Como viver num bairro violento e racista?

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É necessário uma cartilha de sobrevivência nesta região da Zona Sul do Rio, onde a favela tem vizinhos que pagam IPTU alto

Por Edu Carvalho, compartilhado de Projeto Colabora




‘’Agora está chique’’, é sempre o que escuto quando sinalizo meu novo CEP. Na real, nem tão novo, nem tão velho, apenas diferente. E não, não é funk, até porque para ser feito por aqui, só até às 22h da noite em dia de semana. Se um tamborzão 150bpm é solto nas ruas envoltas de verde e de grades de prisão após esse horário, a Polícia baixa num estalar de dedos. A ordem aqui é feita pra existir. E ela se faz, é o que dizem. 

Ser quem estou e viver em São Conrado, por algum tempo, chegou a ser o sonho da criança. Mas, para pessoas como eu, sonhos envelhecem ou quase nem chegam a se realizar. Bem, virei dado e cá estou, empunhando o troféu de reexistência bem na cova do inimigo. Uma loucura? Que nada! Quis transformar em reparação residir onde, por anos, acumulei e vi, por minhas retinas, tantos serem observados com olhos revirados e de cima abaixo, com seus preconceitos apontados para a Rocinha Ocidental.

Hoje, do lado Oriental do jogo e do mapa, analiso didaticamente, em cada passo que dou ao sair de casa, os motivos que fazem deste bairro, mesmo em 2024, ser amplamente ostensivo e ditar, com seus ‘’não pode’’, o que vai acontecer neste pedaço do balneário. E mais do que isso: quem aponta as regras. 

Seja pra onde for – e se for – são regras todas voltadas à não existência de pessoas como eu e também do lugar de onde parti, do qual hoje vivencio a experiência de ser vizinho. Baita assunto de análise; #sqn. 

Da praia, um lado só para moradores da Rocinha. Do shopping, o único local na cidade e estado onde a maior rede de fast-food no mundo está voltado para escadas, perto da entrada, justamente para certos indivíduos moradores da Rocinha não pisem dentro do complexo de estabelecimentos, que vivem às moscas. Além, é claro, da desigual assistência no tocante aos serviços para quem não paga IPTU alto – como se viver naquilo que era tipificado como ‘’aglomerado subnormal’’ e agora volta a ser favela no IBGE fosse uma escolha. 

O que mais assusta é o tratamento. Ano passado, quase nesta mesma época, um entregador de iFood foi escorraçado com coleira de cachorro por uma ‘’vizinha’’. O caso ganhou as capas mundo afora, pela maneira desumana em que repetia-se métodos do tempo da escravidão – que não acabou. Neste Carnaval, Max Ângelo dos Santos, de 38 anos, será um dos homens a dar vida à João Cândido, o Almirante Negro, na Sapucaí; será aplaudido por mais de 72 mil pessoas ao reverenciar a alma e obra do ativista que reivindicava melhores condições de trabalho para os marinheiros e seus direitos. Da vizinha criminosa, pouco se sabe. 

Mas o caso não se esgota: não faz muito tempo e em um novo prédio, uma nova vizinha, cometeu atrocidades com mais um entregador. O motivo? Não ter subido até o apartamento com a encomenda, o que a fez se munir de um cutelo para obrigá-lo ao exercício. 

Entre razões e emoções, seguir morando aqui me faz ter de pensar na necessidade de uma cartilha de sobrevivência em um bairro terminantemente racista, sem saber ao certo se valerá de alguma coisa. É como se voltasse aos EUA dos anos 60, onde aos negros e pobres eram destinados apenas o espaço traseiro dos ônibus. Ou mesmo o Brasil 2024, que dia após dia, faz das mesmas pessoas, vítimas diárias da sociedade.

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