A condenação de Lula e a miséria planejada no Brasil

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Por Ricardo Graz, publicado em Brasil de Fato – 

A manutenção em longo prazo do espaço privilegiado dos rentistas no orçamento público exige um regime antidemocrático, capaz de prender Lula e arrebentar a esquerda, e pôr a população em estado de medo tal que aceite medidas contra seus próprios interesses

O próximo dia 25 de março de 2018 marcará 41 anos do assassinato do jornalista e ativista político argentino Rodolpho Walsh, ocorrido seis meses depois da morte de sua filha María Victoria. Esta data marca a luta do povo argentino pela democracia e contra o terrorismo de Estado do governo militar apoiado pelos EUA. No Brasil, tudo faz crer que em breve haverá mais uma data que marcará a ação destrutiva de aparatos do Estado apoiados e homenageados pelos EUA contra as forças progressistas, que será a prisão do ex-presidente Lula.

O tempo dirá se isso marcará o início de uma luta corajosa e eficaz das forças de esquerda ou simplesmente um marco de sua derrota. A proximidade entre o momento de Lula e o destino de Walsh se tornou evidente com a declaração dada pelo ex-presidente após o ato de força do Judiciário pela sua condenação sem provas, dizendo que o pior sofrimento não era o seu próprio, mas aquele vivido pelos brasileiros afetados pelas medidas econômicas do governo conduzido ao poder pelo golpe parlamentar instrumentado pelo Judiciário.




De fato, as palavras de Walsh sobre os atos mais desumanos do regime ditatorial na Argentina, que eram os ataques aos direitos sociais das minorias, seguem aplicáveis à América Latina. Uma vez mais, vivemos no Brasil a experiência infeliz de ter um regime que atacou a democracia, removendo uma presidente que não cometeu crime de responsabilidade e que avança, violentamente, contra os direitos dos que têm menos e entregam o patrimônio nacional a estrangeiros. Como Walsh nos ensinou de maneira cabal, por trás do falso discurso moralista e patriótico, a vontade última e mais importante que move os golpistas nos três poderes é o interesse em promover as políticas econômicas que significam a imposição do que ele denominou como a miséria planejada.

Tragicamente, a história se repete e traz novamente à tona a lama do discurso liberal de que políticas desenvolvimentistas e nacionalistas de crescimento com distribuição de renda contém “irresponsabilidades” que conduzem à crise econômica. Ao exército de economistas e colunistas de porta de bancos, somam-se juízes e desembargadores que atuam para assentar na convicção popular e marcar a ferro na história oficial do país que a ascensão social, a erradicação da miséria, a soberania nacional e a esperança de sonhar com um país que não seja mais a vergonha mundial da concentração de renda seriam frutos de uma árvore envenenada, por meio da solerte construção jurídica de uma macrocorrupção concentrada no principal partido de esquerda que desafia a lógica, mas serve de senha para uma caçada a líderes populares que tenham chance de vitória eleitoral.

E o que é oferecido em troca da liberdade de escolha democrática? Com o argumento de que a salvação nacional depende de medidas estranhamente seletivas de austeridade, são produzidos ajustes que conduzem mais uma vez a América do Sul a um modelo de miséria planejada, i.e., um modelo de políticas para reduzir salários e benefícios sociais e cortar o investimento público em saúde, educação, mobilidade urbana, indústria, infraestrutura e pesquisa científica, vetores cruciais da mobilidade social ascendente.

Diz-se no Brasil que o orçamento público não suporta os gastos sociais gerados pela Constituição de 1988, mas qualquer um que saiba quanto se gasta desnecessariamente com juros sobre a dívida pública federal entende facilmente que se trata da velha luta do orçamento sendo vencida pelas elites, que impõem sacrifícios ao conjunto da população em nome da manutenção de seu quinhão nos recursos do Tesouro.

