Contra o duplo isolamento: redes de apoio fortalecem LGBTI+ em vulnerabilidade

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Por Laís Malek, compartilhado de Projeto Colabora – 

No Rio, entidades como Casa Nem e Grupo Pela Vidda reforçam medidas de atenção e dão ainda mais suporte para comunidade LGBTI+ durante a pandemia de coronavírus.

Junho representa uma data especial para a população LGBTI+. Foi em 28 de junho de 1969 que aconteceu a “Revolta de Stonewall”, o primeiro protesto de grande repercussão em prol dos direitos da comunidade, em Nova York. Liderados por Marsha P. Johnson, uma mulher trans e negra, os frequentadores do bar Stonewall Inn insurgiram-se contra as batidas policiais que eram rotineiras na região. Hoje, 51 anos após a revolta, a data é celebrada como o Dia do Orgulho no mundo todo, e adquire significados especiais em tempos de isolamento social – que já entra em seu terceiro mês no país.




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Para Indianare Siqueira, ativista dos direitos LGBTI+ e fundadora da Casa Nem, espaço no Rio de Janeiro que abriga membros da comunidade em situação de vulnerabilidade social, a população já vive em um isolamento. “Desde que assumem sua orientação sexual e identidade de gênero, são pessoas que já sofrem com um distanciamento físico. Toda a repressão, que muitas vezes começa com a família e com o meio social em que vivem, já é uma forma de isolamento. Já vivemos isso, e nossa saúde mental já é abalada em todos os sentidos”, relata.

Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual (Ceds) fez entrega de cestas básicas à Casa Nem. No centro, a ativista Indianare Siqueira. (Ceds/Divulgação)

Casa Nem

Durante a pandemia, a Casa Nem segue com seu trabalho de acolhimento, respeitando as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Quem precisar de lugar para ficar é encaminhado para o quinto andar do prédio de sete andares, localizado em uma ocupação no bairro de Copacabana, onde fica isolado e cumprindo a quarentena até que seja liberado para o convívio com os outros membros da Casa. As consultas de acompanhamento psicológico, agora, são realizadas em sua maioria pelo celular.

Toda a repressão, que muitas vezes começa com a família e com o meio social em que vivem, já é uma forma de isolamento. Já vivemos isso, e nossa saúde mental já é abalada em todos os sentidos

Indianare Siqueira
Fundadora da Casa Nem

Como muitos trabalhadores informais tiveram suas rendas diminuídas ou até mesmo completamente erradicadas pela pandemia, a Casa Nem conseguiu parcerias para buscar novas formas de angariar fundos. Uma delas foi com o Grupo Arco Íris, outra instituição de apoio à comunidade LGBTI+, que trabalha com a ONG Ecomoda para reaproveitar o lixo têxtil despejado na Baía da Guanabara. Durante a quarentena, a solução encontrada foi a produção de máscaras para doação. O serviço conta com a ajuda das vaquinhas online que as organizações têm realizado para redistribuir renda entre pessoas LGBTI+ mais vulneráveis.

“Já conseguimos distribuir 2,5 mil cestas básicas para pessoas em vulnerabilidade e profissionais do sexo”, conta Indianare. Segundo a ativista, parte do aporte financeiro vem também de uma parceria com o Ministério Público do Trabalho. Ao todo, a Casa Nem consegue auxiliar 50 pessoas, sendo 34 abrigadas no espaço e mais 16 que farão parte dessa parceria com o MPT.

Membros mais jovens do Grupo Arco Íris fazem compras em mercado parceiro para montar o kit de cesta básica e itens de higienização. (Foto: Reprodução/Facebook)

Grupo Arco-Íris

Diretor cultural do Grupo Arco-Íris, Pedro Lopes também se preocupou com a situação dos trabalhadores informais que ficaram desamparados na pandemia. “Montamos um cadastro online para pessoas vulneráveis que estão precisando de ajuda neste momento, e tivemos mais de 500 respostas em três dias”, enumera o diretor. O grupo conseguiu ainda auxílio de alguns supermercados, que agora são pontos de distribuição das cestas básicas, o que facilita a logística da entrega dos mantimentos, tanto para quem doa como para quem recebe. “Como sou um dos mais jovens, tenho participado das entregas, que são realizadas por zonas da cidade. Os outros diretores, que são mais velhos, estão trabalhando apenas remotamente, já que fazem parte do grupo de risco”, conta Pedro.

