Como Rondônia explica o voto bolsonarista

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No segundo turno, os candidatos Marcos Rogério (PL) e Marcos Rocha (União Brasil) disputam para ver quem tem mais ligação com Bolsonaro; eleitor rondoniense abandona PT e migra para a extrema direita. Na imagem acima, os candidatos ao governo do estado de Rondônia, Marcos Rogério (PL) e Marcos Rocha (União Brasil) (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Por Francisco Costa, compartilhado de Amazônia Real




Porto Velho (RO) – Rondônia chega ao fim do segundo turno das eleições 2022 sem um favorito entre os dois candidatos. Independente de quem seja eleito, Marcos Rogério (PL) ou Marcos Rocha (União Brasil), o bolsonarismo já sai vencedor e o meio ambiente, o maior derrotado. A disputa entre os dois Marcos se dá entre quem é mais aliado de Jair Bolsonaro (PL). No Estado que deu vitória em todos os 52 municípios ao presidente no primeiro turno, o voto para a Presidência e para o governo do Estado gira em torno não pela pauta da defesa da floresta, do solo, da água ou da vida dos povos originários. O que predomina nessa escolha é o antipetismo expresso em justificativas como as de que Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se for eleito, defende o aborto, vai fechar igrejas, destruir famílias, apoiar pautas LGBTQIA+ e até minar a heterossexualidade.

Reportagem da Amazônia Real ouviu eleitores rondonienses para compreender o que motivou o crescimento da direita nos últimos anos no Estado. Os moradores das diferentes regiões da capital falam de pautas de costumes para justificar o voto em Bolsonaro e nos dois candidatos que disputam o governo de Rondônia no segundo turno. Comerciantes, aposentados, estudantes, empresários, funcionários públicos, todos conservadores, indicam apoiar teorias da conspiraçao, dizem ser contra o aborto e já decidiram manter um voto de confiança à agenda antiambiental.

Frequentadora da igreja evangélica Assembléia de Deus, Elba de Freitas vai repetir a dobradinha Bolsonaro e Marcos Rogério no próximo domingo (30). “Porque eles defendem os valores da família. Tenho filhos e penso no que vai ficar para o futuro dos meus netos. Eu não quero um mundo para meus netos onde eles não vão ter liberdade de expressão, não vão poder proferir a sua fé, não poderão ter escolhas como hoje nós temos. Quero deixar um Brasil melhor para eles”, justifica. Ex-eleitora do Partido dos Trabalhadores, a técnica de radiologia explica por que não vota em Lula. “Das propostas que ele tem hoje em relação à ideologia de gênero, a limitar a comunicação dos jornais e ele é a favor do aborto, eu sou contra, porque eu sou cristã. E a palavra de Deus diz que isso é abominável, e só Deus pode tirar e dar a vida”. 

Elba de Freitas, evangélica e eleitora de Jair Bolsonaro e seu apoiador, candidato ao governo, Marcos Rogério (Foto: Francisco Costa/Amazônia Real)

O voto evangélico orienta o Estado com o maior número de pentecostais, neopentecostais e presbiterianos do Brasil, segundo o Censo de 2010, o último já realizado. Com o atraso da realização dessa pesquisa, não se tem ideia precisa do avanço desse eleitorado no Brasil. Mas a aposta de Bolsonaro, nítida na participação da primeira-dama e da ex-ministra Damares Alves, eleita senadora, é de abocanhar a maioria desse eleitorado. Elba de Freitas, quando perguntada sobre temas ligados à preservação ambiental e proteção dos direitos dos indígenas, ela apresenta visões que ajudam a entender o motivo de seu voto bolsonarista.

“Em relação às queimadas eu sofro, porque meu marido tem sinusite crônica. Geralmente nessa época (de queimadas), eu sofro por que ele coloca muito sangue pelo nariz, sofre com dores na face, dores de cabeça. A gente tem fé no nosso próximo governo, o Bolsonaro, o Marcos Rogério, se eles forem eleitos. Eu acredito que eles vão fazer algo, sim, pelo meio ambiente. Esperamos que eles façam algo para melhorar e diminuir essas queimadas”, fala Elba de Freitas. “Os índios estavam nas suas terras desde o princípio. Então eu acredito que deve ser preservado o índio no local de origem dele. Já o garimpo sempre existiu aqui em Porto Velho. Isso é natural da cidade. Deve haver mais fiscalização para que não prejudique o rio, a pesca e os pescadores. Deve ter um equilíbrio”, diz ela que é natural de uma família de pescadores. Além de funcionária pública, a eleitora evangélica complementa a renda trabalhando em uma lanchonete no centro de Porto Velho.

