Continente preso no paradoxo entre a solidariedade e a intolerância

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Compartilhado de Projeto Colabora –

Europa patina em sua política de migração, enquanto um mar de seres humanos tenta chegar lá em busca de vida mais digna; numa das portas de entrada, na Itália, assistência é criminalizada

Por Janaína Cesar | ODS 1ODS 10 • Publicada em 14 de abril de 2021 – 08:46 • Atualizada em 16 de abril de 2021 – 10:50




Na praça de Trieste, Lorena cuida da ferida no pé de um imigrante. Foto Janaina Cesar

O Velho Continente não sabe o que fazer com o mar de seres humanos que chega em busca de vida digna. Nos últimos dois anos destinou aos cofres públicos bósnios cerca de 88 milhões de euros para serem investidos nos campos de refugiados. Em janeiro deste ano, após o incêndio de Lipa, a soma foi incrementada com outros 3,5 milhões. Diante da tragédia humanitária dos milhares de refugiados sem abrigo, Janez Lenarčič, comissário Europeu para a Gestão de Crises, afirmou que “esta catástrofe poderia ter sido evitada se as autoridades do país tivessem implementando uma gestão adequada da migração, conforme solicitado pela União Europeia há muitos anos”.

Enquanto Bruxelas aponta o dedo às autoridades bósnias, ignora o que acontece na porta de sua casa. Desde 2017, a Croácia recebeu cerca de 108 milhões de euros da Europa para cuidar da vigilância de fronteiras. O verbo cuidar, porém, é distorcido pela polícia daquele país, como testemunhou Tarik e outras centenas de imigrantes que sentiram em seus corpos o peso dos cassetetes e foram mandados de volta. O direito à proteção humanitária não é, minimamente, levado em consideração.

Mas não é só a Croácia a devolver os refugiados à Bósnia. Segundo reportagem da revista L’Altreconomia, entre janeiro e novembro de 2020, a polícia de fronteira italiana rejeitou o ingresso de 1.240 imigrantes com direito à proteção humanitária. Vários entraram num ciclo de rejeição em cadeia: da Itália foram mandados de volta à Eslovênia, de lá para a Croácia que os enviou à Bósnia. Todavia, a Itália deverá pôr um ponto final nesse esquema sórdido e desumano. Isso porque, em janeiro deste ano, o Tribunal de Roma emitiu sentença condenando o mecanismo consolidado de rejeições em cadeia, “pois viola as regras internacionais, europeias e nacionais que regem o acesso ao procedimento de asilo”.

“Crime de solidariedade”

Trieste, além de ser uma cidade italiana na fronteira com a Eslovênia, é a ponta final da rota Balcânica. Aqui, na praça da Liberdade, em frente à estação ferroviária, um casal de aposentados, acompanhado por alguns voluntários, se encontra para curar os pés e as feridas dos imigrantes. Daqueles sujeitos de sorte que conseguem vencer o Game.

Todos os dias, após 18h, Gian Andrea Franchi e sua esposa, Lorena Fornasir, fundadores da associação Linea d’ombra, carregam o carrinho verde cheio de medicamentos até a praça. Daqui, os imigrantes partem para o resto da Europa. Agora no período invernal, as curas diminuíram para esperar a neve derreter e permitir a travessia das fronteiras.

Antes do lockdown, o casal esteve 18 vezes na Bósnia. Com as fronteiras fechadas, eles estão somente na praça. “Nosso compromisso é político: nos opomos a fronteiras que se tornaram máquinas de matar”, argumenta Gian Franco, ao #Colabora.

Além dos curativos, os voluntários também distribuem alimentos e roupas.

Mas a solidariedade virou crime na Itália. Na manhã de 23 de fevereiro deste ano, o casal acordou com a polícia batendo na porta de casa. Estavam respondendo a um mandado de perquirição e teve computador e celulares sequestrados. Gian foi denunciado por favorecimento da imigração clandestina. “Em julho de 2019, hospedei uma família curdo-iraniana que tinha dois filhos e os ajudei a pegar o trem e receber dinheiro de um parente na Alemanha. Essa é uma acusação que me põe junto a uma cadeia de passeur, pessoas que exploram a imigração para lucrar. É evidente que no plano psicológico me deixa indiferente, é direcionada a criminalizar quem se ocupa ativamente e continuamente dos imigrantes. A mesma coisa aconteceu com a Mediterranee, ONG que salva os imigrantes no mar”, acrescenta ele.

Na tarde em que a reportagem esteve na praça de Trieste, chegaram somente três afegãos. Lorena prontamente curou cada um deles. Estavam machucados, haviam sido espancados pela polícia eslava. Por volta das 19h pegaram o trem para Milão com destino à nova vida.

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