Por Claudia Wallin em seu Blog –
“Se um trabalhador estiver de férias e ficar doente, isto significa que ele não vai poder aproveitar as férias”, comenta, candidamente, Natali Sial, assessora do Ministério do Trabalho da Suécia.
“Por isso, na Suécia todo trabalhador que passa por esta situação tem direito a licença médica durante as férias, e a negociar com o patrão a possibilidade de ou estender a data da volta ao trabalho ou a tirar como folga, em outra ocasião, os dias em que ficou de cama”.
Poderão os céticos compulsivos pensar que se trata de piada de salão sueco. Mas assim raciocina o Ministério do Trabalho de um país que tem um dos mais generosos direitos trabalhistas do mundo – o que, ao contrário do que supõem os filósofos do facebook, também pode ser bom para os negócios: uma das mais pujantes economias mundiais, a Suécia desponta ainda na sexta posição do Índice Global de Competitividade.
Enquanto no Brasil a (sic) Casa do Povo discute uma quase revogação da Lei Áurea, a Suécia faz experimentos com a jornada de seis horas de trabalho, expande o trabalho flexível e mantém seu modelo histórico de proteção aos trabalhadores.
“Se um trabalhador tem seus direitos desrespeitados, se ele tem medos e inseguranças, isto cria instabilidade, e consequentemente reduz a sua produtividade. E se você verificar o nível de produtividade na Suécia, que garante uma generosa proteção aos direitos dos trabalhadores, poderá constatar que é um índice extremamente alto”, observa Natali Sial.
O eixo central do modelo sueco de relações de trabalho são os acordos coletivos entre entidades patronais e sindicatos de trabalhadores – mas dentro dos limites de um arcabouço legal, que protege direitos essenciais dos trabalhadores. Ou seja: em questões fundamentais, o legislado tem prevalência sobre o negociado.
A legislação trabalhista sueca garante aos trabalhadores uma série de benefícios fundamentais: o direito a férias longas, jornadas de trabalho mais curtas, participação nos processos decisórios da empresa e segurança no emprego.
Todos os trabalhadores suecos têm pelo menos cinco semanas de férias pagas por ano, e 16 feriados públicos. Com um detalhe: todos têm o direito de planejar quatro semanas de descanso entre os meses de junho e agosto – o sagrado verão sueco.
“Temos sem dúvida um dos sistemas mais justos do mundo no que se refere à proteção dos direitos trabalhistas. Talvez o mais justo de todos, embora muitas vezes não seja perfeito”, diz Kent Ackholt, Ombudsman da Confederação Nacional de Sindicatos (Landsorganisationen – LO), a maior confederação sindical sueca, fundada em 1898 na capital sueca.
Mas Kent observa que também a atuação dos sindicatos deve ser transparente – e constantemente fiscalizada:
“Todos as contas dos sindicatos suecos são rigidamente controladas, tanto por auditorias internas como externas.”
Acordos Coletivos
Acordos coletivos, na Suécia, são o que o nome diz – coletivos. Via de regra, não há acordos individuais entre patrão e empregado. Cerca de 90 por cento dos trabalhadores suecos são protegidos por amplos acordos coletivos, segundo estatísticas do Ministério do Trabalho.
O modelo sueco é alicerçado na força dos sindicatos do país: mais de 70 por cento dos trabalhadores suecos são filiados a um sindicato. Este índice representa na verdade um declínio em comparação com a década de 90, quando 90% dos trabalhadores eram sindicalizados. A queda foi resultado de uma decisão tomada em 2007 pelo então governo de centro-direita, que determinou o aumento das taxas de contribuição sindical. No Brasil, cerca de 19,5% dos trabalhadores são sindicalizados.
Mas na Suécia, os acordos coletivos se aplicam a todos – mesmo a quem não é sindicalizado. A fim de evitar as práticas desumanas do “dumping social”, todos os benefícios estabelecidos nos acordos coletivos devem ser estendidos também aos trabalhadores que não sejam filiados a sindicatos. O que evita, assim, que se torne mais vantajoso para uma empresa contratar funcionários não sindicalizados.
A nível nacional, mais de 650 acordos coletivos regulam o mercado de trabalho na Suécia. Estes acordos estipulam questões como o reajuste anual de salários, o valor das horas extras trabalhadas e o pagamento de indenizações.
A Suécia não tem um salário mínimo nacional. O que existe são generosos pisos salariais: ou seja, o menor salário que determinada categoria profissional pode receber pela sua jornada de trabalho.
A diferença salarial entre as diferentes categorias de trabalho também é pequena – cenário que faz da Suécia um dos países mais igualitários e socialmente justos.
