Declarações, que tiveram adesão do Brasil, foram puxadas por países ricos e garantem sucesso mínimo da Conferência do Clima de Glasgow
Por Observatório do Clima, compartilhado de Projeto Colabora
- Na foto: O primeiro-ministro britânico Boris Johnson e os presidentes do Congo, Felix Tshisekedi, e dos EUA, Joe Biden, na COP26: acordos para reduzir desmatamento e emissões de metano (Foto: Erin Schaff /Pool / AFP)
(Felipe Werneck* – Glasgow) – Enquanto não apresentam metas de corte de emissões compatíveis com o Acordo de Paris, líderes de mais de uma centena de países assinaram nesta terça-feira (2/11) na COP26, em Glasgow, documentos em que se comprometem a deter a derrubada de florestas e a reduzir em 30% as emissões de metano até 2030.
Os dois documentos, liderados por países desenvolvidos e com grande adesão de países em desenvolvimento – inclusive o Brasil, que assinou ambos – foram fechados no último dia da cúpula de líderes, o segmento inicial da COP para chefes de Estado, que começou no dia 1o com discursos de Boris Johnson, Joe Biden, Angela Merkel e da jovem brasileira Txai Suruí.
Eles garantem de antemão uma espécie de taxa mínima de sucesso em Glasgow: mesmo que as negociações nos próximos dias fracassem, o anfitrião, o Reino Unido, e os EUA, que enfrentam dificuldades no Congresso para aprovar o plano de energia renovável de Biden, poderão dizer que fizeram alguma coisa contra a mudança do clima.
Tanto a eliminação do desmatamento quanto aa redução das emissões de metano são jeitos relativamente rápidos e baratos de cortar emissões e ganhar algum tempo para a humanidade cumprir a meta do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5oC. Estima-se que o corte das emissões de metano (produzido pela agropecuária, pelo manejo de lixo e pela produção de combustíveis fósseis) possa evitar 0,2oC de aquecimento até 2050. Apesar de ser emitido em quantidades muito menores que o CO2, o metano é 28 vezes mais potente que o gás carbônico para esquentar o planeta.
Desde o governo de George W. Bush os Estados Unidos tentam costurar um acordo para reduzir as emissões de metano e de outros poluentes de vida curta, como a fuligem (o chamado carbono negro). São reduções que requerem tecnologia já existente, em grande parte a ser aplicada em países em desenvolvimento, e que não abalam a economia fóssil americana. No atual cenário de emissões e de ambição insuficiente, porém, qualquer ajuda é preciosa.
O Brasil tem no metano uma fonte expressiva de emissões, principalmente nos setores de agropecuária (que respondeu por mais de 70% do metano despejado na atmosfera em 2020) e resíduos. Somente as emissões de metano do rebanho por fermentação entérica (o chamado “arroto” do boi) representaram 17% de todos os gases-estufa do país em 2020.
A Declaração sobre Florestas, que deverá vir acompanhada de um fundo de US$ 12 bilhões, é o terceiro documento do tipo produzido desde a Rio92. Em 2014, em Nova York, dezenas de países assinaram uma declaração prometendo cortar o desmatamento pela metade até 2020 e eliminá-lo em 2030. O Brasil jamais subscreveu o texto. O documento de Glasgow mantém esse prazo e conta com a adesão de 105 signatários, que concentram cerca de 86% das florestas do planeta.
Desta vez o Brasil assinou, mas em franca contradição com os atos do próprio país. Na véspera, o governo havia publicado no site do Ministério do Meio Ambiente um documento no qual oficializa a meta de terminar o mandato de Jair Bolsonaro, em 2022, com o desmatamento na Amazônia 16% maior do que em 2018, ano em que o ex-militar foi eleito.
O Brasil, que abriga a maior floresta tropical do mundo, não é citado na divulgação do acordo. Já o Congo deverá receber um fundo específico de US$ 1,5 bilhão para suas florestas baseado no Fundo Amazônia, que o governo Bolsonaro paralisou em 2019.
Acesso negado
Com o caos na organização da COP26 em plena pandemia de Covid19, o primeiro “prêmio” de “Fóssil do Dia” da COP26 foi para a presidência do Reino Unido e o secretariado da Convenção do Clima da ONU.
A promessa do Reino Unido era fazer a COP “mais inclusiva de todas”. Mas a realidade é de observadores barrados, filas enormes na entrada, com todos aglomerados, sem chance de distanciamento, e ameaça de censura para fotos. É só alguém sacar um celular nessas filas que os seguranças imediatamente gritam: “sem foto!” No entorno do pavilhão, o tom ameaçador de seguranças é o mesmo.
Durante o encontro de líderes, na segunda e na terça-feira, observadores da sociedade civil foram impedidos de acessar o setor de negociações da COP, que representa cerca de metade do espaço da conferência. A distribuição de um ticket para entrada tornou o acesso apenas simbólico. A Climate Action Network, a maior rede de ONGs pelo clima do mundo, com mais de 1.500 entidades, recebeu apenas dois tickets para acompanhar várias negociações simultâneas. Além de não poder acompanhar as negociações presencialmente, observadores também não conseguiam fazer isso online: a plataforma não permitiu acesso às sessões em vários momentos.
“Esperamos que este Fóssil do Dia inaugural sirva de alerta. A sociedade civil deve ser tratada como um parceiro com igualdade de acesso – todos nós temos o mesmo objetivo de evitar o colapso do clima”, escreveu a CAN, que havia proposto o adiamento da COP26 justamente por achar que ela não seria inclusiva. “Estamos assistindo e não vamos ficar na fila.”
Em comunicado oficial divulgado após a “premiação” da CAN, o secretariado da Convenção do Clima da ONU informou que “gostaria de pedir desculpas pelos inconvenientes associados ao acesso” e que “inevitáveis medidas de segurança aumentaram as pressões logísticas” durante a cúpula de líderes. “Também entendemos que os participantes tiveram dificuldades para acessar a plataforma da COP26”, que foi classificada como “complexa”.
A quem reclamou das longas horas de espera sob o frio e a chuva célebres da Escócia, os organizadores mandaram dois recados à la Maria Antonieta, aquela que mandava os famintos comerem brioches: “Cheguem antes” e “venham com roupas adequadas”. O popular “se vira aí”.
*Felipe Werneck é jornalista, com especialização em meio ambiente pela COPPE/UFRJ, editor do Fakebook.eco e acompanha a COP26 pelo Observatório do Clima