“As políticas de comunicação são desconexas, são desarticuladas, são voluntaristas às vezes. Acerta aqui, erra lá e acolá. Quer dizer: não tem uma visão estratégica definida. E, se não há uma estratégia definida, sabemos que as ações táticas vão ser aplicadas ao sabor das situações, das conveniências, dos momentos, das ingerências do jogo político.”
Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, compartilhado de seu Blog
Essa é a avaliação que faz o doutor em comunicação e cultura Dênis de Moraes, pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, em entrevista ao TUTAMÉIA.
Professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da (Faperj), ele afirma:
“A comunicação do governo não é lugar para experiências, não é lugar para cota de partido, isso não é lugar para outros interesses que não o de ter um ministério da Comunicação e um sistema público de comunicação daí decorrente que tenha uma participação decisiva, importante na vida pública do país. Houve avanços no final do segundo governo Lula, com Franklin Martins. Mas, hoje, apesar das boas intenções de vários dos quadros na área de comunicação do atual governo, a sensação é de que essa experiência foi interrompida, ficou em suspenso.”
Moraes é autor e organizador de mais de vinte livros –entre eles, “Crítica da Mídia & Hegemoria Cultural”, em que comenta as visões de Marx, Lênin e Gramsci sobre a imprensa, também tema da conversa com TUTAMÉIA (clique no link acima para acompanhar a íntegra da entrevista e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
EBC/TV BRASIL, UMA EXPERIÊNCIA CLAUDICANTE
O professor analisa os problemas políticos decorrentes da falta de um grande veículo de comunicação em que o governo possa apresentar aos brasileiros sua visão de mundo, seus projetos, o que considera mais importante em cada momento político e econômico.
“Com todo o respeito e consideração que eu tenho pela atual direção da TV Brasil, a TV Brasil que está no ar é um “deja vu” de outros momentos da TV Brasil, inclusive de governos do PT. Não adianta imaginar que vamos resolver os problemas do país colocando um casal interracial para apresentar um telejornal. Isso é importante, é um valor, não deixa de ser uma evidência de alguma coisa que precisa ser mudada no país, sem dúvida. Mas ter um canal de televisão que não esteja atrelado ao rating, que não esteja atrelado à ditadura da audiência, mas que quanto mais audiência tiver, com uma programação viva, criativa, instigante, isso vai repercutir não apenas para o governo da hora, mas para o conjunto da sociedade, para aqueles que buscam alternativas do conjunto oligopolizado da mídia. Até hoje a experiência da EBC/TV Brasil ainda é uma experiência claudicante. Essa experiência da construção de políticas públicas que ressaltem o caráter inclusivo e participativo da democracia, isso é alguma coisa que ainda está por ser construída no país.”
A consequência disso é aumentar o poder da mídia oligárquica, subimperialista (definição precisa forjada pela professora Angela Carrato, videocolunista do TUTAMÉIA), conforme diz o professor Moraes:
“Sem uma estratégia de comunicação bem pensada, articulada e condizente com a realidade do país, os meios de comunicação se assenhoram do que pode ou não ser divulgado, do que deve ou não ser divulgado sobre o governo Lula e sobre as ações do presidente. Se nós abrirmos mão de apresentar o que está sendo feito no conjunto diversificado, complexo e complicado do governo Lula, quem vai fazer a seleção e quem vai eleger os temas e o que deve ou não ser ocultado ou explicitado são os de sempre. E é o que está acontecendo.”
FALTA VONTADE POLÍTICA
O pior é parece não haver, segundo a visão do professor da Universidade Federal Fluminense, real interesse do governo em enfrentar essas questões com a profundidade necessária:
“O centro dessas mazelas é a falta de vontade política de modificar, de transformar, de enfrentar os problemas e os desafios, sempre com alegações de que a correlação de forças não favorece. Ficamos com remendos, com algumas ações que a gente acha interessantes aqui e ali –inclusive na comunicação–, mas é uma espécie de mosaico em que as peças não se comunicam, não se entrelaçam. Sem vontade e coragem política, não vamos ter um sistema público de comunicação construído e implementado. Significa que nós também vamos claudicar nas políticas públicas de comunicação, aquelas que não estão sujeitas à mercantilização, ao controle da ordem do capital, aos interesses mesquinhos e perversos de quem detém o poder real na sociedade brasileira.”
