Confusão política, fascismo e caos institucional

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Por Aldo Fornazieri, em Jornal GGN – 

A confusão política está instaurada no país e perpassa as esquerdas e chega à centro-direita. As esquerdas estão demorando em demasia para formar uma frente antifascista, não para concorrer às eleições, embora isto fosse desejável, mas para defender a democracia e para barrar a violência política que ameaça as suas lideranças. Algumas iniciativas positivas, contudo, se revelaram nos últimos dias: a presença de Boulos e de Manuela D’Avila no encerramento da caravana de Lula e Curitiba e o ato que se fará no Rio de Janeiro com os partidos de esquerda e progressistas em repúdio ao fascismo e em defesa da democracia. Ciro Gomes precisa ser convidado e precisa participar dessa frente.

Mas é nas análises que setores de esquerda continuam a semear confusão. Uns temem que as eleições de 2018 possam não ocorrer. Como já se disse em outros artigos, não há nem ambiente interno e nem internacional para que as eleições não ocorram. O Brasil precisa relegitimar o comando político quase que desesperadamente. Não há a menor condição de continuar com Temer ou com um substituto de Temer para além deste ano. Se a situação política e institucional está caótica, a economia entraria em nova recessão. A não eleições geraria ainda mais incertezas do que a sua realização está gerando.




É improvável que a detenção dos amigos de Temer (com a posterior soltura) tenha força suficiente para afastá-lo do poder. Não porque Temer seja forte. O governo acabou quando foi decretada a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Mesmo com o governo acabado, tirar Temer não interessa a um conjunto de forças, notadamente ao PMDB. Tudo incerto com Temer, as incertezas ficariam maiores sem ele. Ninguém vai querer arriscar.

Note-se que a intervenção no Rio fracassou. Não porque as Forças Armadas sejam incompetentes, mas porque não têm muito o que fazer naquela situação. Foram chamadas, de forma oportunista e eleitoreira, para uma missão que não é sua. Até agora, no período que marca a intervenção, se tem a execução de Marielle e uma montanha de cadáveres.

A centro-direita (PSDB e agregados) está atônita. Não tem credibilidade. As confusões de Alckmin acerca dos atentados à caravana de Lula deixou muita gente perplexa. Depois da execução de Marielle, FHC vê risco de fascismo, de barbárie, o que é verdade, e apela para a unidade. Mas ele e o PSDB foram artífices da quebra do consenso democrático ao apoiarem o golpe. Perdidos, buscam uma tábua de salvação. Sua confusão deverá aumentar se Joaquim Barbosa se tornar candidato.

Outra confusão se situa nas expectativas em torno dos desdobramentos que envolvem Lula. As esquerdas continuam mobilizando as base em atos convocados  para os 45 minutos da vigésima quarta-hora, quando não para a vigésima quinta, como foi o caso da reforma da Previdência. Há uma confiança excessiva de que Lula levará o habeas corpus e que possa ser candidato às eleições. Não se o que fazer se o HC for negado. A única coisa que parece estar corretamente definida, mas que vem sendo questionada por setores petistas, é a de que Lula será candidato até o fim, mesmo que esteja preso.

Mas é preciso não jogar Lula na vala comum de  Temer e de outros investigados na Lava Jato. Alguns analistas escreveram que o ministro Barroso, do STF, é inimigo comum de Lula e de Temer. Trata-se de um erro brutal qualquer aliança tática com os criminosos do PMDB – agora MDB – para enfrentar a Lava Jato. Se é para enfrentá-la, o PT e as esquerdas precisam enfrentá-la sozinhos. Sem se misturarem com golpistas.

Lula deve ser defendido porque é inocente e porque foi condenado sem provas. Já, Temer e sua quadrilha, vêm cometendo crimes de corrupção no Porto de Santos há anos, segundo investigações. Não deve ser defendido. Se são vítimas de erros judiciais, que se defendam. A confrontação à Lava Jato deve ser feita pelos seus erros e não por seus acertos. Deve ser confrontada pelo seu caráter persecutório, pelos seus atos de exceção e pela violação dos direitos e das leis. O jejum de Dallagnol para ver Lula preso, além de ser ridículo, prova, mais uma vez, o caráter persecutório da Lava Jato. É urgente, contudo, que as esquerdas se reapropriem da bandeira do combate à corrupção – inclusive da corrupção do Judiciário, nas várias formas e na forma de seus privilégios – por todos os danos que a corrupção causa ao povo e ao país.

