Por Levi de Freitas em Projeto Colabora –
Com projeto de uma década, estado melhora seus indicadores, mas ainda luta contra alto índice de evasão escolar
(Em colaboração com Flavia Milhorance) É um choque para qualquer aluno, seja de escola particular ou pública, a transição do ensino fundamental para o médio. As cobranças aumentam, assim como o nível de complexidade das matérias. Não é à toa, portanto, que o primeiro ano do ensino médio se transforme num desafio que nem todos conseguem superar: 15,3% dos alunos repetem nesse ano, o maior índice de toda a educação básica brasileira, como mostra esta série de reportagens do Projeto #Colabora.
Um dos estados brasileiros que têm conseguido combater o problema é o Ceará, que ostenta a menor taxa de repetência do país no ano inicial do ensino médio (9,5%) e, também, em todo o segmento: 6,3% contra 12,2% da média nacional, mostram os indicadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). O estado ainda tem os melhores índices de promoção (a passagem para a série seguinte) e de redução de evasão escolar no ensino médio do país.
“O Ceará teve a vantagem de ter começado um trabalho competente desde o fundamental, com o projeto que inspirou o pacto da alfabetização na idade certa, e isto impacta hoje o desempenho do 1º ano”, comenta Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, professora da fundação e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Pioneirismo em alfabetização
Em 2004, o estado ganhou um projeto de erradicação do analfabetismo no município de Sobral, no semiárido cearense. Além de servir de base para o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, transformou a realidade desse e de outros municípios pobres. Em 2015, 24 escolas públicas ocuparam o topo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – cinco delas em Sobral.
Em 2015, o Estado lançou um programa que ampliou a proposta. O Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Mais Paic) passou a atender alunos do 6º ao 9º ano nas escolas públicas cearenses. Dos R$ 43 milhões investidos, R$ 22,5 milhões são distribuídos em forma de premiação para as melhores escolas. O estado também investe em gratificações e promoções de professores – no dia 8 de novembro, por exemplo, foram liberados R$ 14 milhões para esse fim. Entre 2016 e 2017, também foram destinados R$ 56 milhões para a abertura de cem novas escolas até 2018. Hoje, há 72 escolas regulares em tempo integral e 117 escolas estaduais de educação profissional.
Um estudo deste ano realizado pelo Instituto Natura em parceria com a FGV e o governo do Ceará elenca outros fatores que explicam os resultados positivos:
- As políticas mais municipalistas e a divisão de tarefas entre os entes federativos;
- A existência de lideranças empreendedoras;
- A criação de um arcabouço institucional que gerou incentivos à cooperação e à busca de resultados;
- A política educacional centrada no tripé: dirigentes e professores, material pedagógico e avaliação constante;
- E, ainda, objetivos claros, com prazos bem definidos e divulgados periodicamente.
Evasão segue em alta
Para o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), o sucesso deve-se ao comprometimento dos profissionais de educação, assim como a dedicação de estudantes e suas famílias. “Atingimos o maior percentual do Nordeste em matrículas e conclusão do ensino médio. Temos as 77 das 100 melhores escolas de ensino fundamental do Brasil e também somos 1º do Nordeste e o 2º do país em educação profissional de ensino médio”, diz.
Por outro lado, embora o Estado tenha reduzido a evasão escolar, ainda está entre os dez piores do país no ensino médio, com taxa de evasão de 11,2%, acima da média nacional, de 10,5%, segundo o Inep. E, no primeiro ano, a taxa é de 13,5%, contra 12,9% no Brasil.
Um trabalho assinado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará e da Secretaria de Educação sugere causas para o abandono escolar nos municípios cearenses. Os resultados indicam que a taxa de repetência, o baixo número de professores e o alto número de alunos numa escola aumentam a evasão. Falta de transporte e criminalidade são outros fatores.
Mãos que escrevem juntas
A baixa evasão ainda não é a realidade em todo o Ceará, mas é possível numa das escolas privadas da capital, o colégio Darwin, de Fortaleza. Coordenadora do ensino fundamental II e do ensino médio, Antônia Sousa dedica-se ao magistério há mais de 20 anos, sendo 18 deles naquela instituição.
“Educação se faz a várias mãos: do aluno, dos pais, do professor”, afirma Antônia. “Antes de sermos os educadores que somos, precisamos entender que somos humanos e lidamos com humanos. E acabamos lidando com comportamentos e necessidades de adolescentes, familiares e professores”.
O colégio segue uma filosofia sociointeracionista, que dá mais ênfase na interação do professor com os alunos e a família. Dessa parceria é que saem os frutos, diz a coordenadora. “Não acredito em uma educação enrijecida. A sala de aula tem que ser redonda, transparente”, acrescentou.
Marcos Blaque é considerado um dos professores preferidos dos alunos do Colégio Darwin porque suas aulas de redação acontecem em um ambiente em ebulição de troca de ideias. Há 15 anos na profissão, o professor paulistano já rodou o país, mas enxergou no Ceará algo que não encontrou em outro lugar. “É muito impressionante como aqui no Ceará é trabalhada essa questão de o aluno realmente gostar de estudar, estar envolvido nesse processo”, afirma.
Para o professor, uma das maneiras mais eficazes de se evitar a evasão escolar, tomando como referência a escola em que trabalha, é a transparência: “É importante fazer com que o aluno entenda como as coisas funcionam e qual nosso projeto para ele, quais são os objetivos, o que a gente pretende alcançar, o que vamos fazer para chegar a isso”.
Ele ainda ressaltou a sensibilidade de se identificar sinais que possam atrapalhar o desempenho do estudante, como mudanças de comportamento: “Se você estiver pensando somente no conteúdo, em terminar a aula, pode acabar perdendo o aluno. Essa perspectiva de entrar na sala com olhar o pedagógico em relação ao aluno evita problemas e acaba salvando-o de uma evasão. Essas coisas de relacionamento humano fazem o aluno ser cativado”.
As estudantes Ilana Mesquita, 14, e Laís Santiago, 15, são daquelas amigas que compartilham inúmeros interesses juntos. Gostam dos mesmos livros, têm praticamente os mesmos hobbies. Uma diz uma frase, a outra completa. Também estudam na mesma sala do 1º ano do ensino médio do Colégio Darwin.
Por isso, a simbiose entre elas ainda as leva a sonhar juntas um futuro em faculdades de renome. Ilana, cearense, sonha em ser médica. Laís, paulistana, quer ser engenheira. Ilana já traça metas arrojadas: “O vestibular está aí, e eu quero ir bem”. E Laís explica por que elas conseguem pensar longe:
“A motivação para os estudos deve partir do próprio aluno. Se não, deve vir dos pais. Minha mãe me diz que, se eu quero fazer, que eu vá lá e faça. Ela está sempre me incentivando. Diz que não é para desistir”, citou Laís.
Questionar sobre uma possível desistência do ensino médio soa quase como uma ofensa. “Não, de jeito nenhum!”, enfatizam. Percebe-se, pela fala das alunas, a influência da realidade socioeconômica no dia a dia da sala de aula – o abismo entre o ensino público e o particular.
“A educação tem raízes amargas, mas seus frutos são muito doces”, filosofa a cearense de 15 anos, que enxerga incentivos ao estudo para além do sucesso no mercado de trabalho: “O estudo é muito importante. Não só por questões profissionais, mas para conhecer o mundo em que se vive, sua história, sua cultura. Para não cometer os mesmos erros do passado”.