Por Vitor Sorano – iG São Paulo
Fernando Maruyama, que trabalha na secretaria paulista de Logística e Transportes de SP, é integrante do conselho administrativo da Mult Service, segundo Junta Comercial
O PSDB tem recorrido a uma cooperativa ligada a um funcionário do governo de São Paulo – comandado pelo partido há 20 anos – para contratar militantes para campanha à reeleição do governador Geraldo Alckmin. Os tucanos Aécio Neves, que concorre à Presidência da República, e José Serra, candidato ao Senado no Estado paulista, também utilizaram os serviços da empresa.
A Mult Service Cooperativa de Trabalho da Infraestrutura Empresarial recebeu, até o início de setembro deste ano, R$ 441.106,40 das campanhas de Alckmin, Aécio e Serra – todos do PSDB. O candidato ao Senado por São Paulo Gilberto Kassab (PSD), que foi vice de Serra na Prefeitura de São Paulo e também prefeito paulistano, pagou R$ 291.051,51. Os valores, que totalizam R$ 732.157,91, foram declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A cooperativa foi criada em 2009, tendo Fernando Hiromiti Maruyama como um de seus integrantes. Naquele ano, Maruyama era assessor técnico de gabinete da Secretaria de Relações Institucionais do governo paulista, que era comandado então por Serra. Em 2010, o funcionário se demitiu do órgão do governo paulista.
Atualmente, Maruyama é assessor do gabinete da Secretaria de Logística e Transportes, sob o comando do secretário Clodoaldo Pelissioni.
Julho: Até agora campanha presidencial já prevê gastos de R$ 568,4 milhões
Sem saber que falava com a reportagem, uma funcionária do gabinete da secretaria Estadual de Logística e Transportes confirmou na última quinta-feira (11) que Maruyama é funcionário do órgão. “Hoje [quinta] ele está aqui. Mas se você vier amanhã ou depois, ele não vai estar porque vai viajar com o secretário e o governador”, explicou a servidora.
Por meio de nota, Maruyama afirmou que ingressou na cooperativa em 2009, quando este ocupava um cargo no governo Serra. Segundo ele, a posição na Mult Service – 3º suplente do Conselho de Administração – não tinha fins lucrativos, não resultando em pagamentos pelos serviços prestados a entidade, consequentemente.
Desafio iG: Assista ao debate sobre financiamento público de campanha
O funcionário diz ter deixado o quadro societário da cooperativa em março de 2012 – seu mandato expirava em 14 de setembro daquele ano. Ele apresentou ata de uma assembleia de 30 de junho último, que teria sido enviada à Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), na qual ele não aparece mais como membro do conselho de administração.
A Jucesp, entretanto, aponta que Maruayama ainda é integrante do conselho administrativo da cooperativa, órgão que tem responsabilidade sobre “todo e qualquer assunto de ordem econômica” da entidade, como consta na ficha cadastral da Mult Service.
Apresentado como atual presidente da Mult Service, Walter Mathias garante que a relação de Maruyama com a cooperativa não tem influência nos contratos firmados com o PSDB.
Cenário: Financiamento privado de campanha acirra ânimos entre STF e Congresso
“Somos amigos desde 2009. Em 2009, nem tinha campanha. Então nada a ver uma coisa com a outra. Inclusive não tem nada a ver os contratos. Inclusive se o PSDB contrata a gente hoje é pelo trabalho que nós realizamos em 2010, em 2012. Eles procuram a gente. A gente não precisa procurar eles”, justifica Mathias.
Consultada, a Procuradoria Regional do Trabalho de São Paulo considera que, em tese, a cooperativa está irregularmente intermediando mão de obra. Por outro lado, advogados eleitorais ouvidos pela reportagem dizem que contratação de serviços de pessoas que trabalhem ou tenham trabalhado no governo não é ilegal.
PSDB representa 96% do faturamento
A Mult Service prestou serviços nas três eleições que ocorreram desde que foi criada. Entre 2010 e 2012, a cooperativa recebeu R$ 14,5 milhões de campanhas eleitorais do PSDB e, em menor escala, do PV. Os dados incluem pagamentos via contas de candidatos e de comitês de candidaturas que, segundo o TSE, são independentes.
O PSDB é o seu principal cliente da Mult Service, tendo pago 96% dos valores recebidos pela empresa e declarados ao Tribunal Superior Eleitoral entre 2010 e 2012. Mas não é o único.
Em 2010, a Mult Service recebeu R$ 4,3 milhões da campanha de Serra (PSDB), então candidato à Presidência da República. Outros R$ 561,7 mil foram pagos pela campanha de Marina Silva (então no PV, hoje no PSB), adversária do tucano na ocasião.