Terceirizados
Os trabalhadores terceirizados também são protegidos: eles têm direito aos mesmos benefícios que os empregados diretamente contratados, incluindo férias anuais de cinco semanas.
“Posso dizer que é a melhor rede de proteção que foi possível criar. Não sei como o sistema brasileiro funciona. Mas na Suécia, via de regra, as empresas não podem pagar salários mais baixos aos terceirizados”, diz o Ombudsman da Confederação Nacional de Sindicatos.
Na Suécia, diversas leis trabalhistas importantes são mandatórias – em benefício do trabalhador. Em outras palavras, acordos coletivos que diferem das regras fundamentais da legislação devem ser, necessariamente, mais vantajosos para o trabalhador do que aquilo que estipula a lei.As leis
O abrangente código de estatutos da legislação trabalhista sueca inclui a Lei da Jornada de Trabalho, a Lei da Co-Gestão e a Lei da Proteção ao Emprego.
“A legislação trabalhista sueca estabelece parâmetros gerais para as relações entre empregados e empregadores, que deve ser de respeito e responsabilidade mútua. A partir disso, os acordos coletivos são negociados sem a interferência do Estado”, diz Natali Sial.
A Lei da Jornada de Trabalho (Arbetstidslagen) determina quantas horas um empregado pode trabalhar por dia, por semana e por ano – além de regulamentar o direito do trabalhador a pausas durante o trabalho, e à remuneração pelos períodos em que fica à disposição do empregador. Pela lei, tem geral os trabalhadores devem ter pelo menos 11 horas consecutivas de descanso a cada período de 24 horas.
Em média, os suecos trabalham cerca de 38 horas por semana. E a legislação manda: nenhuma jornada de trabalho pode exceder a carga de 40 horas semanais.
Mais: é comum, por exemplo, que empresas suecas ofereçam horários flexíveis e jornadas mais curtas a fim de atrair os melhores trabalhadores.
Para reduzir a distância entre dirigentes e dirigidos, outra lei fundamental do modelo sueco de relações trabalhistas é a Lei de Co-Gestão. Isso quer dizer, por exemplo, que uma empresa é obrigada a negociar com os sindicatos antes de adotar qualquer medida que possa afetar as operações da companhia.
Nas empresas privadas que empregam mais de 25 funcionários, os trabalhadores têm o direito de eleger dois representantes para o conselho de administração da companhia. Em empresas com mais de mil funcionários, eles podem eleger três representantes dos trabalhadores – que têm os mesmos direitos e obrigações dos demais membros do conselho administrativo.
Já a Lei de Proteção ao Emprego regula a duração e o término de um contrato de trabalho, tanto no setor público como no privado. Os termos da lei também são mandatórios – o que significa que qualquer acordo entre patrão e empregado que viole os direitos trabalhistas previstos na legislação é, aos olhos da Justiça sueca, um acordo inválido.
A regra geral é que a duração de um emprego é sempre considerada permanente, embora certos tipos de contratos de trabalho com duração determinada sejam permitidos.
Pela lei sueca, um trabalhador só pode ser demitido por justa causa. E nos casos em que a empresa promove uma redução de quadros, a norma sueca é a do “last-in-first-out”: o primeiro funcionário a ser demitido deve sempre ser o último trabalhador a ter sido contratado pela empresa. Com uma regra extra: o período do aviso prévio, segundo decisão do Parlamento sueco, varia de acordo com o tempo em que o funcionário trabalhou na empresa.
O período mínimo de aviso prévio é de um mês, e pode se estender até a seis meses – caso o funcionário da empresa tenha pelo menos dez anos de casa. Durante todo o período de aviso prévio, o trabalhador tem direito a receber salário integral e diferentes benefícios.
Já o generoso seguro-desemprego sueco é voluntário – ou seja, o trabalhador deve se inscrever em instituições específicas para ter direito ao benefício, e pagar uma mensalidade. Estas instituições são conhecidas como ”A-Kassa” (Arbetslöshetskassor), e muitas são administradas por sindicatos. No pacote básico, a mensalidade é de 90 coroas suecas mensais (cerca de 32 reais).
Quando perde o emprego, um trabalhador pode receber o salário-desemprego por até 300 dias úteis, período que também pode ser renovado. Nos primeiros 200 dias, o benefício é equivalente a 80 por cento do valor do antigo salário – a um teto máximo, porém, de cerca de 100 dólares por dia. Nos demais 100 dias, esta porcentagem cai para 70 por cento.