“Voto em Bolsonaro pela linha ideológica dele, por ser cristão como eu. Acredito que ele tenha falhas como todo mundo, não é a melhor opção, mas no outro (Lula) não voto de forma alguma”, fala a comerciante Gabriela Salomão, 32 anos. No calor escaldante de pleno meio-dia em Porto Velho, ela se desdobra no restaurante com pouca ventilação que mantém na região central da capital. Entre um pedido e outro, leva pratos com comida e recebe os pagamentos dos clientes, que elogiam a boa alimentação e o baixo preço. 

Gabriela Salomão, comerciante (Foto: Francisco Costa/Amazônia Real)

A rotina da empreendedora só termina no fim da tarde. À noite ela faz compras para repor os alimentos e preparar o cardápio do dia seguinte. Na pandemia, estava desempregada e teve que contar com ajuda do auxílio-emergencial de 600 reais. Gabriela afirma que convive com refugiados e, por influência deles, não concorda com as propostas do PT. “Eles falam (venezuelanos) que a gente não sabe de maneira alguma o que é socialismo de verdade. O que é passar fome, o que é ver sua moeda desvalorizar”, relata a comerciante.

Futuro da Amazônia

Queimadas em Porto Velho, Rondônia, em julho de 2022 (Foto: © Christian Braga / Greenpeace)

Entre os entrevistados pela Amazônia Real, os eleitores percebem e sentem as mudanças climáticas em razão do desmatamento, demonstram estar preocupados com o futuro da Amazônia, mas acreditam que Bolsonaro e o governador que se eleger devem reduzir a derrubada e a queimada de árvores, proteger os indígenas e defender a legalização do garimpo “para que todos possam trabalhar”. 

Historicamente, o PT só teve sucesso uma vez nas urnas em Rondônia nas eleições presidenciais. Em 2002, Lula venceu com 283.279 votos ante os 128.000 do então adversário José Serra (PSDB). No segundo mandato, Lula teve uma derrota apertada para Geraldo Alckmin, que teve 344.096 (47,04%) votos e o petista, 329.598 (45,06%). Em 2014, o candidato Aécio Neves (PSDB) superou a presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) com 442.349 votos (54,86%) ante os 364.055 (45,15%). Dos 52 municípios do Estado, 39 preferiram Aécio e 13 escolheram Dilma. Essa evolução dos dados já evidenciam uma aproximação do eleitorado com políticos de centro-direita.

“Eu não acredito mais no PT. E acho que é obrigação do governo e do presidente do Brasil cuidar do meio ambiente”, diz o pedreiro Joan Chagas, 41 anos, morador da zona sul, bairro Aeroclube. Embora diga acreditar que Bolsonaro e o senador Marcos Rogério vão resolver essas questões, ele afirma que os rondonienses não podem ser prejudicados. “A gente não pode continuar pagando o preço pela destruição ambiental. Se não tiver como produzir lá no campo, a gente aqui na cidade vai ficar sem ter o comer.” Chagas sente os efeitos da inflação e as mudanças econômicas no País, mas não atribui ao governo brasileiro. Para ele, a guerra na Ucrânia prejudicou o mundo. O pedreiro, como milhões de brasileiros, se desdobra para complementar a renda da família trabalhando também como motorista de aplicativo de transporte. 

Joan Chagas, pedreiro (Fotos: Francisco Costa/Amazônia Real)

Deberson Aguiar, 47 anos, saiu do Maranhão há quatro anos e fixou residência no bairro Eletronorte, na zona sul de Porto Velho. Comerciante na região central, Deberson afirma que se preocupa com o futuro de sua filha, que tem 2 anos. “É meio complicado deixar um mundo para ela, igual eu estou vivendo agora, tão destruído. E ninguém sabe como vai ser, no futuro, essa questão de meio ambiente”. Aguiar afirma que vai repetir o voto em Bolsonaro e em Marcos Rogério porque eles fizeram “um bom trabalho”, mas sente falta de “mais fiscalização para evitar o garimpo e o desmatamento”. “Acho complicado evitar queimadas em um estado tão grande. Os índios têm que ficar onde estão”, diz o comerciante, que confidencia ser ex-eleitor de Dilma Rousseff.