No mesmo ano, a cooperativa também foi contratada pelas campanhas de Alckmin ao governo do Estado, ao custo de R$ 1,52 milhão – e pelo atual prefeito de Santos e então candidato a deputado estadual Paulo Alexandre Pereira Barbosa (PSDB) por R$ 83,1 mil.
Em 2012, a equipe de Serra voltou a contratar a Mult Service, desta vez para a campanha do tucano à prefeitura de São Paulo. Na ocasião, segundo o TSE, a cooperativa recebeu R$ 7,5 milhões do candidato do PSDB.
Cooperativa presta serviço de militância
Falando como um desempregado em busca de uma oportunidade de emprego, a reportagem procurou a Mult Service na semana passada. Ao ser abordado, um funcionário da cooperativa disse que consultaria uma representante do PSDB para saber se havia uma vaga, adiantando que o salário era de R$ 950 por mês, com seis horas por dia de trabalho, em seis dias por semana.
Perguntado se seria firmado um contrato, o funcionário respondeu: “Lógico, [é feita uma] ficha de matrícula, tira foto e tudo aqui. Você preenche todos os dados, vincula o cartãozinho [para fazer os pagamentos] ao seu CPF, a gente recolhe INSS e tudo”, afirmou. “O contrato é assim, acabou a campanha, se tem segundo turno e você quer continuar, você continua. Acabou a campanha acabou o contrato. É temporário mesmo, é um período curto”, completou o representante da Mult Service.
Advogada trabalhista da Mult Service, Juliana Cajano, contradiz o funcionário. Ela afirma que quem presta serviço por meio da entidade sempre é cooperado, e que este pode seguir filiado à entidade após o fim da campanha eleitoral.
“Eu não tenho quase nenhuma desistência de adesão. Muito pelo contrário, eu tenho mais de seis mil associados à cooperativa”, contabiliza a advogada. “A gente tem uma farta documentação que a gente junta explicando que vários cooperados recebem as sobras e, inclusive, trabalham em outras campanhas.”
Na interpretação do procurador do Trabalho Charles Lustosa Silvestre, ainda em tese, a atividade da cooperativa é irregular. Para ele, os funcionários de campanha deveriam ser contratados diretamente pela campanha.
“Nessa situação, poderia haver um contrato de prestação de serviço ou um contrato temporário de trabalho [com a campanha]”, avalia Silvestre. “[O uso do modelo de] cooperativa está errado em qualquer hipótese”, prossegue.
Abril: Grupo de deputados tenta dar sobrevida a doações privadas de campanha
O presidente da Mult Service argumenta que a contratação de uma cooperativa facilita o trabalho de contabilidade dos candidatos, além de ser mais barato, já que não tem encargos trabalhistas como 13º salário.
“Qual a proposta de contratar cooperativa? A vantagem dele [candidato] é justamente no lançamento. Simplifica. Em vez de fazer mil lançamentos, ele faz um, uma nota fiscal”, responde Mathias. “A pessoa tira foto, a pessoa participa, a pessoa entende, é explicado para elas como funciona, é tudo feito às claras. E para eles [candidatos] é uma vantagem”, completa ele.
De acordo com o advogado José Augusto Rodrigues Jr., “cooperativas de multisserviço não são bem vistas na Justiça do Trabalho.”
“A intenção cooperativista é quando todos se unem para um objetivo comum”, esclarece Rodrigues Jr., lembrando que sobre as cooperativas incidem menos impostos. “Os encargos são bem menores.”
Mathias, da Mult Service, ressalta que paga diversos benefícios, como seguro de vida, mas reconhece que o contrato de trabalho convencional tem mais vantagens do que o modelo de cooperativa.
“Se fosse [CLT] teria 13º, férias, tudo coisa uma cooperativa não tem. É um privilégio, são todos benefícios que não tem como arcar. Mesmo porque você depende do tomador fazer o pagamento. E por que eles contratam a cooperativa? Porque o custo é menor. Eu acho que a CLT tem muito mais vantagem. Só que não tem esse perfil de trabalho para todo mundo”, admite Mathias.
A Prefeitura de Santos informa que as contas de Paulo Alexandre Barbosa foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. Já o PV diz ter dado a Marina Silva, então candidata pelo partido “toda a liberdade de montar a equipe de campanha e fazer as contratações que melhor desejasse para executar o plano de campanha.”
As campanhas de Geraldo Alckmin, José Serra, Marina Silva, Gilberto Kassab e Aécio Neves não se pronunciaram até a conclusão desta reportagem.