A sede, localizada na Lapa, região central do Rio, está fechada por tempo indeterminado. Assim, os testes de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) que eram feitos lá foram interrompidos, bem como o atendimento presencial. “Nós temos um corpo de profissionais da saúde, mas agora a prioridade é que esses profissionais fiquem nos hospitais. O serviço de acompanhamento psicológico, que conta com 20 profissionais da saúde mental, agora é feito todo online”, explica o diretor.

ONG Ecomoda faz parceria com Grupo Arco Íris para a confecção de máscaras durante a pandemia. (Foto Reprodução/Facebook)

Grupo Pela Vidda

Outra organização que segue atuando pela saúde sexual e mental da comunidade LGBT+ é o Grupo Pela Vidda, que tem foco em pessoas que vivem com HIV/Aids. Um dos principais trabalhos da entidade é divulgar informações e oferecer o teste rápido de HIV de maneira gratuita em bancas montadas na rua, com garantia do sigilo. Com a pandemia, a atividade foi interrompida e a sede está funcionando em regime de plantão.

“Espero que o coronavírus faça a sociedade mudar. Nós, LGBQTIA+, já sofremos desde a década de 80 com a epidemia de HIV/Aids, e tivemos que nos organizar porque a sociedade nos deixou para morrer

Indianare Siqueira
Fundadora da Casa Nem

“Eu sou morador de Duque de Caxias, e por aqui a gente não tem esse tipo de informação. É muito raro você encontrar isso na Baixada Fluminense”, relata Igor Cunha, homem gay que recebeu o acolhimento do Grupo Pela Vidda após testar positivo para o HIV. “Quando recebi o resultado do teste, fiquei em negação. Passei a conhecer a ONG a partir do contato com uma psicóloga e conheci um outro universo, o de conviver com HIV, e não achar que minha vida tinha acabado. O Grupo Pela Vidda me deu todo o suporte para que eu me tornasse quem sou hoje”, afirma Igor, que passou a ser voluntário do grupo. Enquanto esteve desempregado, o auxílio de custo disponibilizado pela ONG foi sua única fonte de renda. “Pude ter outras visões de mundo, e isso me engrandeceu muito como ser humano”.

Desde o início de junho, o Grupo está realizando a entrega de 500 cestas básicas para as populações mais vulneráveis na Zona Oeste do Rio, Baixada Fluminense, Itaguaí e Niterói. A ação é feita por uma equipe de educadores voluntários. Neste domingo, 28, será feita a distribuição de alimentos para a população em situação de rua de Copacabana, na zona sul da cidade, além de ações educativas de prevenção à Covid-19 e ao HIV. “Nosso trabalho envolve acolhimento da população vulnerável e tem sido feito com a parceria fundamental das lideranças comunitárias, que fazem o cadastro das pessoas em vulnerabilidade. Com apoio do projeto do Grupo Pela Vidda-RJ é possível fornecer essa ajuda emergencial face à covid-19”, explica Maria Eduarda Aguiar, presidente do GPV-RJ.

Sede do Grupo Pela Vidda, na Lapa, funciona em regime de plantão e recebe doações. (Foto: Reprodução/Facebook)

As dificuldades geradas pela Covid-19 não são exclusivas da população LGBTI+, mas a comunidade, que já se organizava fortemente por meio de grupos de apoio antes da pandemia, apresenta agora uma efetiva rede aos membros que precisam de ajuda neste momento. Segundo Indianare, esse é o legado que ela espere que fique para toda a sociedade: “Espero que o coronavírus faça a sociedade mudar. Nós, LGBQTIA+, já sofremos desde a década de 80 com a epidemia de HIV/Aids, e tivemos que nos organizar porque a sociedade nos deixou para morrer”.

Todas as organizações citadas na matéria mantêm vaquinhas online e precisam de doação para manter suas atividades, não só durante o período de isolamento social. Informações para doação podem ser obtidas nestes links: Casa NemGrupo Arco ÍrisPela Vidda.

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