Base paramilitar do fascismo

Não resta dúvida de que os grupos que se articulam em torno da candidatura Bolsonaro, do MBL, do Vem Pra Rua, do Ceticismo Político e de outros movimentos, estão constituindo as bases políticas do fascismo no Brasil. Mas a execução de Marielle e os atentados contra a caravana de Lula estão indicando que o fascismo está passando de uma fase política para uma fase paramilitar. Dois grupos armados são facilmente mobilizáveis para constituir milícias paramilitares fascistas: 1) os milicianos, particularmente no Rio de Janeiro, e grupos de  policiais militares e civis que atuam à margem da lei ou na linha limítrofe entre o legal e o ilegal em vários estados; 2) fazendeiros e agroboys, que sempre foram armados.

Numa situação de caos político e institucional, de anomia social, de crise econômica e, diante da percepção de que dificilmente a extrema direita chegará ao poder pela via das eleições, a opção paramilitar poderá ser incrementada. E, mesmo admitindo-se a hipótese, hoje improvável, de vitória de Bolsonaro, a organização de milícias paramilitares fascistas seria ainda mais facilitada. Existe um colapso da noção de autoridade, pois Executivo, Legislativo e Judiciário estão desmoralizados e boa parte dos cidadãos não acredita em saída política. Esta é uma massa disponível para ser manobrada pela ideologia fascista. Daí a urgência de articular uma frente e adotar medidas antifascistas e de defesa da democracia.

Caos Institucional

Depois que a crise varreu o Executivo e o Legislativo, o Judiciário se instituiu em artífice do caos constitucional e institucional. Era o único poder que poderia usar o freio de arrumação. Mas ao invés disso, soltou o freio e jogou o país rumo ao abismo. Validou e ele mesmo promoveu inúmeros ataques à Constituição: não reagiu a um impeachment sem  crime de responsabilidade, chancelando o golpe; de forma inescrupulosa, o STF, com o prego derradeiro de Cármen Lúcia, abriu mão do poder de controle constitucional da própria Corte para salvar Aécio Neves, conferindo poder judicial ao Senado; contra a Constituição, validou a prisão após condenação em segunda instância derrubando o princípio da presunção de inocência; no caso Maluf, dois ministros negaram o habeas corpus e um o concedeu; Cármen Lúcia se negou a colocar novamente em exame o instituto inconstitucional da prisão após segunda instância por interesse pessoal de prejudicar Lula; uma turma do STF mantém a prisão de condenados em segunda instância e a outra manda soltá-los, e assim vai. São dezenas de atos ilegais e contra a Constituição cometidos pelo STF e por juízes de tribunais inferiores.

É preciso perceber o seguinte: qualquer Suprema Corte tem o poder de criar norma onde há vácuos, fendas, na Constituição e nas leis. Mas nenhuma Suprema Corte pode criar normas contra a Constituição, contra sua letra e contra o seu espírito, sua intenção e seus princípios. O STF está criando normas contra a Constituição, está interpretando contra o espírito e a letra da Constituição e está julgando contra a Constituição.  Isto é o fim da ordem constitucional. É o caos institucional.

O fim, a desmoralização da autoridade constitucional e judiciária é campo fértil para o crescimento do fascismo. Neste momento trava-se uma luta tenaz entre a democracia e o fascismo. Se os democratas forem ingênuos, se acreditarem num judiciário corrompido, desmoralizado e tomado de ideologia, o que resta de democracia correrá riscos terríveis. Por outro lado, não se pode crer que os fascistas utilizarão métodos democráticos e pacíficos na luta política. É preciso preparar-se e organizar-se para detê-los.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)

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