Para Todd Stern, negociador americano que fechou Acordo de Paris, falta espírito de parceria para resolver financiamento
Por Giovana Girardi, compartilhado de A Pública
BAKU – O veterano negociador climático norte-americano Todd Stern precisou recorrer à Copa do Mundo no Brasil para contornar um momento em que nossas relações com os Estados Unidos estavam abaladas. Logo após ter vindo à tona a informação de que a Agência de Segurança Nacional (NSA) havia grampeado os telefones da presidente Dilma Rousseff, em setembro de 2013, a comunicação entre os dois países cessou.
Mas Stern, que na época era o enviado especial para o clima dos EUA, queria conversar com o então ministro das Relações Exteriores Luiz Figueiredo Machado sobre a Conferência do Clima da ONU que aconteceria no final de 2014 em Lima, no Peru. Era um momento importante para tentar começar a estabelecer acordos visando à conferência do ano seguinte, a COP de Paris. Os emails enviados, porém, não eram respondidos, apesar de os dois terem laços de amizade.
Até que Todd Stern teve uma ideia. “Enviei um email para Luiz dizendo que eu estava indo ao Brasil para a Copa do Mundo, então talvez nós pudéssemos nos encontrar socialmente enquanto eu estivesse lá. Ele respondeu em minutos e então organizou um jantar na casa de Antonio [embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, na época o chefe dos negociadores brasileiros nas COPs do clima]”, escreve ele.
A conversa versou sobre as negociações climáticas e, claro, sobre futebol. Ali, sob essas “circunstâncias estranhas”, como ele mesmo descreve, foram discutidas preocupações sobre as metas climáticas de cada país – pontos que seriam chave para que se chegasse, em 2015, ao histórico Acordo de Paris.
Essa história está descrita no recém-lançado livro Landing the Paris Agreement (em tradução livre, algo como Conquistando o Acordo de Paris), ainda não disponível em português. Na obra, Todd Stern descreve todo o processo de negociação, cheio de altos e baixos e momentos às vezes dramáticos, para que o mundo conseguisse chegar ao acordo que, pela primeira vez, estabeleceu esforços conjuntos de todos os países – desenvolvidos e em desenvolvimento – para combater a crise climática. É a base de tudo o que se discute nas conferências do clima desde então.
Mas agora, nove anos depois, os mesmos países que conseguiram um consenso inédito em Paris se veem diante de um impasse para resolver um dos instrumentos, propostos pelo acordo, que é essencial para que as metas climáticas possam ir para a frente: o financiamento.
Em Baku, capital do Azerbaijão, onde é realizada a 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), Stern, que não atua mais diretamente na delegação americana, conversou com a Agência Pública. Ele explicou como um combinado de condições muito especiais – não apenas geopolíticas, mas também de disposição e otimismo das nações – que permitiram o estabelecimento do Acordo de Paris, hoje não estão mais presentes, o que traz desafios extras para a manutenção do regime climático.
A começar pelo retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, que já disse que vai novamente retirar os EUA do Acordo de Paris, o que afetou os ânimos de todo mundo no início da conferência.
Confira a seguir a entrevista:
Seu livro traz um panorama muito interessante sobre como o Acordo de Paris foi um processo construído ao longo de negociações que vinham acontecendo meses, anos antes, mas também havia um momento propício para que ele fosse alcançado. Havia uma sensação de otimismo no ar em Paris. Quão diferente você acha que é o momento atual comparado ao de nove anos atrás?
Paris tinha de fato um senso de otimismo muito único porque a gente estava trabalhando naquilo havia quatro anos. E houve um impulso importante criado pelo anúncio conjunto do presidente [americano Barack] Obama com o presidente chinês Xi [Jinping] em 12 de novembro de 2014 – cerca de um ano antes de Paris. Esse anúncio conjunto foi fundamental porque reuniu os dois países líderes – os dois gorilas de 400 quilos, como às vezes dizemos – do mundo desenvolvido e do mundo em desenvolvimento. Caminhando juntos para dizer o que fariam para realmente reduzir emissões e trabalhar para desbloquear obstáculos. Eles entraram realmente no jogo. E o fato de ter sido negociado em segredo, ao longo de dez meses, trouxe um elemento-surpresa que trouxe ainda mais impacto. Ninguém na imprensa sabia, então foi uma notícia eletrizante. Depois disso, acho que mesmo os países que estavam sendo mais negativos passaram a acreditar que [um acordo] ia ser fechado.
Os países vinham querendo um acordo mais operacional fazia muitos anos e tinha sido um fracasso atrás do outro, mas algum progresso tinha sido alcançado, especialmente nas COPs de Lima (2014) e de Varsóvia (2013), antes de Paris. Esses fatores criaram esse senso de otimismo, e os países tiveram tempo para se acostumar com as novas ideias. Foi diferente do que tinha ocorrido na COP de Copenhague, em 2009 [um dos maiores fracassos da história das negociações climáticas]. Uma proposta diferente foi introduzida no fim do processo. Isso gerou muita raiva. Paris foi diferente porque os países já tinham tido tempo de entender qual era a ideia em discussão.
Também foi dada bastante ênfase ao multilateralismo, que é muito importante para os países menores e menos poderosos. É onde eles têm voz. É onde eles podem ser ouvidos. Sem isso, as decisões seriam tomadas só por grandes potências no G20. Então muitos achavam, e eu acho que de modo correto, que, se Paris falhasse, seria devastador e levantaria sérias questões sobre se a UNFCCC [Convenção do Clima da ONU, que gera todo o debate das negociações climáticas] poderia sobreviver. Então acho que todos esses fatores estavam alinhados na direção correta. A gente tinha certeza que ia conseguir um acordo. Só não sabia se seria um bom acordo. Se seria forte e ambicioso o bastante. Se faria o suficiente para termos orgulho daquilo. E, no final, acho que Paris fez aquilo e muito mais.
