Como Trump ajudou a aumentar popularidade da presidente de esquerda do México

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Quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos em novembro, muitos alertaram que o México seria um dos países mais afetados. Alguns até disseram que seria “o mais afetado”.

Por Daniel Pardo, compartilhado da BBC News




NA foto: Claudia Sheinbaum tem conseguido não só conter o impacto das políticas de Trump, como também transformá-las em oportunidades

A agenda econômica protecionista e linha dura do republicano em matéria de segurança e migração parecia uma espécie de condenação para um país que, nestas áreas e em muitas outras, depende dos interesses de Washington.

E embora o México continue vulnerável ao seu poderoso vizinho do norte, a presidente do país, Claudia Sheinbaum, conseguiu, pelo menos até agora, não só conter o impacto das políticas de Trump, como também transformá-las em oportunidades.

Na quinta-feira (6/3), os dois líderes chegaram a um novo acordo para suspender por um mês as tarifas dos EUA sobre as exportações mexicanas, prioridade de Sheinbaum, e trabalhar em conjunto no combate ao tráfico de fentanil e à migração ilegal, as grandes obsessões de Trump.

“A nossa relação tem sido muito boa, e estamos trabalhando duro, juntos, na fronteira (…) Obrigado à presidente Sheinbaum por seu trabalho árduo e cooperação”, escreveu Trump.

E Sheinbaum respondeu: “Tivemos um telefonema excelente e respeitoso, no qual concordamos que nosso trabalho e colaboração produziram resultados sem precedentes”.

As diferenças entre Trump e Sheinbaum são notáveis: ele é conservador, de masculinidade forte, crítico da ciência, imprevisível e disruptivo nas políticas e discursos; Ela, por outro lado, é feminista, moderada, científica e cuidadosa nos métodos, nas palavras e nas políticas públicas.

Eles são diferentes, antagônicos, mas as trocas de adjetivos positivos se repetem constantemente nas declarações de ambos: “Tenho um grande respeito por ela”; “é preciso destacar que o tratamento tem sido muito respeitoso”, disse Trump.

Como é que Sheinbaum, cuja popularidade subiu para sem precedentes 85% entre os mexicanos, conseguiu transformar o que até agora parecia uma tempestade perfeita em uma oportunidade?

Trump
Trump anunciou na quinta-feira que os EUA vão suspender temporariamente a maioria das tarifas que havia imposto ao México e ao Canadá

Da prefeitura à presidência

Muito se deve à sua estratégia de segurança, que, embora ela não declare, é distinta da do seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, fundador e líder simbólico do movimento político que compartilham.

AMLO, como é conhecido no México, teve uma política “humanista” em relação à crescente onda de violência no país: ele privilegiou o investimento social para evitar que os jovens ingressassem na criminalidade e reduziu a perseguição a grupos armados para evitar mais mortes.

Em um determinado momento, ele chamou a política de “abraços, não balas” para marcar a diferença em relação aos governos anteriores que, em parte apoiados pelos EUA, adotaram uma abordagem militar na chamada “guerra às drogas”, que levou a violações dos direitos humanos no México.

Sheinbaum, é claro, não critica nem se distancia desta linha. Em sua declaração na quinta-feira, ela insistiu que parte de seu objetivo é abordar as causas da violência.

Mas mesmo antes de se tornar presidente, ela já era conhecida por ter uma interpretação diferente da criminalidade. Quando foi prefeita da Cidade do México, entre 2018 e 2023, ela fortaleceu a polícia, criou redes de coordenação sofisticadas entre as autoridades, colocou câmeras em cada esquina e convenceu os cidadãos de que denunciar era primordial.

Com isso, a incidência de crimes foi reduzida em 58%, e os homicídios dolosos em 51%, segundo dados oficiais.

A ideia dela é replicar a experiência da prefeitura na presidência. Para isso, ela colocou Omar García Harfuch, ex-policial e filho de militares, à frente da Secretaria de Segurança, cargo que ele ocupava a nível municipal.

E tudo indica que, apesar da prevalência da violência, sua estratégia está rendendo frutos: os homicídios em todo o país caíram 16%, dezenas de toneladas de fentanil foram apreendidas, vários laboratórios do perigoso opioide foram destruídos, e grandes chefes do narcotráfico foram presos.

Na semana passada, o governo mexicano extraditou para os EUA 29 dos criminosos mais procurados do mundo, em uma “transferência” que causou polêmica, e mostrou o pragmatismo de Sheinbaum, no que foi interpretado como um aceno para Trump. Ao mesmo tempo, como disse a presidente, houve avanços no combate à criminalidade.

