Na minha interpretação pessoal, com base no que sei e do que vi, o que se passa no Brasil é uma versão do golpe de estado de 1964 adaptada a novas circunstâncias.
O golpe é dado por um segmento de uma corporação, Corporações agem em conjunto embora contradições internas porque é de sua natureza não se fragmentar.
Em 1964, era uma fração do Exército acrescida de alguns comandos pagos em dinheiro – São Paulo, Pernambuco – após a desativação da provável resistência da Marinha por via da infiltração de agentes para uma ação subversiva de falsa bandeira. A articulação foi feita por um grupo de multinacionais americanas, acompanhadas por grupos locais, representados todos pelo Ipes, de Golbery do Couto e Silva, e por uma organização financiada pela CIA, o Ibad, de Ivan Hasslocker. A cobertura foi dada pela imprensa, parte mobilizada desde o primeiro momento na conspiração, parte cooptada por pressão econômica ,e parte levada a apoiar o movimento na sua etapa final (estes veículos – Correio da Manhã, Diário de Notícias do Rio de Janeiro, além da TV Excelsior e da Última Hora, que não apoiaram o golpe – não sobreviveriam nos anos seguintes). O discurso ideológico contou com o coro da cúpula da Igreja Católica, de tradição integrista, assustada pela postura revolucionária que descobria nos documentos do Concílio Vaticano II e, em particular, na encíclica Mater et Magistra, de João XXIII.
O golpe atual está sendo dado por parte de outra corporação, a jurídica, em suas vertentes promotora (procuradoria) e julgadora, com apoio de forças policiais de idêntica formação e de segmentos de governos estaduais oposicionistas. Para a articulação, foram contratados agentes em várias organizações subversivas, coordenadas aparentemente pelo Instituto Millenium. A ação é exercida por remanescentes do governo liderado por um colaborador notório, Fernando Henrique Cardoso, com destaque para indicados por ele e seu grupo para cargos vitalícios em cortes jurídicas e para-jurídicas.
A imprensa, reduzida a um oligopólio obediente, desempenha o papel de desinformar e mobilizar. O discurso ideológico já não tem a mesma ressonância na liderança católica – a própria Igreja Católica perdeu importância política no processo histórico de ocupação cultural do país pelos Estados Unidos – mas numa série de igrejas comercias de implantação recente ocupa esse espaço. Os conspiradores contam com a paralisia das Forças Armadas, dadas suas contradições internas, a percepção de sua fragilidade diante do poderio militar externo associado ao golpe e a ação renitente de veteranos núcleos de direita, herdeiros daquele representado por Olímpio Mourão Filho, veterano militante integralista que comandava a guarnição de Juiz de Fora em 1964.
O objetivo, amplo e diversificado, das várias matrizes financeiras e ideológicas mobilizadas, compreende a entrega do petróleo e de riquezas minerais estratégicas ainda preservadas ao capital externo; a internacionalização da Amazônia mediante a autonomia de “nações” indígenas e reserva da região para exploração futura; incorporação e anulação da base industrial, redução e multinacionalização da base agrícola que, ambas, competem no mercado internacional; liquidação da estrutura de assistência social ampla do Estado e sua substituição pela caridade para os pobres,em benefício da exploração comercial; redução do movimento trabalhista a ação residual incorporada à nova esquerda radical, universalista e trotskista, de viés comportamental (Nota do Tijolaço: e, portanto, não trabalhista), cuja inviabilidade a torna inócua; e desmonte de qualquer frente latino-americana de resistência à ocupação imperial.
Corrupção, agora como então, é mero pretexto de uso propagandístico. É sistêmica e preservá-la uma condição para o controle da máquina política que dará forma e continuidade ao golpe.