“O fígado faz muito mal à bebida” (Barão de Itararé).
Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Desta vez, Cícero César abre a geladeira e….
Recado: “Salve, Uóxi! Peguei um texto meio maluco aqui para homenagear o Barão de Itararé. É dele um texto que narra a história de um sujeito que decidiu parar de beber. Ia jogar o uísque fora, mas a cada garrafa que pegava, dava uma bicadinha e ia se empolgando, se empolgando, até se embriagar e se jogar fora. Trabalhei essa ideia.”
Veja, no final, o texto do Barão de Itararé, Apparício Torelli, a que se refere Cícero César.
“Caro Apparício:
Em um dia como este, senti-me com fome. Resolvi preparar um macarrão instantâneo à minha moda. Isto é, sem muitos refinamentos, seguindo a máxima segundo a qual é preciso simplicidade para se atingir a perfeição.
Antes de iniciar as tarefas, fui à geladeira, de onde retirei uma cumbuca de gelo e saquei minha garrafinha de “little poney”, que é como eu carinhosamente a chamo, pois ela só contém de 500 ml de uísque.
Coloquei as pedrinhas de gelo no copo e me servi uma porção generosa do precioso líquido que ela continha.
Depois de mais alguns goles, eu poria a água para ferver. Para meu espanto, meu copo já estava meio vazio, o que, convenhamos, nada tem a ver com simplicidade.
Sou generoso, inclusive comigo mesmo. Resolvi, diante do exposto, encher mais uma vez o meu copo, tendo o cuidado de adicionar mais algumas pedrinhas de gelo.
Não há nada mais agradável do que preparar um macarrão instantâneo de tal maneira, pelo menos para quem gosta de uísque.
Ok, você pode substituir o uísque por flor de lótus, se tiver um bom fornecedor.
Bem, outra vez, o copo me pareceu vazio. “Talvez um pouco mais”, disse a mim mesmo, pois a água ainda não tinha fervido por completo. Aliás, não tinha dado nem sinal de fervura.
Repeti o ritual, para dar tempo ao tempo, colocando as pedrinhas que restavam.
Depois de umas duas gentis doses, derramei o pozinho do macarrão no uísque, não sei se por algum gesto inconsciente, uma vez que dele não tive o menor controle.
Enfim, não sou de jogar fora uísque, ainda mais quando é xixi de white horse.
Mais um gole e selei as pazes comigo mesmo: “Não foi nada, isso acontece”, enquanto eu bebia para esquecer.
Até que não fica tão ruim. Não fosse o glutamato monossódico, eu poderia até mesmo patentear o drink que iria competir em pé de igualdade com a mais salgada das tequilas.
Havia nele um toque apimentado que, como descobri depois de muitas ressacas, se devia ao fato do sabor do macarrão ser de vatapá baiano.
Faz efeito, sim. Só não pode caprichar na pimenta.
No copo, coloquei uma “folha” de macarrão, que estava no congelador. Sinceramente, não estranhei o fato do macarrão não ter ficado pronto em três minutos, afinal a marca que eu comprei não era lá das melhores.
Cogitei aguardar o uísque ferver para colocar o gelo.
E tomei um caldinho de água de macarrão, pois, é sabido que um caldinho, mesmo que não seja de feijão, é sempre bom para reanimar. Estava frio e aguado.
Tentei, com todas as minhas forças, colocar a geladeira dentro da panela de macarrão, mas não deu.
Não que eu não tenha força suficiente para tal, pois sou tão forte quanto um white horse. Quem nunca arrastou geladeiras que atire a primeira pedra de gelo na garrafa de uísque.
Tomei a decisão acertada de maneirar um pouco com o gelo e me recompor. Como a água não fervia, concluí que talvez eu não tivesse acendido o fogo de antemão.
Decidi ficar em jejum mesmo. Dizem que tal gesto faz bem à saúde, além de ser uma prova definitiva de autocontrole.
Quando o sofá se estabilizou, sonhei com little poneys percorrendo os campos de macarrão da Bahia ao som de minha eguinha pocotó.
Nos dias seguintes, não entendi nada ao me deparar com a garrafa vazia. Será que o uísque tinha evaporado? Atacou minha labirintite. Da próxima vez, faço gelo de água mineral, porque a água da antiga Cedae, ao que tudo indica, me está comprometendo o uísque.
Apareça, Apparício!
Do seu amigo Cícero”
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.
Monólogo, por Barão de Itararé
http://blogdopg.blogspot.com/2016/12/monologo-por-barao-de-itarare.html