Por isso, a manutenção em longo prazo do espaço privilegiado dos rentistas no orçamento público demanda que se instale um regime antidemocrático, um regime de força, capaz de prender Lula e arrebentar a esquerda, e colocar a população num estado de choque e medo tal que a população aceite medidas que são contra seus próprios interesses, que vão do desmonte dos programas de habitação popular à venda da Embraer, e destroem as esperanças de um país próspero para 210 milhões.

Hoje, relendo as palavras da carta de Rodolpho escrita em 1977, quando nos contou das ações bárbaras dos golpistas militares e civis na Argentina, fazendo referência aos atos de violência e perseguição política e criminal, é fácil notar com clareza que o mesmo tipo de violência fascista cresce a cada dia no Brasil com o patrocínio de poderosas facções instaladas no Estado brasileiro com um propósito que o governo golpista e as elites que comandam ações judiciais seletivas não conseguem disfarçar:

“Estos hechos, que sacuden la conciencia del mundo civilizado, no son sin embargo los que mayores sufrimientos han traído al pueblo ni las peores violaciones de los derechos humanos en que ustedes incurren. En la política económica de ese gobierno debe buscarse no solo la explicación de sus crímenes sino una atrocidad mayor que castiga a millones de seres humanos con la miseria planificada.”

Aí estão as palavras de Rodolpho em nossa realidade, de modo que é urgente às mentes progressistas fazer uma dura autocrítica e entender que um vetor central do golpe e das perseguições políticas é aprofundar reformas econômicas que lamentavelmente foram iniciadas por um governo de esquerda quando este deixou de lado compromissos assumidos na eleição presidencial de 2014 e nomeou e deu poderes a representantes da mais conservadora ortodoxia econômica e financeira.

A política econômica implementada gerou uma enorme desilusão e insatisfação popular que deu impulso irreversível para um processo de fraude parlamentar, que alçou ao poder uma aliança política cuja única base de sustentação é proteger os interesses dos seus aliados no parlamento, na imprensa, na justiça e no mercado financeiro, enquanto leva a cabo um verdadeiro assalto ao orçamento público federal e ao patrimônio das empresas estatais.

Hoje, eles avançam sobre os salários dos trabalhadores, as pensões dos aposentados, os remédios dos enfermos e o auxílio dos famintos. Aos estados e municípios negam apoio financeiro com motivações inconfessáveis de forçar privatizações, pondo em risco a segurança e a saúde das populações locais, a contrapelo do pacto federativo. Para além dos ataques judiciais contra seus opositores num combate seletivo à corrupção, e da propagação do fascismo por órgãos de imprensa com seu jornalismo de guerra, os que golpeiam a democracia aproveitam o estado de choque e desilusão com a política para pôr de pé um regime econômico neocolonial, no qual esperam ser próceres locais, reconhecidos e com trânsito na nova metrópole.

Trata-se de um modelo voluntário de exploração, contra a soberania nacional sobre as forças produtivas, que dá à elite local a expectativa de ter como aliada a comunidade dos países cujas empresas estão comprando a preço vil os ativos nacionais, aproveitando-se da tragédia de termos nos tornado um país que tem petróleo mas não tem um Estado com projeto de desenvolvimento nacional. Novamente, as elites buscam consolidar seu poder transformando as demandas da população, de cuja miséria extraem sua riqueza, em inimigas das forças econômicas internacionais.

Por isso, cabe reconhecer Rodolpho Walsh e Lula por, cada um a seu tempo e com seu destino selado, contornarem suas dores pessoais e assumirem os riscos de se posicionarem contra a miséria planejada, e cabe dar consequência a seus chamados a nossas capacidades individuais e coletivas e realizar a resistência política ao golpe e ofertar alternativas ao liberalismo, nas quais o manejo do orçamento público e suas principais variáveis, tais como o gasto público e a taxa de juros, afaste-se da ortodoxia e tenha como objetivo o progresso da larga maioria dos brasileiros, razão essencial da luta em defesa de uma democracia com justiça social, que o Brasil vê ser ferida de morte nos decretos, medidas provisórias, emendas constitucionais, vendas de empresas nacionais e sentenças judiciais de nosso tempo.

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