Claudia Sheinbaum
Sheinbaum afirmou, usando dados dos EUA, que as apreensões de fentanil em território americano caíram 40% graças às apreensões no México

‘O problema é crônico’

Mas a violência, é claro, continua sendo notícia diária no México. Os avanços e as estatísticas não dizem nada sobre o problema subjacente, afirma Ernesto López Portillo, coordenador do programa de Segurança Cidadã da Universidade Iberoamericana, no México, à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

“Sheinbaum modificou radicalmente a política de segurança do presidente anterior, apesar de se tratar do mesmo partido”, ele explica.

“AMLO aceitou, ou pelo menos tolerou, a crescente influência de organizações criminosas em todo o país (…) O México tem um problema crônico de impunidade, extorsão, desaparecimentos, e nada que a presidente faça pode resolver isso rapidamente.”

“A pressão de Trump faz com que o México tenha que apresentar resultados em termos de prisões e do fluxo de drogas, mas não sabemos se isso implica em fortalecer as instituições ou se é uma questão temporária de resultados”, acrescenta López Portillo.

Sheinbaum chegou ao poder três meses antes de Trump. Ou seja, antes das tarifas, veio a mudança na política de segurança mexicana. Só que agora Sheinbaum dobrou a aposta.

“Fazemos este trabalho para a segurança do México”, declarou a presidente na quinta-feira. “É parte da nossa estratégia de segurança e da nossa cooperação com os EUA.”

É como se Sheinbaum estivesse tentando matar dois coelhos com uma cajadada só.

“A política de segurança é fortalecida e acelerada pela pressão dos EUA, mas não é exclusivamente uma reação”, afirma Guadalupe González, especialista em relações internacionais do Colégio de México (Colmex), instituição de ensino superior mexicana voltada ao estudo das ciências humanas e sociais.

“E com relação à economia é parecido”, ela acrescenta. “A estratégia é convencer os EUA de que, para recuperar sua competitividade e fortalecer sua própria indústria, eles precisam do México.”

Talvez, então, sejam três coelhos com uma cajadada só, no caso de Sheinbaum.

Guarda Nacional na fronteira
Na última rodada de negociações, Sheinbaum se comprometeu com Trump a militarizar a fronteira

‘Nós também’

Em janeiro, quando Trump estava prestes a tomar posse, a presidente apresentou, acompanhada pelo setor privado, um plano de desenvolvimento econômico para expandir o aparato produtivo do país, atrair investimentos, apoiar empresas de médio porte, reduzir a burocracia para o empreendedorismo e fortalecer o turismo.

Um plano de desenvolvimento econômico que, em outras palavras, busca depender menos dos EUA.

Ou, como disse Sheinbaum na quinta-feira: “Vamos fortalecer nossa soberania energética. Temos que fortalecer nossa autossuficiência (…) Também temos que rever nossos tratados”.

A renegociação do T-MEC, o acordo crucial de livre comércio entre o México, o Canadá e os Estados Unidos, está prevista para 2026. O que para Trump parece ser a desculpa ideal para o país maior subjugar os dois menores, pode se tornar, segundo a presidente, mais uma oportunidade para o México.

García Harfuch e Sheinbaum
García Harfuch está no comando há meses no Estado de Sinaloa, uma região quase em guerra civil entre facções do Cartel de Sinaloa, onde dezenas de pessoas foram presas e toneladas de drogas apreendidas

‘Vamos comemorar’

Em suas declarações, Sheinbaum insiste que “cooperação não é subordinação”, e que “o tratamento é entre iguais”.

Na terça-feira, quando Trump impôs as tarifas, a presidente disse que anunciaria as medidas de resposta em um grande evento na Zócalo, a emblemática praça no centro da capital.

As tarifas agora foram suspensas, mas o evento continua de pé:

“Vamos fazer um festival, vamos comemorar a conquista deste acordo, e vamos convidar grupos musicais para comemorar”, anunciou a presidente com um sorriso na quinta-feira.

“Venham, conterrâneos, venham que nós abraçamos vocês, vocês são o melhor que nosso país tem”, ela acrescentou, se referindo aos camponeses que já haviam se programado para participar do evento na capital.

Como se não bastasse ter o apoio de 8 em cada 10 mexicanos, Sheinbaum vai dobrar a aposta nacionalista. Talvez, então, sejam quatro coelhos que ela está tentando matar com uma cajadada só diante da ameaça de Trump.

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