E continua: “Não é por falta de canal de televisão, não é por falta de canais de radiodifusão, não é por falta de agência de notícias, porque existem. Alguma coisa não está funcionando.”
LIVES DE LULA SÃO FRUTO DE VOLUNTARISMO NA COMUNICAÇÃO
Moraes não se entusiasma com iniciativas festejadas na área de comunicação do governo, como o programa semanal “Conversa com o Presidente”. Para ele, “é mais do mesmo”:
“A ideia do voluntarismo ou da repetição e do mais do mesmo, essas coisas estão materializadas no fracasso de audiência das lives do presidente Lula. Fracasso de audiência. Juntando todos os canais que se agregam aos canais do oficialismo e do próprio presidente. Isso não é política de comunicação. Isso são movimentos reiterativos, enfadonhos, porque isso já foi testado no governo passado e também do lado progressista. Se você não tem uma concepção integrativa, articulada e consequente, você vai para o voluntarismo. E o voluntarismo é colocar o presidente para falar para oito mil pessoas; no final do dia para oitenta mil, cem mil.”
PROCESSO REVERSÍVEL
O professor lembra que esses problemas de avaliação da importância da comunicação para a construção de um novo projeto de país também estão presentes nos movimentos sociais e nos partidos progressistas:
“Existe claramente um esvaziamento da ideia de que a imprensa é um fomentador, uma participante ativa do processo da luta de classes, do processo de busca de transformações efetivas na sociedade. Então esse também é outro ponto débil. O que nós temos hoje de imprensa partidária progressista ou de esquerda é uma contribuição, a meu ver, extremamente tímida, extremamente superficial nesse propósito de oferecer alternativa de comunicação para públicos maiores. Houve uma mudança de era no país, principalmente no campo do respeito à democracia, do arejamento da vida cotidiana, mas parece que é uma maldição: nós não conseguimos construir, até o presente momento outros tipos de mídia, outras imprensas, outros jornalismos plenamente possíveis nessa esfera.
Dá para mudar? Moraes acha que sim:
“Se você perguntar se isso é reversível, vou responder que claramente é reversível. Agora, para isso, precisa ter uma decisão política muito nítida. E colocar os profissionais para trabalhar, coordenar, chefiar, comandar, articular e levar adiante. Colocar as ações em andamento dentro de uma visão estratégica que presida o sistema de comunicação.”
LÊNIN E A IMPRENSA REVOLUCIONÁRIA
Visão estratégica que combatentes da democracia em outros tempos souberam construir, como diz Moraes ao lembrar do trabalho e das teorizações de Marx, Lênin e Gramsci no terreno da comunicação:
“Em Lênin, vemos um esforço de formulação de uma imprensa revolucionária e partidária que vai beber da fonte de Marx, mas não se limitar a ela. Ele foi capaz de entender a visão de Marx de que a imprensa revolucionária é um instrumento decisivo de formação de consciência crítica e de unificação ideológica da classe operária, dos trabalhadores, daqueles que sofrem todas as consequências do modo de produção perverso chamado capitalismo.”
E ainda: “É no exílio, na Finlândia, que Lênin novamente coloca que os comunistas não vão avançar sem um jornal que unifique as lutas e que convença os trabalhadores a se unir ao partido, que mostre a eles os valores e as posições que os comunistas defendem e que são posições a favor deles, alinhadas com eles.”
Resumindo o papel da imprensa (hoje da comunicação, da mídia) na visão do líder revolucionário soviético, Moraes cita trecho de seu artigo “Lênin e a imprensa revolucionária” (clique AQUI para ler a íntegra).
“Na esteira das concepções de Karl Marx sobre o jornalismo revolucionário, Lênin definiu três princípios básicos da imprensa comunista: educar as massas para elevar o nível de consciência política; organizar os setores mais combativos da classe operária em torno do partido; propagar a linha programática. Uma síntese de visões convergentes com Marx pode ser verificada nas palavras de Lênin, ao indicar que os jornais não refletem apenas a luta de classes, como mantêm com ela uma relação específica, pois são sujeitos da luta ideológica que se trava entre as diferentes forças políticas: “Na luta entre os órgãos da imprensa, os partidos, as frações e os grupos vão se cristalizando as tendências ideológicas e políticas com caráter realmente de classe; cada uma das classes forja para si uma arma ideológica e política para as batalhas futuras”.