Os trabalhadores que perdem o emprego e não são afiliados à A-Kassa podem, ainda assim, obter benefícios – mas somente a um nível básico, e não superior a cerca de 48 dólares por dia útil.
A idade média de aposentadoria na Suécia é de 61 anos, e um trabalhador tem o direito de permanecer no emprego até completar 67 anos de idade.
A Lei do Ambiente de Trabalho (Arbetsmiljölagen) determina que cada empresa com um mínimo de cinco funcionários deve ter um representante do quadro funcional responsável pela segurança do trabalho. Quando algum fator de risco à saúde ou à segurança do trabalho é identificado e o empregador não soluciona o problema de imediato, o representante dos empregados tem o poder de determinar a paralização do trabalho, até que a agência governamental que supervisiona o ambiente de trabalho (a Arbetsmiljöverket) decida a questão.
“Um bom ambiente de trabalho também significa, por exemplo, que a iluminação do local seja satisfatória e o nível de barulho não seja excessivo”, diz a literatura oficial sobre a legislação.
Indenizações
Qualquer violação de uma empresa sueca às regras da Lei de Proteção ao Emprego, da Lei de Co-Gestão ou dos acordos coletivos pode resultar no pagamento de indenizações aos funcionários ou aos sindicatos.
Conflitos não solucionados através da negociação entre as partes são referidos à Justiça do Trabalho sueca.
Acordo histórico
O acordo histórico que criou o modelo sueco de relações trabalhistas foi o chamado Acordo de Saltsjöbaden, assinado em 1938 entre a Confederação de Empregadores Suecos e a Confederação Nacional de Sindicatos (LO).
“Quando o modelo sueco nasceu, na década de 30, a Suécia era um dos países mais pobres da Europa. O acordo representou um compromisso histórico entre patrões e trabalhadores, que permitiu um notável desenvolvimento da economia. E em grande parte, os termos do acordo de Saltsjöbaden ainda se mantêm”, diz Natali Sial, do Ministério do Trabalho sueco.
Durante o período de vigência dos acordos coletivos, as partes são obrigadas a manter o que se chama de “paz industrial” – ou seja, ausência de greves. Em outras palavras: uma vez assinado um acordo coletivo, os sindicatos não podem convocar greves com o propósito de modificar o acordo ou obter benefícios adicionais.
Greves só são permitidas durante o período de negociações de um novo acordo coletivo para aumento salarial, por exemplo. Para isto, o sindicato deve notificar com antecedência tanto as organizações de empregadores como a Agência Nacional de Mediação – órgão governamental que tem a missão de mediar as disputas entre sindicatos de patrões e empregados e promover uma política salarial eficiente.
Sindicatos e entidades patronais são chamados, por aqui, de “parceiros sociais”. O movimento sindical sueco é representado por três confederações principais: a LO, a TCO e a SACO – que têm frentes de negociações para empregados tanto do setor público como do privado.
As entidades patronais do setor privado são representadas pela Confederação de Empresas Suecas. Já as autoridades públicas estão organizadas na Associação de Autoridades Públicas Locais e Regionais e na Agência Sueca de Empregadores do governo.
Trabalhar para viver
E cada vez mais, a filosofia sueca é de trabalhar para viver, e não viver para trabalhar. A jornada de seis horas de trabalho já é uma realidade em várias empresas e municipalidades da Suécia, que resolveram testar a ideia na esteira da bem-sucedida experiência adotada desde 2002 pela fábrica da montadora Toyota na cidade de Gotemburgo.
O experimento sueco do trabalho flexível já está mais do que consolidado: trabalhar de casa, decidir a melhor hora de chegar ao escritório ou reduzir as horas de trabalho, para cuidar de um filho ou de um familiar idoso, é rotina comum na Suécia.
Mais: ficar até mais tarde no escritório, pela lógica sueca, é mau sinal. A interpretação é de que ou falta competência ao sujeito, ou responsabilidade com seus deveres familiares. Poucos são os que ousam, na Suécia, buscar os filhos na creche depois das 16:30.
Qualquer chefe sueco também entende que um funcionário tem o direito de faltar ao trabalho para ficar em casa com um filho doente. A prática tem até um verbo próprio na Suécia: vab (ficar em casa com o filho).
Os suecos também já chegaram à conclusão de que criar regras para incentivar os homens a cuidarem de seus bebês ajuda a evitar que o empresário caia na tentação de discriminar as mulheres em idade fértil: cada vez mais, ele sabe que tanto o homem como a mulher vão ficar um bom tempo longe do trabalho quando seus bebês nascerem. Por lei, os casais têm direito a 480 dias de licença, entre si, a partir do nascimento da criança.
13 de Maio de 2017