Redação – Gabriel Garcia Marques escreveu este conto para um jornal em 1952, aos 27 anos. Naquela época, já existia Papai Noel de loja, e eles já eram tristes figuras com máscaras de alegria para entreter as crianças. Neste dias de dezembro, neste Brasil tão conturbado dos últimos tempos aconteceram dois fatos emblemáticos com seres humanos vestidos de Papai Noel em São Paulo. Em Sorocaba, o bom velhinho foi apedrejado por crianças pelo fato do suprimento de caramelos terem acabado no saco do Papai Noel.
Também no interior de São Paulo, um shopping de São José dos Campos resolveu contratar um Papai Noel negro, o que causou revolta em alguns integrantes de uma classe média cada dia mais metida a besta. Os revoltados procuraram o gerente do shopping, reclamando, babando e gritando que Papai Noel negro não existe. Ouviram do inclusivo gerente: “Vou contar uma novidade para vocês: Papai Noel não existe”. Dito isso, manteve o Papai Noel negro, mesmo com os narizes torcidos dos preconceituosos.
O suicídio de Papai Noel
Por Gabriel Garcia Marques
Domingo último, Adrian Claude sucidou-se em Paris.Tinha 73 anos de idade havia 45 se disfarçava de Papai Noel. Sendo assim, Adrian Claude não era ninguém durante 11 meses. Mas em dezembro era um dos homens mais importantes de Paris. Contudo ninguém o conhecia; porque sua importância começava quando ele aparecia numa luminosa vitrina, repleta de barbas e o bigode postiço, impediu que se soube quem era Adrian Claude, mas, em compensação, permitiam que todo mundo reconhecesse nele o melhor Papai Noel da melhor loja de brinquedos de Paris.
E assim foi todos os anos, durante 45, até o momento em que se sentiu demasiado e velho para tudo. Até para disfarçar-se de velho.
Esta terrível história de Adrian Claude parece uma prova evidente de que os adultos acreditam mais em Papai Noel do que as crianças. Não fosse assim, o verdadeiro Adrian Claude – aquele que vivia num miserável beco Notre Dâme dês Champs – não teria chegado aos 73 anos de sua vida no estado em que chegou, nem teria necessidade de encostar-se junto ao escapamento de gás (porque já era muito velho para disfarçar-se de Papai Noel).
Mas em Paris ninguém sabia quem era Adrian Claude.
Talvez acreditassem que aquele homem jovial que todos os anos, a partir do dia primeira de dezembro, aparecia atrás de uma vitrina entulhada de pequenas lâmpadas luminosas e brinquedos de corda, era realmente o legendário Papai Noel que enche de coisas alegres os sonhos e os sapatinhos das crianças.
Por isso Adrian Claude era o melhor Papai Noel de Paris; porque a ninguém jamais ocorrera pensar que ele não passava de um francês recheado de algodão. Um homem de carne e osso que, mesmo em dezembro, tinha necessidade de botar algo no estômago – no seu e no da sua mulher – para que meio milhão de crianças continuassem acreditando em Papai Noel.
O pior de tudo é que Adrian Claude jamais desfrutou de seu prestígio. Claro, pois o prestígio não era dele. Sua vida resumia-se em passar os primeiros 11 meses do ano prestando toda a espécie de serviço aos modestos vizinhos de Notre Dâme dês Champs, para poder continuar vivo em dezembro e em condições de transformar-se num dos homens mais importantes da cidade.
Era praticamente um biscateiro. Certa ocasião, foi encanador, mas como essa não era a sua verdadeira profissão, acabou fracassando. Em seguida foi gari e amolador de facas. É possível que se tivesse conseguido um realejo e um macaquinho, a vida lhe teria sido melhor, já que sua tarefa seria levar um pouco de dezembro pelas ruas de Paris, a qualquer época do ano.
Isso talvez se parecesse um pouco com a sua profissão. Mas como nunca teve o realejo, pouco faltou a Adrian Claude para se tornar um desempregado. No começo deste ano, sua mulher esteve a ponto de quebrar o pescoço, voluntariamente, ao jogar-se pela escada de caracol do velho edifício em que viviam.
Tudo isso era um drama, mas Adrian Claude não sabia. A verdade é que ele não sabia de nada a não ser disfarçar-se de Papai Noel. Solitário, sem nada para fazer, encerrou-se no quarto, mas sem o propósito de esperar que lhe crescesse a barba. Mas, de qualquer maneira, a barba cresceu.
De forma que quando ele saiu à rua, no domingo, as crianças de Notre Dâme dês Champs o viram passar e riram, pensando: “Ele se parece com Papai Noel”, sem perceberem que aquele pensamento aproximava-se bastante de um sarcasmo.
Naquela tarde Adrian Claude tomou suas últimas providências: foi à loja de brinquedos, declarou que este ano não podia disfarçar-se e pagou algumas dívidas. Depois, fechou-se no quarto e abriu o gás. E agora vocês calculem o susto que devem ter tido, lá no céu, quando viram entrar, pela primeira vez em dezembro com sua verdadeira cara de Adrian Claude.