Por Étore Medeiros, para Agência Pública –
Com escolha de novo relator, todas as manobras regimentais encampadas pela base do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, poderão ser repetidas
O processo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por quebra de decoro parlamentar voltou praticamente à estaca zero na tarde desta quarta-feira (9), com a destituição do relator Fausto Pinato (PRB-SP). Ele foi declarado impedido de ocupar a relatoria pelo vice-presidente da Mesa Diretora da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), por ser de partido que integra o mesmo bloco do PMDB – que conta ainda com outras 12 siglas. A decisão foi proferida durante a reunião do Conselho de Ética em resposta a questão de ordem apresentada antes por Manoel Júnior (PMDB-PB), um dos aliados de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) mais atuantes no colegiado.
Após muitos protestos de um lado e comemorações do outro, o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA), decidiu dar fim à reunião. No início da noite, ele anunciou que o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) será o novo relator da representação contra o presidente da Câmara. Ele antecipou que, além da reunião desta quinta-feira, já marcou sessões do colegiado para a terça-feira pela manhã e também à tarde. “Vamos ter sessão se necessário também na quarta e quinta”. O presidente rebateu críticas de Cunha, que acusou o Conselho de manobrar e descumprir o regimento. “Se manobra é botar pra votar e querer apurar, eu estou fazendo manobra (…). O problema é que o deputado [Cunha] é o presidente da Casa, todo poderoso, mas eu sou deputado, não sou empregado de Eduardo Cunha”, disse Araújo.
Araújo chegou a escolher o petista Zé Geraldo para a relatoria, por ele ter sido sorteado e composto a mesma lista tríplice que Pinato, no início do processo. Um novo comunicado da Mesa chegou ao Conselho, entretanto, esclarecendo que até mesmo o sorteio teria de ser refeito. O escolhido foi um dos três nomes sorteados hoje. Havia a possibilidade de o relator ser também Sérgio Brito (PSD-BA) ou Leo de Brito (PT-AC). Para Cunha, a escolha de um novo relator é um ponto positivo, já que todos os malabarismos regimentais usados para atrasar o processo poderão ser reeditados por seus aliados.
O deputado Sérgio Brito não aparece às reuniões do conselho há semanas e, por isso, é o único cuja opinião é desconhecida sobre o parecer proferido pelo antigo relator, que pedia a admissibilidade do processo. Embora seja muito crítico ao texto e tenha defendido o adiamento da votação nesta quarta-feira, Marcos Rogério (PDT-RO) tem apoiado a continuidade das investigações. Como petista, Leo de Brito naturalmente é favorável ao prosseguimento do processo.
“Ele não tem vindo, mas não há nenhum documento formal de que ele tenha renunciado ou esteja doente”, justificou Araújo ao anunciar que colocaria o nome do conterrâneo no sorteio. Embora aliado de Cunha, o Brito baiano estaria sendo pressionado pela direção estadual do partido, o que pode ter contribuído para o chá de sumiço que ele parece ter tomado.
“Você pode ter uma relação maior ou menor com um parlamentar, mas quem exerce função no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar está aqui não para julgar a pessoa, mas os fatos. Relator não condena ninguém”, disse Marcos Rogério. Sobre o apoio prestado às manobras que defendiam o adiamento da votação do parecer de Pinato – antes da intervenção do vice-presidente da Câmara –, ele afirmou que qualquer avanço feito nesta quarta-feira poderia ser anulado depois. “Quem me acompanha me vê na defesa do regimento. Eu não tenho lado.”
Manobras
A sessão de hoje começou com duas votações de pedidos de adiamento da votação do parecer de Pinato. Em ambos os casos, após empate em 10 a 10, o voto de minerva do presidente decidiu pela rejeição dos requerimentos. A derrota do grupo de Cunha levou a um pedido de afastamento do presidente do Conselho de Ética, por supostamente ter exercido influência sobre o deputado Paulo Azi (DEM-BA). “Entendi que o seu desejo [de admitir o parecer] estava interferindo nas suas decisões, ainda que inconscientemente”, disse Carlos Marun (PMDB-MS) sobre Araújo, justificando o pedido de impedimento do presidente.
“A admissibilidade é dar o direito ao deputado Eduardo Cunha de se defender, de provar que é inocente, que não tem conta na Suíça, que não recebeu R$ 45 milhões do banco, que tudo o que está sendo dito pela imprensa em todo o Brasil não é verdade. É isso que eu quero, que ele prove a inocência para que ele possa dirigir essa Casa com altivez, e não com essa Casa agachada. Recolho a questão de ordem, mas não me considero impedido”, foi a dura resposta de Araújo. “Vossa Excelência em nenhum momento me constrangeu”, comentou Azi.
“Eles estão protelando, tentando adiar de todas as formas possíveis. Infelizmente encontraram uma brecha e a gente vai ter que jogar com isso. O processo vai ter que recomeçar praticamente do zero, mas vamos continuar a luta, a opinião pública exige isso”, disse Betinho Gomes (PSDB-PE). O tucano acredita que o conflito no Conselho de Ética não deve contaminar as discussões em torno do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Acho que não, acho que desgasta até mais o presidente da Casa. Fica muito claro que a Mesa Diretora está jogando a seu favor. Embora baseada em uma brecha legal, a decisão de hoje não teve isenção alguma.”
Embora não integre o conselho, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) acompanhou atentamente os trabalhos desta tarde, já que o PSOL é o autor da representação contra o presidente da Casa. “A falta de escrúpulos do presidente Cunha, associada à bancada de mais de 200 deputados em que impera o cinismo e a hipocrisia, com a fidelidade das bancadas ruralista, da bala e do fundamentalismo religioso, vai conseguindo manter um processo de manobras contínuas através do exercício da Presidência. A Procuradoria-Geral da República deveria tomar as decisões para pedir ao Supremo que o afaste imediatamente”, defendeu Valente.
Atualização (9/12-22h34): Texto modificado para incluir a escolha do novo relator.