Conversa sobre a velhice

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Se as coisas são inatingíveis ora,/ Não é motivo para não querê-las/ Que tristes os caminhos se não fora/ a mágica presença das estrelas

Quintana, Mário – Das Utopias, in Espelho Mágico




Por Alcir Santos, compartilhado de Revista Nova Família

À vida! Que ela é bonita, é bonita, é bonita! Foto: #GazetaViews

Agora, falemos de #sexo

Como em todas as outras idades este é um tema nebuloso, cercado de preconceitos, meias-verdades ou totais mentiras, além, óbvio, da forte influência da cultura judaico-cristã com seus instrumentos de coação e dominação, culpa e o pecado, a inibir a libido e o desejo. O já longo caminhar da espécie humana trouxe o prolongamento da vida. Lamentavelmente não fez mudanças palpáveis no comportamento do homem, do macho.

No #Brasil, sobrevive em todas as faixas etárias, independente do nível socioeconômico, o machismo exacerbado. A mulher ainda é vista, com as honrosas exceções de praxe, como propriedade do homem, destinada basicamente a procriar e satisfazer o seu companheiro.

Na década de 60 do século passado, a pílula decretou a “Revolução Feminina

Deflagrara-se uma ampla e inimaginável mudança de comportamento. Pela primeira vez na história do mundo ocidental, dissociou-se a ideia de sexo da de procriação. A ideia agora era outra: o sexo relacionava-se ao prazer. Em tese, a mulher poderia se manter sexualmente ativa – e satisfeita – até bem depois dos oitenta. Em tese.

Graças ao arsenal de medicamentos, cirurgias e técnicas rejuvenescedoras, mulheres na faixa dos setenta, primeira geração pós-pílula, estariam a praticar sexo pela alegria de viver. Isso é o que se infere de matérias na imprensa e de publicações ditas especializadas. Na prática, a teoria é outra coisa.

Um bom número de mulheres continua, como no passado, abdicando da vida sexual ativa assim que nasce o primeiro neto ou quando se vai a menstruação. Por incrível que possa parecer, permanecem válidas as mesmas “senhas” do passado usadas para recusarem os companheiros, mas talvez com uma diferença.

No passado, era muito difícil recusar sexo ao parceiro, esquivando-se da sensaboria e também de reiterados estupros. Agora, já não tanto assim. Neste ponto, a mulher teria se liberado. De qualquer forma…

Onde foram parar as sonhadas e decantadas relações prazerosas na velhice da nova era?

Complicado. Num tempo em que os velhos teriam todas as facilidades e possibilidades para fazer da atividade sexual uma festa, repetem-se os comportamentos e atitudes do passado.

Sexo é uma necessidade primária dos humanos e pode ser efetivado por uma miríade de formas e meios. Verdade.

Cabe a cada um escolher a que melhor lhe convém. Não se olvide que sobre os velhos pesa, sempre, a possibilidade de que cada vez possa ser a última. Portanto, é importante valorizar cada nova oportunidade.

Fechemos esta conversa

Decididamente não é fácil ser velho nos dias de hoje. As dificuldades estão por todo lado.

Um estudo recente sobre a sexualidade na velhice mostrou algumas informações ponderáveis. Por exemplo, as mulheres que vivem em média mais que os homens acabam ficando sem opções de parceiros. Outra constatação é que geralmente os asilos/casas de repouso, apoiados pelas famílias, simplesmente emasculam os velhos.

Estabelecem que, se já não têm parceiros, não devem ter mais qualquer prática de sexo. Daí a razão dos quartos coletivos e da quase inexistente atividade social.

Visitar um local desses, pelo menos aqui em #Salvador, é terrível. Os velhos ou estão deitados em suas camas ou sentados, abúlicos, em torno de um televisor.

O pior vem agora

Em países como os europeus e os #EstadosUnidos, algumas instituições da espécie, de nível socioeconômico mais elevado, inovaram. Primeiro, colocaram os internos em quartos individuais; segundo, estimularam atividades sociais e recreativas, abrindo espaço para a integração saudável entre os internos, independente do sexo. Depois de um tempo, surgiram, inevitavelmente, os namoros e relacionamentos mais íntimos.

Os técnicos e dirigentes comemoraram, especialmente porque o nível de sanidade e de harmonia se elevou sensivelmente. Quando, felizes e vitoriosos, contaram aos filhos e parentes daqueles velhos, foram surpreendidos pela reação: muitos deles retiraram “seus” velhos daquelas casas. Dizer o quê?

Tais fatos não devem nos assustar. Sempre é possível uma melhor qualidade de vida. Cada caso é um caso. O velho não só pode como deve ter uma inexcedível alegria e viver. Já não sofre pelo futuro.

Cada dia é uma festa a ser vivida na sua inteireza

Amanhã é apenas uma possibilidade. Por isso, importa se dedicar por inteiro a cada momento vivido, sentindo o pulsar de cada músculo, o fulgor de um olhar, o valor de um gesto, a intensidade das sensações transmitidas pelo corpo, buscando o máximo de prazer.

O amor precisa ser exercitado com vagar; os sentidos concentrados nas reações do parceiro; os dois de passo acertado na busca do mesmo objetivo. A pressa não leva à perfeição e não se chega sozinho a bom termo.

A velhice bem exercitada traz consigo a #tolerância, rara virtude que enseja olhar os acertos e erros em volta, as agressões e tragédias do dia-a-dia com uma certa complacência e tranquilidade. Brigar, só se for por uma grande razão. E já não existem
grandes razões por aí.

Ser velho é ser brincalhão, curioso, perspicaz, estudioso. É preciso aprender mais e mais para fazer fermentar a massa crítica formada em anos e anos de acúmulo de informações. Por isso, cada conversa, cada viagem, cada filme, cada livro, cada peça, cada restaurante, cada espetáculo, até mesmo a visita ao médico, são sempre uma oportunidade única de celebrar a vida.

Os limites ficam por conta do corpo

É preciso respeitá-lo, conhecer seus limites. Cérebro e corpo nem sempre trabalham em sintonia. Irrequieto, trêfego, o cérebro se mete a dar ordens que o corpo já não pode obedecer.

O segredo está em seguir o que o corpo manda. De certo, somente o nascimento e o seu consectário, a morte. A vida é somente uma taça de néctar.

Que cada um saiba escolher a melhor forma de degustá-lo e celebrar cada uma das gotas sorvidas…

Alcir Santos é aposentado e leitor compulsivo. Coisa ele diz: “ex um bocado de coisa”, de office-boy, bancário, professor de História e Direito Civil e Prática Forente a juiz. Colunista da Revista Nova Família

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