Aqui em Baku, a impressão que dá é que esse otimismo se perdeu.
Acho que não vamos ter um mau resultado. Acho que é possível ter um resultado decente em NCQG [o chamado novo objetivo coletivo quantificado, a nova meta de financiamento para os países em desenvolvimento fazerem suas ações climáticas]. Mas, obviamente, tem um fator de pano de fundo, não tão fundo assim, que é bastante perturbador para todos os países que é o fato de que os Estados Unidos provavelmente sairão novamente [do Acordo de Paris] por causa de Trump. E isso foi como um soco na cara antes mesmo de a conferência começar. E, mesmo se isso não tivesse acontecido, ainda seria bastante difícil ter um acordo sobre NCQG, porque as divergências entre os países doadores e os países recebedores é muito grande.
Dinheiro sempre foi uma questão importante nessas negociações, mas agora chegou o momento do vai ou racha que pode prejudicar todo o resto se não for resolvido.
De fato é hoje a grande questão. Como fazemos os recursos fluírem do Norte para o Sul de alguma maneira mais próxima do nível que eles precisam para lidar com o problema? Desde Paris, acho que muita coisa boa aconteceu, mas muita coisa ainda não aconteceu. Por um lado, os impactos das mudanças climáticas estão vindo mais rápido e piores do que os cientistas previam. Estamos vendo impactos em todo o mundo na proporção de desastres bíblicos. Por outro, vemos um progresso absolutamente espetacular na transição verde, em tecnologias limpas que estão anos-luz à frente do que os melhores modelos imaginavam que aconteceria com baterias solares e eólicas, por exemplo, assim como nos carros elétricos. E em novas pesquisas que estão tentando desenvolver aço e cimento verdes. É o que precisamos para chegar aonde esperamos estar até 2050. O que torna difícil, não digo impossível, mas difícil de chegar aonde queremos até 2050 é que ainda existem grandes obstáculos, de política econômica, em relação à indústria de combustíveis fósseis. Tanto pelo que eles produzem quanto pela grande influência que eles exercem em grandes e pequenos países em todo o mundo.
Que repercute também na questão do financiamento. Porque principalmente os pequenos países precisam de ajuda para poder se livrar dessa influência.
Não é fácil e eu sinto que há uma grande infelicidade girando em torno de dinheiro. Acho que se esperava que, no rastro de Paris, nós veríamos menos animosidade e muito mais trabalho em conjunto. Eu não esperava que isso fosse acontecer da noite para o dia, mas quase gostaria que as pessoas se sentissem como se houvesse um meteoro indo em direção à Terra e que todos nós temos que trabalhar juntos para pará-lo. E acho que precisamos lidar com essa questão do dinheiro de uma forma eficaz.
Voltando ao Trump. Já vimos isto antes: ele saiu do Acordo de Paris, e o mundo seguiu o rumo da ação climática. Mesmo nos EUA, houve avanço na transição energética. Mas não no ritmo necessário. O momento atual é mais crítico, a temperatura do planeta deve bater novo recorde neste ano. O que o sr. espera da volta dele?
Você está certa. A questão não é só seguir na direção certa – é seguir rápido o suficiente. É uma corrida contra o tempo. Trump teria um impacto, mas o avanço em tecnologia limpa e negócios não vai parar. Por exemplo, as montadoras não vão deixar de fabricar veículos elétricos só porque o Trump não quer. Ele pode achar que [o aquecimento global] não existe, mas existe. E o relógio está correndo. A chance de as empresas fazerem dinheiro [com a transição energética] depende de elas serem rápidas.
E o aumento que Trump quer fazer em investimentos em combustíveis fósseis?
Ele provavelmente vai investir mais em combustíveis fósseis e interferir em algumas políticas, mas iniciativas como o IRA [Lei de Redução da Inflação] já estão em andamento e atraindo investimentos. Ele disse que quer derrubar o IRA, mas acho que não vai conseguir cancelá-lo. Porque o IRA foi muito inteligentemente projetado e já houve centenas de bilhões de dólares em investimentos. A maior parte foi para estados republicanos, que não querem que ninguém tire isso deles. São novas empresas, novos empregos. Ele interferirá em algumas coisas. Mas acho que não será capaz de impedir. Definitivamente não estou dizendo que não importa ou que ele não terá um grande impacto. Ele definitivamente terá. Mas não vai tirar os EUA totalmente do jogo.
No ano que vem o Brasil vai receber a COP30. Em seu livro, o sr. menciona o papel fundamental que negociadores nossos tiveram em outras conferências. Que papel o Brasil pode ter agora?
Os negociadores brasileiros são incrivelmente bons, estão entre os melhores diplomatas que já conheci no mundo. Eles são muito inteligentes, espertos e táticos. E fico muito mais feliz quando estão do mesmo lado que eu do que do lado oposto. Tenho certeza de que o Brasil vai contribuir muito.
Achei engraçado como o sr. usou a Copa do Mundo para falar com eles em 2014.
Tenho que dizer que foi uma ideia brilhante. São meus amigos, mas não podia haver relação com os EUA naquele momento. Então, como não retornavam minhas mensagens, eu enviei uma nota para Figueiredo dizendo: OK, não estou vindo a negócios. Quero ver a Copa do Mundo. Talvez a gente se esbarre por aí. Deu certo.
A repórter viajou a convite do Instituto Arapyaú e do ClimaInfo.