Tita teme que seja impossível mudar a maneira como os bancos, até mesmo os públicos
Por Heloísa Villela, compartilhado de ICL Notícias
A depressão profunda e o pavor de sair de casa estão sob controle. Mas Maria Cristina Tita Dias ainda não consegue entrar no bar da família, na Vila Madalena–SP.
Essas são as consequências emocionais do trauma financeiro que Tita enfrenta desde a pandemia. Nesta segunda-feira (22) ela esteve no Palácio do Planalto para acompanhar o lançamento do programa Acredita e foi citada pelo presidente Lula como a inspiração da iniciativa.
Lula não mencionou o nome de Tita, manteve segredo, mas destacou que ela levou o presidente a brigar por alguma iniciativa do governo que desse socorro aos micro e pequenos empresários sufocados por dívidas contraídas na pandemia.
“Eu não vou falar o nome, mas aqui nesse plenário tem uma pessoa que também não vou dizer o gênero, que é por conta da situação dela que eu procurei o Haddad e falei: Haddad, nós precisamos fazer alguma coisa para ajudar as pessoas que têm um pequeno comércio, um pequeno restaurante, um pequeno bar, e que durante a crise da Covid essa pessoa se endividou e essa pessoa não consegue sair dessa dívida. Então, é preciso que a gente encontre uma solução. A solução foi encontrada e espero que essa pessoa saiba que foi por causa dela que nós criamos esse programa”, disse Lula.
Vários ministros do governo sabiam exatamente de quem Lula estava falando.
Em 2022, durante a campanha presidencial, Tita conseguiu marcar uma reunião dos candidatos Lula e Geraldo Alckmin com pequenos e microempresários em Jaraguá, no dia 17 de agosto.
A reunião teve uma dinâmica curiosa. No palco, Tita e outros participantes se dirigiram a Lula e Alckmin, sentados na plateia. Expuseram as necessidades e problemas que estavam enfrentando. Depois, eles trocaram de lugar. Foi então que disse aos integrantes da chapa: “A nossa recuperação vai passar pelo governo de vocês”.
Na ocasião, contou Tita ao ICL Notícias, Lula prometeu que, se fosse eleito presidente, não deixaria nenhuma microempresa fechar por conta de dívidas contraídas durante a pandemia.
Ela continua cobrando o cumprimento da promessa de campanha. Tita utilizou o Pronampe, Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, criado em 2020, para sobreviver à pandemia.
Na época, ela acreditava que em um ano reabriria o negócio e pagaria as dívidas, sem problemas. “Minha família tem esse bar há 24 anos. Como muitos pequenos, eu não tinha caixa, ou arrumava o dinheiro ou fechava”, conta.
A taxa de juros era baixa, baseada na Selic. Mas disparou e as dívidas de quem recorreu ao Pronampe se multiplicaram enquanto os estabelecimentos comerciais continuavam sem funcionar. “Imaginei que em março ou abril do ano seguinte já teríamos vacina e todos estariam de volta, pagaria minha dívidas. Mas chegamos lá e o estabelecimento ainda estava fechado”, recorda.
Por isso, contou Tita, tem gente hoje vendendo apartamento para limpar o nome na praça. “O que acontece na ponta não chega aqui”, diz, se referindo ao Palácio do Planalto.
Ela se afastou da política há cerca de 20 anos. Foi vereadora em São Paulo, diretora do Sindicato dos Bancários e fundadora do Partido dos Trabalhadores. Talvez por ter experiência na política, Tita se mobilizou em defesa dos microempresários.
O encontro com o então candidato Lula foi apenas uma das medidas. Mas ela acionou todos os canais possíveis para chamar a atenção para um problema que o governo agora mostrou interesse em resolver. Não sabe se vai dar certo e diz que muitos microempresários são céticos.
Essa é uma camada da população que, segundo as pesquisas, se interessa pouco por política, votou mais em Bolsonaro do que no PT nas duas últimas eleições presidenciais e não acredita que terá apoio do governo Lula para sair do poço do endividamento e nem para conseguir empréstimo bancário para crescer.
Bancos x MEIs
Com relação às dívidas, Tita está mais otimista. O programa do governo vai funcionar como uma espécie de Desenrola para os pequenos empreendedores.
Como disse ao ICL Notícias o ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte do Brasil, Márcio França, o programa Acredita foi criado para atender às pessoas espremidas entre os pobres, que contam com os programas sociais, e os ricos, que não precisam da ajuda do governo.
Em outras palavras, a intenção do governo é clara: conquistar uma parcela da classe média que tende a ser antipetista.
Tita teme que seja impossível mudar a maneira como os bancos, até mesmo os públicos, analisam os microempresários, e que o acesso ao crédito continue sendo proibitivo.
No Acredita, a previsão é de taxas de juros baseadas na Selic com um acréscimo de 5%. Seria algo em torno de 15,75% ao ano. Um patamar que ela considera muito alto para a grande maioria da categoria.
Outra dúvida que Tita levantou: pelo Acredita, os pequenos e os microempresários vão poder pedir emprestado até 30% do faturamento anual de suas empresas. E se for o negócio de uma mulher, até 50%, “porque elas são boas pagadoras”, disse Lula. Mas ela questiona se haverá dinheiro no banco para isso. Se o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal terão volume de recursos suficiente para atender todo mundo, caso a demanda seja alta.
A experiência com o Pronampe deixou marcas. Na época, os empreendedores podiam pedir até 30% do faturamento em empréstimo. Mas não havia dinheiro disponível e, na prática, os bancos limitaram o crédito em até R$ 150 mil por empresário.
Ainda endividada e decidida a encontrar uma solução para a categoria, Tita promete continuar na luta. Vai ao Congresso conversar com os deputados, explicar o que passam os donos de pequenos restaurantes, bares, padarias…
Assim como fez com o candidato — agora presidente — Lula, ela vai levar um pouco da vida real aos políticos de Brasília porque foi assim que ela viu nascer o Acredita, com suas possibilidades e limitações, mas com base na realidade concreta em que vivem os empreendedores e candidatos a microempresários do país.