Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
A Argentina é um belo país, de história e cultura riquíssimas e não merece que um palhaço a entristeça como letra de tango.
O presidente Lula decidiu não ir à posse de Javier Milei na presidência da Argentina. Fez muito bem. Será a festa da extrema-direita continental.
Quem acompanhou a carreira de Milei nos últimos anos sabe que dificilmente deixava de ofender Lula em suas infindáveis participações em programas popularescos de TV no país vizinho. Lula não foi hipócrita e fingiu que tudo passou. Mas a maioria expressiva do eleitorado argentino escolheu Milei. E o Estado brasileiro terá que conviver com o sujeito. Como isso se dará?
Liminarmente, Milei é de fato maluco, mas um tipo diferente de Bolsonaro. É economista, tem formação técnica e acredita de fato na criação do tal “anarcocapitalismo”, seja isso o que for. Perto dele, o higienista social Paulo Guedes pode ser considerado um homem de posições moderadas.
Afora políticas irrealistas que defendeu em campanha, Milei tem de fato alguns traços que talvez a psiquiatria explique melhor que a Ciência Política.
Sim, é verdade que já disse se comunicar com um querido cachorro que morreu, defendeu o direito de as pessoas venderem órgãos de seu corpo etc. Mas os argentinos relevaram tudo isso para fugir do desastre econômico do governo Alberto Fernandez. Afinal, convenhamos, conviver com uma inflação de 140% ao ano e aumento da miséria também não é nem um pouco fácil. Ao contrário, é desesperador. Lula sabe disso e, como em suas administrações anteriores, tem controlado a inflação.
De prático, hoje a Argentina depende mais do Brasil do que o contrário. Mas não é insignificante para nós o fluxo comercial com o segundo país mais importante da América do Sul. Daí, ser muito improvável que as bravatas de Milei atrapalhem as relações econômicas entre Brasil e Argentina.
Por outro lado, realisticamente é quase certo que o Mercosul seja ferido de morte agora. O pequeno Uruguai já não morria de amores pela causa e Milei já disse que não faz questão nenhuma de continuar no bloco. Esse é um problema real que Lula terá que enfrentar. Inegavelmente, uma possível saída da Argentina do Mercosul faria o Brasil ficar pendurado na escada nesse quesito.
Nem tudo o que Milei prometeu na campanha poderá ser entregue, o que lança muitas dúvidas sobre como será seu governo. A dolarização, por exemplo, foi aceno com chamativo para um eleitorado desavisado. Não ocorrerá. A Argentina tem dólares quase nenhum e não se faz dolarização sem dólares. Resta saber como o distinto público vai reagir quando se der conta que foi enganado.
Os primeiros sinais são de que Milei entregará alguns dos principais cargos do novo governo ao grupo liderado pelo ex-presidente Maurício Macri, milionário que controla o Judiciário e os principais grupos de comunicação da Argentina. Já começou nomeando ministro da Economia um homem da absoluta confiança de Macri.
Como a inflação é o diabo de plantão no país, Milei fatalmente aplicará a tradicional receita da direita ortodoxa: corte nos subsídios de tarifas públicas, o que tornará mais difícil ainda a vida dos pobres argentinos. Desemprego (já disse que interromperá todas as obras em andamento) aumentará e aí está a maior incógnita: como reagirá a massa afetada pelo facão de Milei.
Embora não disponha hoje da mesma força de antes, os sindicatos peronistas ainda têm razoável peso e mesmo muitos dos votos de Milei não foram ideológicos, mas de gente que não suportava mais o desatino da economia de Alberto Fernandez.
Assim, por tudo, convém a Lula esperar sentado o que vai ocorrer no vizinho, sem provocar ou ser hipócrita.
Mais do que qualquer outro país próximo, a Argentina nunca foi nem para profissionais, muito menos será agora. Do campo progressista brasileiro, fica a torcida para que os pobres e miseráveis dos irmãos argentinos escapem rápido da fúria do higienismo social de Milei. Tomara que dure pouco.
A Argentina é um belo país, de história e cultura riquíssimas e não merece que um palhaço a entristeça como letra de tango.