Construtora usa segurança ilegal contra famílias sem-teto no Jardins

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Por Débora Lopes, compartilhado de Ponte Jornalismo – 

Segundo moradores, homens a serviço de construtora MBF teriam entrado armados e exigido desocupação em 24h; conselheiro do Condepe considera ação “ilegal e criminosa”

Seguranças que teriam sido contratados pela MBF Empreendimentos Imobiliários
Seguranças que teriam sido contratados pela MBF Empreendimentos Imobiliários | Foto: Reprodução/MTST

A quarta-feira (2) começou cedo e mal para quem vive na Ocupação Pamplona, no bairro dos Jardins, na cidade de São Paulo. Os ocupantes relatam que, por volta das 5h30, cerca de 13 homens não identificados arrombaram as portas do imóvel antigo localizado na Rua Pamplona exigindo que todos saíssem de lá em até 24 horas. Segundo relatos, alguns desses homens estariam armados.




Em entrevista à Ponte, o artista uruguaio Yamandu Plat, 52, que mora na ocupação, disse que tentou conversar com os sujeitos: “Perguntei quem eram, se tinham algum cartão de identificação e eles sacaram uma pistola 9mm e puseram na minha cabeça. E ainda falaram: ‘Esse é o meu cartão de identificação’”.

A primeira atitude dos moradores foi chamar a Polícia Militar, contou Benedito Rodrigues, 36, técnico de áudio e acústica que mora há um ano no imóvel: “Eram 13 marmanjos, a princípio caracterizados como milicianos, armados, batendo na porta de todo mundo, oprimindo mulheres grávidas, idosos e crianças”.

Benedito explicou que, quando a viatura da PM chegou, os sujeitos saíram do local “com medo”. “O próprio policial afirmou que eles estavam errados, contra a lei, tentando entrar no imóvel sem uma autorização judicial, sem a presença de um oficial de justiça, e pediu que eles se retirassem.”

Mas, 10 minutos depois que a PM foi embora, os homens teriam voltado para intimidar os moradores novamente, afirmou Benedito. Dessa vez, oferecendo dinheiro para alguns deles em troca de deixar o imóvel.

Os moradores chamaram novamente a Polícia Militar, que topou levá-los até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência. Mas, antes, os policiais revistaram um a um dos ocupantes. A revista, porém, não aconteceu com os sujeitos que invadiram o imóvel pela manhã, alegaram os moradores. “O que a gente consegue perceber é total parcialidade por parte da Polícia Militar e da Polícia Civil”, pontuou Benedito.

Alfonso Torres Lira e Benedito Rodrigues, moradores da ocupação, com o primeiro B.O. feito no 78º DP | Foto: Débora Lopes

No 78º DP, também no bairro dos Jardins, a reportagem da Ponte presenciou policiais civis batendo papo amigavelmente com os tais sujeitos. O tratamento com os moradores da ocupação não foi o mesmo.

Dois boletins foram registrados na delegacia. O primeiro com a versão dos dois policiais militares que atenderam o chamado dos moradores por “desinteligência”.

De acordo com o documento, um dos homens que esteve na Ocupação Pamplona chama-se André Santos de Oliveira, 40, segurança, e estava ali representando a empresa MBF Empreendimentos Imobiliários, supostamente dona do imóvel ocupado. O CPF informado por ele no boletim, porém, não está listado pela Polícia Federal enquanto segurança ou vigilante.

O primeiro boletim de ocorrência com o relato dos policiais militares. | Foto: Reprodução

A ocupação de moradia é independente, mas recebe auxílio jurídico de um advogado do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) que não pôde comparecer à delegacia por estar com coronavírus. Nem os próprios moradores têm certeza da situação jurídica do imóvel, mas dizem que pertencia à União e que, em outubro, teria sido comprado por uma empresa privada.

Humilhações dentro do DP

Depois de aguardar duas horas pelo primeiro B.O., os moradores da ocupação ficaram insatisfeitos quando viram que o documento não trazia informações que consideravam importantes, como por exemplo o fato de os sujeitos estarem armados.

Morador da Pamplona, o peruano indígena Alfonso Torres Lira, 42, artesão, desabafou na porta da delegacia: “Estou completamente indignado. Não só pelos fatos acontecidos, mas sim porque o serviço público, que deveria dar atenção a nós, cidadãos, fica do lado do opressor, que chega com armas, quebrando portas, humilhando as pessoas”.

O delegado Igor Vilhora Noya disse que poderia ser feito um novo B.O. Os moradores, então deram sua versão dos fatos para formalizar o acontecido.

Trecho do segundo boletim de ocorrência | Foto: Reprodução

Em áudio obtido pela Ponte, o escrivão Rafael Ferracina Vidal trata os moradores com rispidez durante o segundo registro. “Eu sou o escrivão”, afirma diversas vezes. Em certo momento, ele diz: “Vocês têm que entender uma coisa: B.O. não serve pra absolutamente nada. Você vai deixar eu falar? [diz, ao ser interrompido] É o primeiro passo. É uma versão unilateral. Eu posso fazer uma versão aqui falando que eu sou o filho do Silvio Santos. Eu sou o filho do Silvio Santos?”

“Não sei”, responde Benedito.

Alfonso relatou que em diversos momentos ele e seus companheiros foram humilhados e constrangidos na delegacia. “Ele [escrivão] até me empurrou falando que eu estava indo pra cima dele”, disse.

Para Ariel de Castro Alves, advogado e conselheiro do Condepe e do Grupo Tortura Nunca Mais, a ação dos representantes da MBF Empreendimentos Imobiliários foi totalmente ilegal e criminosa. “A empresa precisaria entrar com ação de reintegração de posse, solicitando para a Justiça o despejo. Se a polícia foi chamada e não agiu para impedir essa prática criminosa da atuação de jagunços e milícias, configura-se prevaricação”, pontuou.

Preocupado com o futuro da ocupação e com a segurança de todos os moradores, o peruano Alfonso falou sobre os próximos dias: “Não é novidade o que vamos fazer: resistir”.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com a MBF Empreendimentos Imobiliários por telefone e por e-mail, mas até a publicação desta reportagem não recebemos respostas. O segurança André Santos de Oliveira topou dar entrevista para a Ponte, mas não a tempo da publicação desta reportagem.

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