A soldier holds his gun as he walks along an alley of the Jacarezinho favela in Rio de Janeiro, Brazil, during a pre-dawn crackdown on drug gangs on August 21, 2017. Apu Gomes (Photo credit should read APU GOMES/AFP via Getty Images)
Homem armado caminha na favela do Jacarezinho, Rio. Foto: Apu Gomes/AFP via Getty Images

Uma das mais graves ocorreu na sexta-feira, dia 15, quando a polícia matou 13 pessoas, e moradores foram obrigados a carregar corpos pelas ruas, deixando um rastro de sangue pela comunidade.




Esse cotidiano violento, que antes da pandemia já interrompia aulas, fechava ruas e unidades de saúde e impedia pessoas de executar as tarefas mais simples do dia a dia, agora mostra uma nova face: torna difícil socorrer quem precisa de ajuda durante a crise do coronavírus.

Há um mês, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou a entrega de cestas básicas como uma das medidas para contenção ao coronavírus. Desde a campanha eleitoral Crivella diz que seu objetivo é “cuidar das pessoas”. Mas o prefeito parece não ter pressa. As cestas ainda não chegaram. Com isso, as pessoas têm se virado como podem. Sociedade civil e moradores não esperaram sentados, pois de onde nada se espera é que não sai nada mesmo. Mas há mais barreiras que as naturais.

No fim de semana do Dia das Mães, famílias receberiam cestas básicas distribuídas pela ONG Rio de Paz, mas a organização, que atua no Jacarezinho há mais de uma década, precisou cancelar o auxílio devido a um tiroteio que ocorreu durante uma operação do Bope, que acabou com quatro feridos – dois deles, PMs. A ação humanitária foi retomada somente no fim da tarde.

Em 30 de abril, foi a vez da equipe do “Gabinete de Crise do Alemão” – criado pelos grupos Papo Reto, Mulheres do Alemão e o Voz das Comunidades – ter uma doação impedida à bala por uma ação policialDe acordo com o Raull Santiago, um dos membros do gabinete, que distribui alimentos e produtos de limpeza a 15 favelas que compõem o Complexo, “a polícia achou que era um caminhão roubado, entrou na favela e virou um tiroteio danado”. Cem cestas básicas não puderam ser entregues. Renata Trajano, que estava coordenando as doações, se abrigou na casa de moradores.

Dois dias antes, uma ação truculenta da polícia (e aparentemente injustificável) matou o corretor de imóveis Leandro Rodrigues, de 40 anos. Rodrigues foi assassinado com um tiro de fuzil no dia 28 de abril, em Cordovil, a menos de 10 km do Alemão, após entregar uma cesta básica a um amigo do trabalho, que está passando por dificuldades por causa da pandemia.

E a história piora.

Na delegacia, os depoimentos foram contraditórios. Primeiro, o policial militar Bruno Bahia do Espírito Santo disse que Rodrigues “seria bandido” e que atirou contra a guarnição de dentro do carro. Depois, que saiu do carro e atirou após abordagem. Não foram apresentadas outras vítimas ou pessoas apontadas como comparsas da vítima. A OAB do Rio entrou no caso.

E piora mais.

A família demorou dois dias para ter notícias de Rodrigues. Acharam o carro dele estacionado no pátio da delegacia de homicídios após acessar o GPS do veículo.

Uma reportagem de Rafael Soares na Revista Época fez uma análise de todas as informações disponíveis sobre 195 mortes por intervenção de agentes do estado ocorridas em julho de 2019 — até então, o mês mais letal das últimas duas décadas. Resultado: ao menos 12 casos de mortes cometidas pela polícia do Rio, em um único mês, apresentados à população como “confronto com bandidos”, têm indícios graves de erro policial, em que inocentes foram mortos por engano, ou execução à margem da lei”.

A Defensoria Pública do Rio pediu uma investigação independente sobre as mortes no Alemão. O defensor Daniel Lozoya lembrou que essa não foi a primeira chacina cometida pela polícia ali – e o Brasil já foi condenado internacionalmente por causa disso.

Rodrigues é só mais um confundido com bandido que morreu pelas mãos da polícia. Trajano quase se tornou uma vítima. No Alemão, em meio a uma pandemia, moradores tiveram de carregar mortos à bala.

São muitos casos que fazem da exceção a regra para muita gente. E isso é inadmissível.