Coragem de Haddad está mudando São Paulo, por Aldo Fornazieri

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Por  para o GGN

Desde Aristóteles, a prudência tornou-se a principal virtude política. Mas antes da prudência, a coragem forjou-se como a primeira virtude do agir em prol da comunidade. Com efeito, a  garantia de segurança foi uma necessidade inicial dos primeiros grupos humanos e continua sendo até hoje. A segurança tornou-se, assim, a primeira razão para a fundação de estruturas coletivas institucionais, projetadas sobre um território e sobre uma comunidade humana. Ao ser percebida como uma necessidade, ela tornou-se também uma finalidade das comunidades gregárias primitivas. A transformação de necessidade em finalidade, de modo geral, é o processo de constituição de praticamente todos os fins e bens públicos.

Prevenir o perigo, estabelecer defesa comum, são medidas de segurança e razão fundacional das cidades por um largo período histórico. Garantir segurança — que quer dizer também garantir a vida, a integridade física e os bens — constitui o primeiro e fundamental bem público. Os homens antigos agregaram-se por necessidade e por interesse, por temor e esperança, e a liderança de um chefe constituiu o ponto de convergência desta agregação. Nos corpos comunitários originários, a direção e o comando, que se traduzem em ordem e sentido, eram exercidos de forma imediata. O primeiro fundamento da organização era natural e empírico: baseava-se na força física e no valor moral da coragem. Foi necessário que um líder dotado de força e coragem se colocasse à frente do grupo,  liderando-o e protegendo-o para que a segurança fosse garantida.




À medida que as sociedades humanas tornaram-se complexas, o comando, para ser exercido, passou a exigir a presença de normas explícitas e de instituições, configurando-se formas de ordenamentos políticos. Neste processo, como é mostrado por Maquiavel, a direção e comando passaram de seu estado físico para uma existência institucional e simbólica. Percebeu-se que a força física não era o único elemento a conferir legitimidade ao comando. A aliança entre sabedoria e justiça, origem da virtude da prudência, passaram a ser exigidas na escolha da liderança. O caráter moral das comunidades foi se tornando explícito. Se o primeiro elemento da moral inerente ao comando foi a coragem exigida do chefe, o segundo, que veio a tornar-se o valor cardeal da atividade da liderança política, foi a prudência.

Platão irá conferir à coragem o status de uma das quatro virtudes cardeais, definindo-a como “opinião reta e conforme à lei sobre o que se deve e sobre o que não se deve temer”. Ao defini-la como “firmeza de propósitos”, Aristóteles a situa como meio termo entre o medo e a temeridade. Cícero conferiu dois atributos principais à coragem: “desprezo pela morte e desprezo pela dor”. Ao notar o caráter primordial da coragem, Aristóteles sustentava que ela “se mostra como a base do desenvolvimento das demais virtudes”. Maquiavel não a confunde com a impetuosidade, mas no famoso capitulo do O Príncipe onde trata da fortuna, sustenta que é melhor que o líder seja ousado. A ousadia não é oposta à prudência. O fato é que para fazer aquilo que deve ser feito e deixar de fazer aquilo que não deve ser feito, que é uma determinação da prudência, é preciso ser corajoso. Somente o líder corajoso, que age com ousada prudência, agirá adequadamente para promover o bem público.

A Coragem de Haddad

A política brasileira, por ter se tornado um negócio no qual prevalece mais os interesses de grupos particulares e de indivíduos, carece de líderes corajosos. Essa política das conveniências, que expressa a falta de coragem, é uma das causas do deserto de novas lideranças no país. É também causa da falta de capacidade inovativa nas ações de governo e da crise da capacidade de governar, entendida como crise de capacidade de resolver os problemas existentes e de antecipar-se ao advento de problemas futuros, com soluções e transformações inovadoras.

O prefeito Fernando Haddad é um dos poucos líderes atuais que foge deste anátema da política como negócio e conveniência, que são também duas funções da corrupção, seja no sentido da malversação dos recursos públicos, seja no sentido da corrupção da personalidade política que perde a autonomia em face da realidade limitante da ação e das decisões que um governante deve adotar. O empenho na aprovação do Plano Diretor, o expurgo da quadrilha que fraudava o ISS e a implantação das ciclovias e das faixas exclusivas para ônibus são exemplos suficientes para mostrar que Haddad está incurso em outro paradigma de governante que “faz aquilo que deve ser feito”, independentemente da mera conveniência pessoal, sem considerar se isto poderá render-lhe uma reeleição e elevar-lhe a popularidade. “Fazer o que deve ser feito” demanda coragem, pois o que está em jogo é um presente e um futuro melhores para a cidade.

Nos primeiros meses de seu governo, Haddad foi tolhido pela tormenta das manifestações de 2013, que derrubaram a popularidade de quase todos os governantes. Na maré baixa de sua avaliação, o prefeito não deixou de adotar medidas estruturantes para o futuro da cidade, mesmo sabendo que elas não lhe trariam saldos imediatos de popularidade. Suportou críticas de aliados e ataques erosivos de setores da imprensa que são contrários a uma São Paulo melhor. Agora começa a colher os primeiros resultados da mudança da opinião pública a seu favor, como mostra a pesquisa do Datafolha.

Muitos se perguntam acerca da razão de implantar 400 km de ciclovias e centenas de quilômetros de faixas exclusivas para ônibus se não existe ainda uma demanda imediata para tudo isto. Tal como a coragem é condição da prudência, a existência das ciclovias e das faixas exclusivas é condição para um transporte melhor, para uma condição de vida melhor e para uma cidade mais humana. Implantá-las representa “fazer aquilo que deve ser feito”. Sem elas, não haverá a criação da cultura do uso da bicicleta e não se buscaria a exigência de ônibus melhores, mais limpos e com redução do tempo de espera para os passageiros.

É um equivoco olhar paras as ciclovias apenas como um sistema alimentador dos demais modais de transporte público. Todas as cidades do mundo precisam de alternativas públicas e privadas ao carro. Em 2013, na Europa foram vendidas mais bicicletas do que carros, num claro sinal de que o automóvel à gasolina começa a se tornar uma tecnologia que vai morrer. O mundo precisa de soluções simples, baratas e não poluentes. Os prejuízos humanos e materiais que a cidade travada por carros provoca são incalculáveis. Muitas pessoas perdem 4 anos de suas vidas no trânsito. São Paulo agora precisa estimular o comércio, a indústria e o setor de serviços a implantar bicicletários e vestiários para os funcionários. Ciclovias, faixas exclusivas, o novo Plano Diretor e o Arco do Futuro são projetos que irão melhorar a vida dos paulistanos, reduzindo as distâncias entre moradia e trabalho, diminuindo a poluição e produzindo ganhos de bem viver.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

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