Como era o esquema de propina de Russomanno em clínica com o “Doutor Rey”

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Por Joaquim de Carvalho, publicado em DCM

Russomanno com o Doutor Rey na inauguração de uma franquia de sua clínica
Russomanno com o Doutor Rey na inauguração de uma franquia de sua clínica

Há alguns anos, a Rede TV começou a exibir no Brasil o reality show “Doutor Hollywood”, exibido nos Estados Unidos pela E! Entertainment e People and Arts.

A estrela do programa era o cirurgião plástico brasileiro Roberto Miguel Ray Júnior, que se apresenta como Doctor Rey, um médico de celebridades. No Brasil, ele se candidato a deputado e não se elegeu. Mas se aproximou de um político campeão de votos e eleito seis vezes deputado federal, o Celso Russomanno, líder disparado nas pesquisas de intenção de votos para Prefeitura de São Paulo.




Juntos, desde 2014 os dois começaram a vender franquias da Estética Hollywood. Depois de anunciaram planos de inundar o Brasil com a marca, a Estética Hollywood se tornou um caso de polícia. Os proprietários de pelo menos doze franquias denunciaram um esquema de propina e de superfaturamento de preços.

A popularidade de Celso Russomanno assusta os denunciantes. “Se ele se eleger prefeito de São Paulo, o que vai acontecer comigo?”, questiona um deles. Procurei alguns dos nomes que aparecem no processo que corre na 36ª Vara de Justiça Cível de São Paulo e no inquérito aberto no 36º Distrito de Polícia, mas nenhum quis gravar entrevista.

Levantei as informações no processo e obtive cópia do inquérito aberto do 36º Distrito Policial de São Paulo. Pessoas que participaram das reuniões dos franqueados falaram na condição de não serem identificados.

“Eu só entrei nesse negócio por conta da credibilidade do Celso Russomanno, o político que defende o consumidor, e da imagem do Doutor Rey, que tinha um programa na televisão. Descobri tarde demais que era uma arapuca”, disse em uma dessas reuniões, chorando, Simone Basaglia.

A PM chegou a ser chamada para resolver uma briga numa das lojas
A PM chegou a ser chamada para resolver uma briga numa das lojas

Na sala, estavam as pessoas que se consideram vítimas de um golpe, na maioria mulheres. “A gente vai pela emoção, pela cara de bom moço do Celso e a fama do doutor Rey”, acrescentou. Simone foi a primeira a abrir a franquia Estética Hollywood, há dois anos, em um endereço da Vila Mariana, em São Paulo.

Simone assistiu a uma entrevista na Rede Record, a emissora em que Russomanno trabalha, mas quem aparecia no vídeo era o Doctor Rey. Ele  falava sobre “tratamentos inovadores” que planejava trazer para o Brasil. Simone se interessou e procurou na internet informações sobre a possibilidade de abrir uma franquia do Doctor Hollywood.

Alguns dias depois, estava frente a frente com os dois em um escritório de Moema, onde deixou um cheque de R$ 90 mil como sinal pela franquia e posou para fotos, que postou no facebook, ao lado dos franqueadores famosos.

Na inauguração da clínica, alguns meses depois e outros 110 mil reais depositados na conta da franchising, Celso Russomanno e Doutor Ray estavam lá, dando entrevistas sobre os projetos dos dois: abrir 1 000 franquias em todo o Brasil.

Em dois anos, eles não chegaram tão longe, mas conseguiram assinar contrato com pelo menos 60 pessoas, todas acreditando na seriedade dos produtos e da marca. Para se tornar um franqueado, o empresário pagava, de início, R$ 200 mil. Conforme descrito no processo, a relação entre franqueados e franqueadores começou a ruir quando os empresários descobriram que estavam pagando muito mais do que valiam os serviços e os produtos que eram obrigados, por contrato, a adquirir da franchising.

As instalações eram padronizadas e uma arquiteta indicada pela equipe de Celso Russomanno deveria ser necessariamente contratada. O piso de porcelanato, por exemplo, saía pelo dobro do preço. A arquiteta deixou a empresa e contou aos franqueados como funcionava esse esquema de superfaturamento.

Os franqueados disseram à justiça que pagavam pelo serviço de locação de equipamentos mais do que o preço de mercado. Por exemplo, a máquina que faz o congelamento de células de gordura, num procedimento que é conhecido como criolipólise, era locada obrigatoriamente de um único fornecedor, a Localaser, que, segundo a denúncia, cobrava R$ 1.500 para cada período de doze horas. No mercado, o mesmo equipamento podia ser alugado por R$ 1.000. Além disso, segundo os franqueados, o serviço tinha melhor assistência técnica.

Uma das provas entregues à Polícia Civil é uma gravação com o representante da empresa indicada pela Laz Estética Franchising LTDA, que vende a franquia Estética Hollywood, um nome fantasia, já que não tem registro no INPI, a autoridade brasileira para marcas e patentes.

“Só para te falar. A Localaser não conseguia fazer melhor preço porque tinha comissão para passar para eles”, diz o representante da empresa, de nome Luiz, numa conversa gravada por um dos franqueados. “Propina?”, pergunta o franqueado. “É”, responde o representante.

