Como se venceu a luta pelo Parque do Bixiga contra a especulação imobiliária

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O legendário ator, diretor e criador do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, mais conhecido como Zé Celso, não está mais entre nós para comemorar o mais novo presente à cidade de São Paulo. Mas sua luta durante décadas contra o magnata da mídia Silvio Santos foi crucial na construção dessa vitória.

Por Adriano Diogo, compartilhado de Construir Resistência




Zé Celso em terreno ao lado do Teatro Oficina, em São Paulo. Foto de Karime Xavier / Folhapress

Foto: Karime Xavier/Folhapress

Esta história começou décadas atrás. Existiram várias escolas revolucionárias que vieram da arte. O Teatro Oficina, criado por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, era uma escola da revolução. Zé Celso trabalhava com Renato Borghi. No dia da leitura do Ato Institucional no 5, ele montava a peça “Galileu Galilei”, de Brecht, e teve a ideia de vestir os atores que faziam os cardeais que condenariam Galileu de batina verde com botões dourados. Com atitudes como essa, Zé Celso enfrentava a ditadura.

O Teatro foi incendiado, ele teve de se exilar. Depois de ter voltado ao país, retomou o Oficina; Lina Bo Bardi e Edson Elito fizeram o belíssimo projeto do novo teatro, que saiu do papel e foi inaugurado em 1994. Contudo, sobrou aquele enorme terreno porque aquela quadra era do Silvio Santos. O Zé, além daquele teatro, sonhava que a comunidade tivesse um parque em volta.

O Teatro Oficina recebeu tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1983. Foi um ato do governo estadual. Em 1991, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) realizou novo ato de tombamento. Em 2010, o Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (IPHAN), que é federal, tombou-o de novo, tal é a importância do Oficina para a cultura brasileira.

As torres que o Grupo Silvio Santos queria edificar afetariam o imóvel tombado, ferindo a proteção do entorno. O conflito durou décadas.

Em 2015, nos meus últimos dias de mandato de deputado estadual, fui chamado a uma audiência pública na Câmara dos Vereadores. Queriam ouvir meu posicionamento como geólogo, político e ambientalista em relação ao terreno contíguo ao Teatro Oficina, que pertencia ao Grupo.

Nessa audiência, o professor Sadalla Domingos, da Poli-USP, falou que o terreno era non edificandi, porque passava o rio Bixiga por baixo, tributário (ou afluente) que segue para o Vale do Anhangabaú. As construções desejadas por Silvio Santos afetariam seriamente o meio ambiente da cidade.

Além da minha admiração por Zé Celso, esse dado me instigou muito para começar a trabalhar, embora eu estivesse terminando meu mandato de deputado e não soubesse ainda ao certo como contribuir.

Ao longo de dez anos acompanhei essa questão. Surgiu um importante projeto de paisagismo do Parque vindo do Oficina. Porém, no fim de 2019, o Conpresp chegou a aprovar o projeto das torres de Silvio Santos ao lado do Teatro Oficina, o que não era a melhor solução para a proteção do patrimônio histórico e cultural.

Em 2020, a Câmara dos Vereadores aprovou um projeto de lei para a criação do Parque do Bixiga. O prefeito em exercício, Eduardo Tuma, vetou-o integralmente, afirmando que o assunto era da competência privativa do Executivo.

Nessa época, o encaminhamento principal era o que havia sido dado por Eduardo Suplicy e Gilberto Natalini: o Grupo Silvio Santos deveria doar o terreno para a cidade de São Paulo como um gesto político.

Mas seria realmente possível convencê-lo a fazer uma doação? Em agosto de 2017, aconteceu uma reunião sobre o assunto com o então prefeito João Doria. Nessa ocasião, Silvio Santos pessoalmente quis humilhar Zé Celso, chegando a dizer para que ele morresse.

Isso foi o que mais me marcou e me encorajou a lutar contra a ideia do mecenato, ou de que o Grupo SS (como Zé Celso costumava se referir) poderia fazer uma doação.

Adotei outra orientação, pois aquela via não parecia viável: a metodologia da advogada Célia Marcondes, que se uniu à luta. Ela, da Associação dos Proprietários, Protetores e Usuários de Imóveis Tombados, havia tido a ideia de usar recursos repatriados para o Fundo de Direitos Difusos para a desapropriação da área do Parque Augusta, e a levou para o Ministério Público Estadual (MPE). O Parque Augusta, depois de uma luta de anos, foi finalmente criado.

Levamos essa tese para o MPE, para o promotor Silvio Marques, da Promotoria do Patrimônio Público e Social. Ele a encampou e conseguiu os recursos para a área.

A verba para a compra do terreno do Grupo Silvio Santos veio de acordo com a Uninove, que aceitou pagar para a Prefeitura mais de um bilhão por causa das denúncias de propina no escândalo da máfia dos fiscais do ISS, que foi descoberta em 2013 pela administração do então prefeito Fernando Haddad (PT).

O Grupo concordou com o negócio em 22 de maio de 2024, no valor de mais de R$ 64 milhões. Essa operação foi vitoriosa e foi um dos trabalhos mais importantes de que participei na vida. Já atuei muito no campo de parques e meio ambiente, especialmente quando fui Secretário do Verde e do Meio Ambiente na prefeitura de Marta Suplicy: instituímos o sistema dos Conselhos Gestores dos Parques, reformamos o Parque do Ibirapuera com parcerias com a iniciativa privada e criamos, entre outros, o Parque do Carmo.

No entanto, a colaboração com a luta pelo Parque do Bixiga foi uma das ações de que mais me orgulho. Sofremos críticas como se estivéssemos disputando com os arquitetos o paisagismo do futuro parque, o que não aconteceu. Agora, com a área adquirida, a prefeitura pode fazer um concurso para a escolha do projeto paisagístico.

Infelizmente, Zé Celso não está mais aqui para ver esta vitória da cultura e da cidade. Todos nós agradecemos a ele pelas décadas de luta pela democracia, pela cultura brasileira, mas também pelo enfrentamento de décadas com o grupo empresarial, que levou à futura criação de mais um parque para os paulistanos e à defesa do meio ambiente desta capital.

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ADRIANO DIOGO é geólogo formado pela USP, lutou contra a ditadura militar, foi vereador na capital paulista por quatro mandatos e deputado estadual por três vezes, tendo presidido a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva na Assembleia Legislativa de São Paulo

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