta de alguns dos presentes. Aliás, era curioso. Lula era denunciado por se responsabilizar pelo transporte de bens que não eram dele. E, ao mesmo tempo, acusado de se apropriar dos mesmos bens.

Aliás, até o aparente ato de condescendência de Moro em relação ao transporte dos bens tem a intenção de reforçar a acusação principal.

Fecha parêntesis.

Sundfeld entra, então, na análise do mérito.

Endossa plenamente a tese de Moro de que a alegação de um acusado, de que o bem não é dele, é muito frágil porque todos os culpados dizem isso. “Isso, aliás, é lavagem de dinheiro, outro crime”, conclui o douto jurista. E diz que esse argumento só comove a militância.

A afirmação é importante para comprovar que o realismo jurídico fantástico não é prerrogativa apenas de Curitiba.

Imagine um crime com dois suspeitos: um culpado e outro inocente, ambos acusados de terem a posse de determinado bem. Ambos negam. Por definição, apenas um é culpado. No entanto, o notável discernimento do dr. Sundfeld condenaria ambos, porque a regra é que todo culpado mente.

Também endossa amplamente as provas consideradas por Moro, ao enfatizar as relações da família de Lula com o apartamento e a reforma personalizada. Taxativamente? Nem tanto.

Para não ser cobrado mais tarde por endosso tão taxativo, dr. Sundfeld recorre a uma esperteza jurídica: o SMJ, salvo melhor juízo. Ou seja, tudo o que falei é definitivo, salvo melhor juízo. E como ele tem que contentar a linha editorial do jornal, mas também não pode se expor tanto assim ante o público especializado, coloca um enorme SMJ no final do parágrafo:

É verdade que a demonstração de Moro impressiona, mas é claro que o recurso vai tentar chamar atenção do tribunal para outra leitura dos mesmos fatos. Aí serão outros juízes, outras cabeças.

Salvo melhor juízo, dr. Sundfeld não é contra nem a favor, muito pelo contrário.

Aí, entra em outro aspecto complexo: a cada ato de suborno tem que aparecer uma vantagem objetiva para o subornador.

Dr. Sundfeld diz que os executivos da OAS afirmaram que o valor foi descontado da conta de propina do PT. Ele não é um leitor comum, que acredita piamente que tudo o que um acusado diz para se safar é verdade cristalina: ele é advogado experiente que sabe que, se existisse a menor prova concreta, os delatores da OAS teriam apresentado. Além disso, o dr. Sundfeld trabalha com advocacia empresarial e sabe que o apartamento é uma besteira, totalmente desproporcional em relação aos valores envolvidos.

Mas ele endossa ou não a acusação? Na sequência, diz ele:

Moro levou isso em consideração na leitura de outras provas, que deram indicações no mesmo sentido. Mas é um ponto difícil, que o recurso vai atacar.

Qual o significado de “é um ponto difícil”. É simples: não convence. Se convencesse, não seria um ponto difícil, mas um ponto de fácil comprovação.

Pergunto: com tantas dificuldades para se afirmar o óbvio, é possível dizer que a Folha informa adequadamente seus leitores?

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