Como era e como é: chefe da SECOM monta puxadinho no planalto

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Nos primeiros dias do governo Lula, estava na minha sala na Secretaria de Imprensa e Divulgação (SID), quando a dona de uma revista de Brasília veio me procurar.

Queria anúncios do governo para a sua publicação e eu lhe expliquei que não cuidava dessa área.




Publicidade governamental era uma atribuição da Secom, chefiada pelo ministro Luiz Gushiken. Eu só cuidava das relações institucionais com a imprensa.

A mulher não se fez de rogada e foi direta ao assunto:

“Eu sei disso, mas você não está me entendendo. Vim aqui só para acertar um sistema fifty-fifty, entendeu? Metade da verba pra mim, metade pra você”.

Não, fingi que não entendi. Não, não conhecia esse sistema e pedi para a mulher se retirar antes que eu chamasse a segurança.

Nunca mais voltou, e me fez um favor: espalhou para o mercado de Brasília que eu era um petista xiita, um maluco com quem não tinha nem conversa.

Eu era um estranho no ninho, deviam me achar um ET.

Para espanto dos que queriam fazer negócios ou ocupar cargos, mantive a maior parte da equipe da SID, profissionais de carreira que trabalhavam com minha amiga Ana Tavares, secretária de Imprensa de FHC durante todo o seu governo.

Fui para Brasília acompanhando o presidente eleito Lula, depois de trabalhar como assessor de imprensa em três campanhas presidenciais, ganhando menos da metade do meu salário anterior na Folha.

Antes de assumir, pedi à minha mulher, uma pesquisadora respeitada no mercado, que ajudou a criar o Datafolha, para cancelar o contrato com o Ministério da Saúde, onde prestava serviços há anos na época de José Serra.

Não pegaria bem os dois trabalharem para o governo. Poderia parecer nepotismo.

Na mesma época, José Alencar, o vice de Lula, tinha nomeado um irmão para trabalhar no governo e foi detonado pela imprensa.

No dia seguinte, depois de uma rápida conversa que tivemos, a nomeação do irmão foi cancelada.

E não se falou mais no assunto. Eram outros tempos.

Agora, depois da denúncia da Folha, de que o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, tinha montado um puxadinho da sua empresa privada no Palácio do Planalto, para atender aos dois lados do balcão, como cliente e fornecedor, o presidente Jair Bolsonaro deu de ombros aos questionamentos da imprensa, e disse que manteria o auxiliar no cargo:

“Se foi ilegal, a gente vê lá na frente”.

Lá na frente, quando? Eleito com a bandeira do combate à corrupção, em nome da “nova política”, o capitão faz as suas próprias leis como qualquer aiatolá.

Todas as denúncias contra o governo para ele são fake news porque, na sua realidade virtual, simplesmente não existe corrupção no  governo, por mais provas que apareçam, envolvendo inclusive a sua própria família.

Como é que podem a Record e o SBT, clientes da empresa do secretário, receber um valor de publicidade do governo bem maior do que o da Globo, emissora líder, que tem uma audiência maior do que os dois concorrentes juntos?

No ano passado, a Secom movimentou uma verba de R$ 197 milhões em campanhas publicitárias.

Como fui besta… Em 2004, deixei o governo porque nossa renda familiar já não cobria as despesas.

Será por acaso que essas duas emissoras fazem “entrevistas exclusivas” a toda hora com Bolsonaro e sua família, os repórteres só levantando a bola, desde o tempo em que o candidato fugia dos debates “por razões médicas”?

É tudo tão grosseiro, tão grotesco, tão na cara, que eles nem se preocupam em esconder a parceria público-privada comandada por Wajngarten, que cuida ao mesmo tempo das relações com a imprensa e das verbas de publicidade. Dá com uma mão e tira com a outra, tudo dentro da lei, é claro.

Se aquela envolvente dona da revista de Brasília aparecesse agora no Palácio do Planalto, ninguém chamaria a segurança.

É bem provável que ela também tenha feito campanha para “tirar o PT daqui”.

Vida que segue.

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