Por Patricia Faermann, Jornal GGN –
Empresa lesada, a Petrobras, que deveria ficar com 100% dos ressarcimentos, segundo determinação do STF, recebeu menos de 50%
Jornal GGN – A ideia de absorver para o Ministério Público Federal (MPF) e para a equipe da Operação Lava Jato 20% do montante desviado e repatriado por Paulo Roberto Costa foi de um dos procuradores que comandam as investigações, Carlos Fernando dos Santos Lima. Como se a entidade fosse uma extensão da comarca do Paraná, o destinatário neste caso de R$ 15,8 milhões era expressamente a conta da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, comandada por Sergio Moro.
Como a novidade – de se destinar montantes de apenados aos órgãos de investigação que geraram a punição – não está prevista na Constituição, foi preciso um pedido da equipe da Lava Jato ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a petição não partiu de Carlos Fernando ou de Sergio Moro – e sim do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A resposta da Suprema Corte foi um não do ministro relator da Lava Jato, Teori Zavascki. Na decisão, afirmou que “não há justificativa legal para limitar a 80% (oitenta por cento) desse valor a reparação devida à Petrobras”, que foi a empresa lesada. Determinou que 100% dos recursos desviados da Petrobras deveriam ser retornados para a estatal.
Zavascki relata no documento que Janot pediu a restituição à Petrobras de 80% dos R$ 79 milhões repatriados do ex-diretor da estatal. “Quanto aos 20% remanescentes, a Procuradoria-Geral da República requer sejam destinados conforme previsto no artigo 7º, § 1º, da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro)”, solicitou o PGR.
Naquele pedido, Rodrigo Janot assumiu a “falta de disposição expressa na Lei 12.850/2013 sobre o destino dos valores repatriados em função de acordo de colaboração premiada”. Por essa brecha na lei, que o caso específico da recuperação de milhões não se trata de “confisco”, porque as sentenças ainda não foram concluídas, os procuradores queriam, ainda assim, parte dessa quantia.
Janot justificou que o Supremo, apesar de não ter confirmado as condenações de Sergio Moro, configurando o “trânsito em julgado”, homologou o acordo de delação premiada de Paulo Roberto Costa e, assim, “o valor que se encontrava no exterior já foi entregue, voluntariamente e definitivamente, pelo colaborador ao Estado brasileiro”. Para ele, isso por si só já “torna definitiva a incorporação da quantia ao erário federal”.
Zavascki lembrou que o Código Penal estabelece que, uma vez condenado, a multa ou quantidades ressarcidas são destinadas à União, mas “ressalvado o direito do lesado”. O lesado, no caso desses crimes da Lava Jato, foi a Petrobras.
“É certo que, como a Petrobras é o sujeito passivo dos crimes em tese perpetrados por Paulo Roberto Costa e pela suposta organização criminosa que integrava, o produto do crime repatriado deve ser direcionado à Sociedade de Economia Mista lesada, para a restituição dos prejuízos sofridos”, disse o ministro. E foi além:
Ainda naquela decisão, o ministro do STF destacou que a estatal é “sociedade de economia mista” e “seu patrimônio não se comunica com o da União”. O Estado Brasileiro, assim, seria afetado apenas “indiretamente” pelos danos causados à empresa, uma vez que o montante já é “evidentemente insuficiente para reparar os danos” sofridos pela própria Petrobras.
Assinado no dia 16 de junho deste ano, a determinação não foi obedecida pela equipe da Lava Jato. Especificamente neste caso do desvio de Paulo Roberto Costa, sim. Mas o pedido da PGR voltou-se contra a própria força-tarefa, diante das medidas já tomadas anteriormente. Isso porque os procuradores incluiram em todos os acordos de leniência que estão negociando com empresas uma cláusula que determina o repasse de até 20% do valor das multas aos investigadores.
Reportagem deste domingo (26) da Folha de S. Paulo apurou que os acordos de leniência da Andrade Gutierrez e da Camargo Corrêa, multadas em R$ 1 bilhão e R$ 700 milhões, consecutivamente, determinam 10% para a equipe de procuradores de Sergio Moro. Isso significa uma arrecadação de R$ 170 milhões à equipe da Lava Jato.
Em resposta, o procurador Carlos Fernando dos Santos disse que a equipe definiu um “critério” próprio para determinar quanto receberia. “Definimos duas alíquotas, uma de 10% para acordos maiores e [outra de] 20% para acordos de menor valor. Não existe obviamente nenhum fundamento científico nisso, mas se trata da construção de uma prática do direito sancionador negocial”, assumiu.
Na resposta, o procurador da Lava Jato calculou uma estimativa de angariar mais de R$ 300 milhões dos acordos de leniência.
Ao ser questionado sobre a determinação do ministro do STF, Carlos Fernando respondeu que é preciso “insistir”. “Os órgãos de persecução se beneficiariam muito do aporte de recursos para a aquisição de equipamentos e softwares sofisticados, essenciais em investigações modernas e eficientes”, disse.
Opondo-se a uma determinação da Corte máxima do Brasil, a ideia defendida pelos procuradores da Lava Jato do Paraná e pelo procurador-geral da República não é consenso em todo o MPF.
Em decisão de 2008, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) entendeu que a destinação de montantes de acordos judiciais a órgãos de investigação configura uma afronta ao princípio da impessoalidade e pode gerar dúvidas sobre a atuação dos procuradores e delegados, diante dos resultados buscados, durante a apuração.
Contrariando o posicionamento defendido, naquele ano de 2008, pelo CNMP e o despacho recente de Zavascki ao caso específico e atual dos trabalhos da Lava Jato, Carlos Fernando admitiu que a equipe já recebeu “algo em torno de R$ 342 milhões” dos acordos fechados até agora. Mas que “sempre é bom observar que já foram devolvidos para a Petrobras cerca de R$ 159 milhões deste valor”.
Pelos cálculos, a empresa lesada Petrobras, como apontou Teori Zavascki, que deveria receber 100% dos ressarcimentos, ficou apenas com 46% da quantia total dos acordos de leniência.
Abaixo, a decisão do ministro do STF ao pedido de Janot: