Relatório mostra “gestão caótica” e esquema na recuperação de R$ 2,5 bi. “Destinava recursos no Brasil para Petrobras pagar acordos no exterior, que retornariam para a força-tarefa”
POR HENRIQUE RODRIGUES, COMPARTILHADO DA REVISTA FÓRUM
O relatório parcial da Correição realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na 13ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), respectivamente a primeira e segunda instâncias responsáveis pelos processos da operação Lava Jato, obtido com exclusividade pela Fórum, mostram que inúmeras irregularidades foram encontradas nas ações tomadas pelos responsáveis pela famosa investigação que por anos a fio ocupou as manchetes dos jornais no Brasil e no exterior.
Os integrantes do CNJ começam classificando o tratamento dado às questões relacionadas aos R$ 2,5 bilhões de ativos recuperados em acordos de leniência e colaboração envolvendo a Petrobras, firmados pelo Ministério Público Federal, que neste caso era encabeçado pelo então procurador Deltan Dallagnol, e a 13ª Vara Federal de Curitiba, que nos primeiros anos era comandada pelo então juiz Sergio Moro, como “uma gestão caótica”.
“O trabalho correcional encontrou uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ante o expressivo montante dos valores revelados, mostrou-se necessário à Corregedoria Nacional que fosse averiguada a efetividade do gerenciamento dos recebidos e sua destinação, assim como a compreensão de como se realizou, por parte do Juízo que conduzia as transações, o acompanhamento daquelas providências ao longo dos anos. Tendo em vista o volume de informações à disposição da equipe de correição, fez-se indispensável a delimitação de uma hipótese que orientasse as atividades voltadas à verificação da existência de irregularidades e/ou ilegalidades apontadas. Os trabalhos da Corregedoria indicam, até aqui, possíveis irregularidades relacionadas aos fluxos de trabalho desenvolvidos durante as investigações e ações penais da Operação Lava Jato, fazendo-se necessário verificar se configurariam falta disciplinar perpetrada pelos magistrados que atuaram, ao longo dos anos, na 13ª Vara Federal de Curitiba, assim como aqueles que atuaram no exame dos recursos no âmbito da Turma recursal”, diz o documento do CNJ.
Os investigadores do Conselho Nacional de Justiça afirmam ter descoberto ainda o que seria um “conluio” entre os integrantes da operação, nomeadamente os procuradores do MPF do Paraná envolvidos no caso e o juiz da 13ª Vara, que entre os anos de 2015 e 2018 eram, respectivamente, o grupo liderado por Dallagnol e o agora ex-magistrado federal Sergio Moro, que apenas pretendia reverter os valores bilionários recuperados nos acordos para uma tal fundação, sem com isso se preocupar com as vítimas que teriam sido lesadas e perdido dinheiro nos casos de corrupção, bem como ignorando o fato de que a empresa petrolífera também era investigada num inquérito civil público tocado pelo Ministério Público de São Paulo e por ações instauradas por autoridades dos EUA. Para os membros do CNJ que participaram da correição, o grupo formado por procuradores e pelos juízes que passaram pela 13ª Vara “destinava recursos no Brasil para a Petrobras pagar acordos no exterior, que retornariam para a força-tarefa”.
“Os trabalhos realizados pela equipe de correição identificaram que os pagamentos à companhia totalizaram R$ 2,1 bilhões e foram feitos entre 2015 e 2018, período em que a PETROBRAS era investigada nos EUA. O relatório parcial constatou, ainda, que, ao lado desses repasses realizados a pedido do MPF ao juízo, as apurações cíveis instauradas no âmbito da força-tarefa, referentes aos prejuízos causados pela PETROBRAS aos acionistas, foram arquivadas em razão da ocorrência de prescrição. Ao mesmo tempo, o relatório salienta a homologação, pelo Juízo, de acordo entre PETROBRAS e a força-tarefa, com a finalidade de destinar o valor de multas aplicadas em acordo firmado pela Companhia no exterior. Nessa homologação, pretendia-se a destinação de R$ 2,5 bilhões visando a constituição da chamada Fundação Lava Jato, pela própria força-tarefa, na cidade de Curitiba. As diligências de correição, com o objetivo de seguir o fluxo do dinheiro referido no âmbito da representação criminal especificada no relatório parcial (n. 5025605- 98.2016.4.04.7000/PR), desde o depósito de valores feitos por signatários de acordos de colaboração e de leniência em contas judiciais vinculadas, até o retorno de numerários no interesse exclusivo da força-tarefa, por meio do acordo de assunção de compromissos, identificaram que os repasses à PETROBRAS (prioritariamente) se realizaram sem a prudência do juízo, mesmo diante do fato de a Companhia ser investigada em inquérito civil público conduzido pelo MPSP, por autoridades norte-americanas e sem discussão ou contraditório para plena identificação das vítimas do esquema de corrupção. Ou seja, verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a PETROBRAS pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa”, acrescenta o relatório da correição realizada.
O texto diz ainda que os juízes da 13ª Vara Federal de Curitiba que atuaram no caso, como Sergio Moro e Gabriela Hardt, simplesmente achavam natural a inexistência de informações centrais relacionadas aos processos, assim como a falta de clareza nos critérios que definiriam os valores dos quais se tratavam, o que naturalmente resultava numa falta de transparência absoluta.
“Os expedientes de correição externaram que os magistrados atuantes na 13ª Vara Federal de Curitiba se conformavam com a ausência de informações relacionadas, por exemplo, às tratativas realizadas, ao método utilizado para definição de valores e de vítimas, ausência de documentos produzidos pela defesa técnica durante as discussões e tudo mais que fosse necessário para imprimir transparência e viabilizar a avaliação, pelo juízo, da “regularidade, legalidade e voluntariedade” do acordo (art. 7º da Lei nº 12.850, antes da modificação trazida pela Lei nº 13.964, de 2019). Um exemplo dessa sistemática empregada foi encontrado no estudo dos chamados acordos de valor global, firmados entre MPF e ODEBRECHT (autos nº 5020175-34.2017.4.04.7000/PR) e MPF e BRASKEM (autos nº 5022000-13.2017.4.04.7000/PR). Em princípio, constatou-se que os valores apontados obedeceram a critérios de autoridades estrangeiras, o que soa como absurdo, teratológico”, relata o documento.