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Os saberes e fazeres dos sete povos das Gerais serão preservados no Solar dos Sertões, em Montes Claros
Por Ligia Coelho | ODS 11 • Publicada em 28 de maio de 2021 – 08:41 • Atualizada em 30 de maio de 2021 – 10:20
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Fotos de Valdir Dias (Rio Pardo de Minas)
Os sete povos tradicionais do Norte de Minas Gerais e Vale do Jequitinhonha vão ganhar um museu vivo. Os saberes e fazeres de geraizeiros, vazanteiros, veredeiros e caatingueiros; quilombolas, indígenas (Xakriabá e Tuxá) e apanhadores de flores sempre-vivas serão preservados no Solar dos Sertões: Museu Vivo dos Povos Tradicionais de Minas Gerais. O projeto é uma iniciativa da Articulação Rosalino Gomes de Povos Tradicionais em parceria com o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas.
Dar visibilidade às comunidades ancestrais, cuidar da memória e da história desses povos e divulgar a sua cultura e o seu papel na preservação dos ricos biomas da região são alguns dos objetivos. A instituição vai funcionar num prédio histórico do centro da cidade de Montes Claros, o Solar dos Sertões. Tombado pelo patrimônio municipal, o edifício abriga hoje a sede do Centro de Agricultura Alternativa (CAA).
Mas o museu não vai se limitar ao espaço físico. A proposta é mais abrangente e pretende se expandir para além das paredes do Solar dos Sertões, por meio de uma plataforma virtual capaz de promover o acesso ao modo de vida das comunidades tradicionais, permitindo ao visitante entender os saberes e fazeres desses povos e acompanhar o seu dia a dia.
Projeto valoriza jovens comunicadores locais
O projeto visa também contribuir para a realização de pesquisas de campo envolvendo jovens comunicadores populares e guardiães dos saberes tradicionais na gestão do acervo de bens culturais, inclusive imateriais, como é o caso da Romaria do Areião. Momento especial para a comunidade local, onde se mesclam práticas culturais e religiosas, a romaria é realizada anualmente, no Alto do Rio Pardo, no dia 4 de outubro, dedicado a São Francisco de Assis.
É também objetivo do projeto do museu realizar exposições itinerantes, buscando a preservação, promoção e inclusão dos modos de vida tradicionais, sempre com a participação de jovens comunicadores nativos.
É o caso de Valdir Dias, que assina as fotografias desta matéria. Natural de Rio Pardo de Minas e vivendo em uma unidade de conservação, a reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) da comunidade de Água Boa 2, Valdir é formado em Ciências da Natureza pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e licenciado em Educação do Campo. Foi também estagiário do ICMBio, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Interessado em cultura e comunicação popular, Valdir participou do curso de formação de jovens comunicadores do CAA, fez oficina de fotografia com o fotógrafo documentarista João Roberto Ripper e hoje contribui com a equipe de comunicação da entidade. Ele atua como uma espécie de correspondente em Rio Pardo de Minas, a cerca de 280 quilômetros de Montes Claros, distância que dá a dimensão do tamanho do território coberto pelos sete povos das Gerais.
“As comunidades tradicionais precisam ter voz e vez. Sofremos com a falta de políticas públicas e muitos ignoram a importância do saber popular, ancestral”, diz Valdir. “O Museu Vivo tem esse objetivo de cuidar da memória e de pensar no futuro desses povos”, acrescenta.
“O papel do Valdir é fundamental para fazer ecoar a voz de dentro desses territórios”, explica Luciano Dayrell, da equipe de comunicação do CAA. Cineasta formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Dayrell sempre esteve envolvido com povos tradicionais. No Rio de Janeiro, trabalhou com comunidades jongueiras e, no Norte de Minas, há alguns anos atua no CAA, produzindo filmes, documentários e audiovisuais e contribuindo para que as comunidades locais produzam seus próprios conteúdos de comunicação.
Ele explica que a ideia do Museu Vivo busca ressignificar o espaço do Solar dos Sertões, um casarão antigo, que durante muito tempo simbolizou a elite de Montes Claros e hoje é sede do CAA, assumindo um novo sentido, identificado com a luta das populações tradicionais. Atualmente, além da sede administrativa do CAA, o Solar dos Sertões abriga também o Empório dos Sertões, onde são comercializados produtos da terra, e a cooperativa Grande Sertão, que reúne os trabalhadores ligados à terra.
Articulação Rosalino Gomes unifica luta dos sete povos
Técnico em agricultura alternativa e um dos responsáveis pela equipe que trata de Agroecologia, Povos e Comunidades Tradicionais do CAA, o geraizeiro Samuel Leite Caetano, da comunidade de Abóboras, no Cerrado, a 33 quilômetros de Montes Claros, norte de Minas, observa que a entidade foi criada há 35 anos graças à luta dos povos tradicionais, com apoio de ONGs e entidades internacionais, unindo o saber acadêmico ao saber nativo.
Samuel destaca também o papel fundamental da Articulação Rosalino Gomes no projeto de criação do Museu Vivo, assim como na unificação dos povos ancestrais para o enfrentamento ao avanço do agronegócio e das monoculturas sobre os territórios locais.
“O planeta está em colapso, a pandemia é prova disso, do desequilíbrio provocado pela destruição do meio ambiente. As comunidades tradicionais querem repensar a relação com o planeta”, diz ele, acrescentando que o Museu Vivo permitirá dar visibilidade à luta desses povos e, ao mesmo tempo, denunciar o processo de destruição dos biomas.
Outro desafio do museu é garantir o direito à comunicação e à inclusão digital, já que as comunidades tradicionais e rurais são historicamente excluídas das tecnologias de comunicação.
Campanha de financiamento coletivo teve apoio do BNDES
Para colocar em prática o projeto do museu, as lideranças comunitárias contaram com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do Programa Matchfunding (financiamento coletivo) lançado pelo banco, em 2020, para a modalidade Patrimônio Cultural. A meta era alcançar um mínimo de R$ 177 mil. A campanha foi além, arrecadando R$ 193 mil.
Pelo cronograma inicial, a proposta seria colocar o museu em funcionamento ainda no final deste ano, o que vai depender de fatores externos, como a pandemia, cujo avanço, neste momento, não permite a realização de reuniões presenciais. Por isso, por enquanto, o trabalho está mais restrito às atividades remotas.
Construídas as bases financeiras do projeto, num segundo momento, as lideranças comunitárias do sertão de Minas pretendem buscar novos financiamentos, para continuar produzindo e formando comunicadores populares nos territórios tradicionais.