Cenas de humilhação e atropelamento de civis por tanques são exibidas à exaustão pela grande mídia corporativa. Aparecem bombardeios e usinas sendo explodidas. Muitas delas são de outras guerras, ou de videogames, mas pouco importa. Ucranianos em prantos são entrevistados ao redor do mundo. Jogadores de futebol brasileiros na Ucrânia são entrevistados, e choram de saudades do patropi. Falta pouco para a equipe da Globo aparecer uniformizada e se alistar na OTAN.
Por Manoel Olavo Teixeira, compartilhado de Construir Resistência
A exploração sentimental, via imprensa, da invasão da Ucrânia pela Rússia tem sido utilizada de modo sufocante. As pessoas bradam, indignadas, contra o mal absoluto encarnado em Vladimir Putin, o matador de criancinhas ucranianas. Não choraram nem bradaram do mesmo modo pela morte de crianças na Líbia, Síria, Palestina, no Iêmen, na Namíbia, na Somália, na Iugoslávia, no Iraque, porque o conflito não era exibido na TV do ponto de vista do agredido, mas sim do agressor – no caso, os EUA.
Basta se apontar a hipocrisia e manipulação tendenciosa do discurso midiático para você ser acusado de aliado do ditador Putin, o novo Hitler, ou favorável à guerra. O nome disto é maniqueísmo. Ou desonestidade intelectual.
Lamentável é ver parte da esquerda embarcar nesta atitude. Pode soar antiquado, mas, pra mim, ser de esquerda significa, além de ser favorável à justiça social, ser anti-imperialista. Contra qualquer imperialismo. O Império norte-americano não tem passe livre por supostamente ser garantidor da democracia liberal no mundo. Isto é tão verdadeiro quanto dizer que o Império Colonial europeu do século XVI e XVII era justificável porque levava o Deus Cristão para povos primitivos.
Portanto, sugiro que as pessoas vejam menos globonews e busquem se informar sobre os determinantes geopolíticos e históricos da, sim, lastimável invasão da Ucrânia pela Rússia, onde , como de costume, os mortos serão soldados rasos e civis inocentes. Não sou favorável à qualquer guerra. Mas entender que a própria ação irresponsável de expansionismo militar dos EUA e da OTAN, ao longo de décadas, contribuiu para gerar o conflito, não significa que você defenda a morte de inocentes.
É preciso tomar cuidado, senão a gente pode, de concessão em concessão, ficar igualzinho ao Fernando Gabeira.
Foto: Agência Brasil -EBC
Manoel Olavo Teixeira
Médico psiquiatra. Professor e Pesquisador do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e do INI- FIOCRUZ. Co-autor do livro “Contos de resistência em tempos de pandemia ” (2021).