Deberson Aguiar, comerciante (Foto: Francisco Costa/Amazônia Real)

Rondônia é dominado pelo agronegócio, que elegeu Bolsonaro em 2018 com 538.311 votos (62.24%) no primeiro turno e 594.968 (72,18%) votos no segundo.  Neste ano, em primeiro turno, o presidente obteve 581.306 votos (64,4%) antes os 261.749 (28,9%) de Lula, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Estado sofre com a expansão do arco do desmatamento que avança até em áreas protegidas. É também um dos lugares de maior concentração de queimadas na Amazônia, adoecendo pessoas, superlotando hospitais e exportando a fumaça tóxica para as regiões Sul e Sudeste. As terras indígenas são pressionadas pela grilagem de terras. 

O preço da destruição

Desmatamento e queimadas registradas na Terra Indígena Karipuna, região do Rio Formoso, no município de Nova Mamoré, Rondônia (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

O desmatamento em Rondônia aumentou em 15% nos últimos quatro anos, de acordo com monitoramento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) a partir de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De 2019 a 2021, mais de 4 mil quilômetros quadrados de floresta foram queimados ou derrubados no Estado. Segundo dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), 116 mil campos de futebol de floresta foram desmatados nos primeiros oito meses deste ano.

O garimpo ilegal ganhou poder com apoio dos deputados estaduais, inclusive do presidente da Assembleia Legislativa, Alex Redano, reeleito com 19.549 votos, 6 mil a mais do que conquistou em 2018. É dele o projeto de lei que autoriza a extração mineral de ouro no Rio Madeira, mas que teve trechos excluídos por decisão do Tribunal de Justiça, em razão do risco de destruir e contaminar ainda mais a flora, fauna e as vidas humanas. Redano vai tomar posse em janeiro de 2023 com outros 22 deputados eleitos que são aliados de Bolsonaro.  A esquerda só conseguiu eleger um parlamentar, e, mesmo assim, a petista vem de uma família de pecuaristas. 

Morador do bairro Caladinho, na zona sul de Porto Velho, o empresário Anailson da Silva tem na memória lembranças de quando votou em Lula e Dilma.  “Mas no momento não é hora do PT voltar, não. Eu nunca pensei nessas questões ambientais. E acredito que todo mundo precisa trabalhar. Não acho que o presidente ou governo vão conseguir regularizar o garimpo, mas os produtos que são usados para tirar ouro do rio eles afetam muito. Os povos indígenas têm que ser respeitados acima de tudo. A questão das queimadas tem que fiscalizar mais, só com isso vai diminuir. Se o governo não fiscalizar todo mundo, vai virar bagunça”. 

Anailson da Silva, empresário (Fotos:Francisco Costa/Amazônia Real)

A lógica da agropolítica

Na Câmara dos Deputados e no Senado, o cenário de expansão dos parlamentares de direita se repete no Estado: dos oito federais, três foram reeleitos, nenhum deles de esquerda. O rei da soja, empresário Jaime Bagattoli (PL), que foi multado quatro vezes pelo Ibama por crimes ambientais, aparecia em quarta posição nas pesquisas eleitorais e conseguiu ser eleito com 293.488 votos, ou seja, 35,8% dos votos válidos.

A estudante Wendy Tatagiba tem 18 anos e votou pela primeira vez em 2022 nos partidos e candidatos que estão com o atual presidente brasileiro. Ela comenta que com a reeleição, Bolsonaro deverá fazer mais pelo ambiente, já que foi tão criticado. “A bancada deles tem muitas pessoas que podem apoiar muitos projetos. Pelo fato da direita ter sido muito atacada diante dessas questões, creio que eles vão tomar providências e atitudes sobre isso”, comenta ela, que é descendente de uma família indígena que mora na zona sul no bairro Jardim Eldorado, na capital rondoniense.

Wendey Tatagiba, estudante (Fotos Francisco Costa/Amazônia Real)

Militante de vários movimentos sociais e liderança em defesa do público LGBTQIA+ em Porto Velho, Niedna Gontijo afirma que o governo Bolsonaro fez pouco pelo País, principalmente durante a pandemia e cortou recursos de programas sociais importantes. Ela é uma das poucas entrevistadas pela Amazônia Real que afirmou que vai anular o voto para governo e faz campanha para Lula, no segundo turno. “No cenário político de Rondônia, o Marcos Rocha a gente já conhece como ele trabalha, fez um governo estabilizado. Já o Marcos Rogério tem um jeito de fazer política bem perigosa, bem afoita, seguindo mais a linha de Bolsonaro e menos preocupado com a sociedade. Ele é bem supérfluo e eu não gosto dele, não merece meu voto, mas seria o melhor dos piores”, afirma Niedna.