Os franqueados contam na ação que tentaram um acordo amigável para desistir do negócio, mas não conseguiram e recorreram à Justiça para não ter de pagar a multa de R$ 400 mil. Como a ação ainda não foi julgada e sem fôlego financeiro para continuar tocando o negócio, muitos estão fechando, depois de amargarem prejuízo que, em alguns casos, passam de R$ 2 milhões.

Celso Russomanno não aparece como sócio da Laz Estética Franchising LTDA. A sócia majoritária é sua esposa, Lovani Russomanno. Segundo o advogado, ele aconselhava a mulher e participava de eventos da empresa, mas nunca tomava decisões, que cabia à diretoria.

A própria conta do deputado federal no Instagram desmente essa versão. No auge do negócio, Celso Russomanno postou uma foto sua no escritório da empresa, com a frase: “Hoje na Estética Hollywood para reunião de diretoria, sigam @esteticahollywood é o que há de mais moderno em estética.”

Com a ex Flávia Feola: "Deus nos livre desse pesadelo”
Com a ex Flávia Feola: “Deus nos livre desse pesadelo”

 

Essa denúncia contra Celso Russomanno, caracterizada como estelionato, chegou numa velocidade recorde ao Supremo Tribunal Federal, onde são julgados casos de políticos com foro privilegiado. Um mês depois da denúncia formulada, os papéis já estavam na mesa do presidente da casa, Ricardo Levandowski, levados em mãos, depois que o próprio Celso Russomanno e advogados estiveram pessoalmente no 36º.

Distrito de Polícia, na rua Tutóia.  O inquérito saiu de lá a passos de lebre e está retornando no ritmo de tartaruga. Não chegou até agora à delegacia. Levandowski mandou tirar o nome de Russomanno e investigar a denúncia.

Em dez dias, Russomanno deverá ser julgado por outro crime, em que já foi condenado em primeira instância, o de estelionato. Trata-se do caso em que, segundo o Ministério Público, a gerente Sandra de Jesus trabalhava na produtora de vídeo de Russomanno, em São Paulo, mas recebia da Câmara dos Deputados, o que é definido pelo Código Penal como peculato, isto é, embolsar patrimônio público – no caso, verba. A denúncia do Ministério Público apresenta cópia de carteira de trabalho de funcionários da produtora assinada pela funcionária nomeada na Câmara por Russomanno.

Na semana passada, a apresentadora de TV Flávia Feola entregou ao Diário do Centro do Mundo nova prova contra Russomanno. É a carteira de trabalho dela, assinada por Sandra, com quem trabalhou durante muitos anos. Flávia conhece bem Celso Russomanno. Era ela quem o substituía num programa de TV e o namorou durante três anos e meio – chegaram a dividir a mesma casa.

No YouTube, existem muitos vídeos dela cobrindo eventos da Estética Hollywood, com entrevistas de Russomanno. O programa era da Rede Brasil, uma emissora de TV sediada em São Paulo. Segundo Flávia, é Russomanno quem manda na TV e, ao mesmo tempo, na Estética Brasil, mas o nome dele não aparece em nenhum registro oficial.

Ainda assim, ela processa o deputado federal na Justiça trabalhista, porque foi ele quem a contratou para trabalhar lá e, depois, não evitou sua demissão, quando a direção da emissora queria cobrar R$ 20 mil reais por mês para ele continuar apresentando o programa – mesmo sendo ela assalariada na empresa.

Por três vezes, a audiência na Justiça trabalhista foi adiada, porque Russomanno sustenta estar em Brasília. No último adiamento, Flávia ligou para o escritório dele em São Paulo e gravou a secretária dizendo ele estava em São Paulo. Ou seja, mentiu para a Justiça.

Na biografia de Russomanno fatos insistem em desmentir suas versões. Mas as versões prevalecem e o transformaram em um dos maiores campeões de voto de São Paulo. “O Russomanno que eu conheço não tem condições mínimas de administrar uma cidade como São Paulo. Deus nos livre desse pesadelo”, diz Flávia.

No que depender do Doctor Rey, Russomanno chegará lá. Doctor Rey é vice-presidente nacional do Partido Ecológico Nacional, o PEN, uma das pequenas siglas que apoiam a candidatura de Celso Russomanno pelo PRB, o partido criado pelo bispo Edir Macedo, dono da Rede Record. Outro partido aliado nesta empreitada política é o PSC, do pastor Marco Feliciano.

Esta semana, Marco Feliciano foi alvo de uma denúncia cabeluda, a de uma jovem de Brasília que teria sofrido um ataque sexual do pastor. Não existe comprovação de que o caso, de fato, ocorreu, apenas transcrições de conversas comprometedoras pelo whatsapp. Mas chama a atenção que a moça teria sido acolhida em São Paulo por um assessor do PRB, que a teria convencido a não ir adiante na denúncia contra Feliciano.

Em 2017, o PRB de Russomanno e o PSC de Feliciano poderão chegar, juntos, ao Palácio Matarazzo, assumindo a cadeira de Fernando Haddad.

A carteira de trabalho de Flávia, usada na denúncia de peculato
A carteira de trabalho de Flávia, usada na denúncia de peculato

Sobre o Autor: Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquim.gil@ig.com.br

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