Niedina Gontijo, membra de Movimentos Sociais ligados à população LGBTQIA+ (Foto: Francisco Costa/Amazônia Real)

“Com eles eleito eu vejo um Estado bem pior do que hoje. Quem vota em Bolsonaro se sente representado por ele em algum aspecto, eu não me sinto em nada. Mais de 90% do que o presidente fala é mentira. Quando a pessoa fala que vota em Bolsonaro por causa ambientalista é mentira. Aqui a gente sabe que estão desmatando tudo”, comenta a ativista. 

Boiada passa impune

Balsas de garimpo no rio Madeira, em Porto Velho, Rondônia, em agosto de 2020. (Foto Bruno Kelly/Amazônia Real)

Geógrafa e pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), a professora Amanda Michalski desenvolve estudos no Estado sobre a expansão da fronteira agrícola nas florestas, áreas protegidas e ao mesmo tempo acompanha os conflitos agrários que são monitorados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), movimento que ela faz parte por meio de sua atuação de comunicadora. Na avaliação dela, desde janeiro de 2019, quando o governador Coronel Marcos Rocha tomou posse, houve incentivo à grilagem de terras públicas e os movimentos sociais que defendem a reforma agrária foram tratados como terroristas.  

“Em Rondônia dois fatos precisam ser destacados, sendo eles: a liberação do garimpo no Rio Madeira, e a redução de Áreas Protegidas. No caso do garimpo, por conta da crise econômica, muitas pessoas investiram pouco dinheiro em pequenas dragas, e agora estão tendo que buscar outra fonte de renda para sobreviver. No caso da redução das áreas protegidas, as principais áreas afetadas foram a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim, que a partir da Lei 1.089/2021 tiveram redução significativa de suas áreas com base no discurso de regularização fundiária de pequenos produtores do governo de Rondônia”, diz a pesquisadora sobre as políticas antiambientalistas governamentais. 

Para Amanda, o futuro será de cinzas na Amazônia rondoniense nesta disputa de quais dos candidatos ao governo de Rondônia é mais bolsonarista. “A questão socioambiental em Rondônia continuará a ser negligenciada, pressionada e ameaçada. Povos indígenas e comunidades tradicionais continuarão tendo seus territórios invadidos e grilados. O projeto que se iniciou com o acrônimo Amacro com o objetivo de ampliar e incentivar a produção agropecuária nos municípios ao norte do estado de Rondônia, leste do Acre e sul do Amazonas, e que hoje denomina-se Zona de Desenvolvimento Sustentável levantando uma falsa bandeira de bioeconomia, seguirá a todo vapor, seja qualquer um dos dois o vitorioso”. 

De acordo com a pesquisadora, as organizações de luta social terão que se reorganizar para resistir ao desmonte da Amazônia com avanço da direita. “Precisamos compreender que este projeto se caracteriza como ‘nova’ forma de incentivo à expansão da fronteira agrícola, que assim como a pecuária continua servindo como um manto para o desmatamento, este projeto surge como a institucionalização do crime ambiental na Amazônia. A máquina pública, o Estado, sendo usado pelo agronegócio como se os dois fossem um só. Dessa maneira, infelizmente, todas as frentes de resistência, sejam movimentos ou organizações de luta socioambiental, territorial e por direitos humanos, precisarão estar fortalecidas e articuladas para que ‘a boiada’ não passe”. 

“Essa questão do desmatamento é grave, mas eu acho que o governo que for eleito em Rondônia não vai se meter nisso aí, não. É uma coisa que me preocupa porque é a região onde moro, tenho família aqui e penso no nosso futuro. Precisa fazer alguma coisa, mas eu vou votar em Bolsonaro e Marcos Rogério”, diz o taxista Rodrigo Pantoja, 36 anos, casado e morador da zona leste de Porto Velho, no bairro Ulisses Guimarães um dos mais carentes de políticas públicas. “Não é que ele seja o melhor para o país, mas eu acho ele melhor que o Lula”, justifica. 

Rodrigo Pantoja, taxista (Foto:Francisco Costa/Amazônia Real)

Sentado em um banco da praça central da cidade, à sombra de uma árvore, aos 76 anos, Raimundo Fernandes olha o noticiário no jornal impresso e conta que ficou preocupado com as últimas informações de que com a reeleição de Bolsonaro o salário mínimo terá perdas, assim como as aposentadorias. “Vou dar uma forcinha para meu amigo Lula e votar nele. Eu penso que ele vai organizar o País”, diz. Pela idade, Fernandes não é mais obrigado a votar. Mas no domingo, 30, ele afirma que irá até a urna eletrônica pela manhã e vai chamar outras pessoas para votar na esquerda como ele. 

Raimundo Fernandes, aposentado (Foto: Francisco Costa/Amazônia Real)

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