Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Mantido o ritmo atual, país pode chegar a ter entre 240 mil e 400 mil óbitos por conta do coronavírus
O Brasil manteve uma média de vidas perdidas para a covid-19 pouco acima de 1 mil óbitos diários nas últimas 7 semanas. A curva se manteve em um alto platô, porém, os últimos 7 dias foram os mais letais. No dia 17 de março de 2020, o Brasil registrou uma única morte (a primeira) pela covid-19. Quatro meses depois foram registradas, em média, 1.043 mortes a cada 24 horas na 29ª Semana Epidemiológica (12 a 18 de julho).
Analisando a situação brasileira, Michael Ryan, diretor de emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse: “Até agora, em muitos países, incluindo o Brasil, o vírus está no comando, ele define as regras. Precisamos definir as regras para o vírus”.
Ou seja, os países que venceram a pandemia foram aqueles que fizeram uma barreira sanitária, rastrearam e monitoraram as pessoas infectadas e impediram a propagação comunitária do vírus Sars-CoV-2. Países como o Vietnã e o Butão – que possuem um sistema de saúde precário – conseguiram vencer a pandemia com medidas preventivas. Evitaram que o vírus se propagasse entre as pessoas e, consequentemente, conseguiram evitar que as pessoas lotassem os hospitais.
Todavia, os países que perderam o comando sobre o coronavírus, passaram a ser comandados pelo Sars-CoV-2 e não há sistema de saúde – por mais universal e democrático que seja – capaz de controlar o vírus depois que ele ocupa os fluxos da transmissão coletiva e começa a se multiplicar rumo à “infecção de rebanho”. Portanto, a questão é saber quem está no comando e quem define as regras: o coronavírus ou as autoridades de saúde.
No caso brasileiro, que já trocou dois ministros da saúde em meio à pandemia e possui um militar sem experiência nas ciências médicas como interino do Ministério da Saúde, o vírus está ditando as regras e, nesta situação, não há hidroxicloroquina capaz de evitar o aumento do número de pessoas doentes e de vidas perdidas para a covid-19.
O panorama nacional
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil chegou a 2.074.860 pessoas infectadas e a 78.772 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 3,8%, no sábado (18/07). Foram 28.532 novos casos e 921 mortes em 24 horas. O país está mantendo uma média superior a 1.000 mortes ao dia há 7 semanas. Desde o início de junho, o Brasil ocupa o primeiro lugar global no número diário de vítimas fatais do Sars-CoV-2. A semana passada (29ª SE) foi a mais letífera de todo o período. Foi o cume semanal até aqui. Mas em número de casos houve certa estabilidade.
O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 01/03 a 18/07 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de pessoas infectadas cresceu continuamente até a 27ª semana epidemiológica (SE). O cume da variação diária ocorreu no dia 19 de junho, com 54.771 novos casos e a maior média diária ocorreu na semana de 28/03 a 04/07 (27ª SE). O valor máximo da média móvel dos casos foi no dia 02 de julho (com 38.392 casos em 24 horas) e a boa notícia é que as variações diárias começaram a cair a partir de então e ficaram em 33.573 casos no dia 18/07. Pode ser que o pico tenha passado, mas o número de pessoas infectadas continua alto e em um limiar muito elevado.
O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE (22 a 28/03) – com 19,4% de variação relativa diária – para 3.130 pessoas na 17ª SE e mais do que decuplicou até a 25ª SE. Mesmo ultrapassando a cifra de 30 mil casos diários na 25ª SE (14 a 20/06) o surto pandêmico continuou avançando e chegou à média de 37.620 casos diários na 27ª SE (28/06 a 04/07), com variação relativa de 2,6% ao dia. Em seguida, o número médio diário diminuiu para 37.549 casos na 28ª SE e para 33.573 casos na 28ª SE. Como sempre fazemos todos os domingos e para contribuir com as avaliações das tendências epidemiológicas, apresentamos uma projeção para a 30ª SE (19 a 25/07), que indica 34,8 mil casos diários no Brasil, com aumento relativo de 1,6% ao dia.
O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 17/03 a 08/07 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de vítimas fatais cresceu rapidamente até o final de maio e nas últimas 7 semanas tem oscilado em torno de 1 mil mortes por dia. O cume da variação diária ocorreu no dia 04 de junho, com 1.473 óbitos em 24 horas. Mas neste dia a média móvel de 7 dias indicava um valor de 1.038 óbitos, valor que subiu para 1.058 óbitos no dia 23 de junho e atingiu o pico de 1.072 no dia 16 de julho. A 29ª SE (12 a 18/07) foi a mais letal de todo o período. Desta forma, a curva epidemiológica de óbitos está estacionada em um alto platô e com uma leve tendência de alta.
O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE (variação relativa de 29,7% ao dia), passou para 387 óbitos diários na 18ª SE e chegou a 976 óbitos diários na 22ª SE (24-30/05). Nas semanas seguintes o número diário oscilou em torno de 1.000 óbitos e bateu o recorde de 1.043 óbitos na 29ª SE. Devido ao processo de flexibilização da quarentena e de aumento da taxa de ocupação dos hospitais, nossa projeção indica que deve haver um aumento para 1.065 mortes diárias na 30ª SE (19 a 26/07), com variação relativa de 1,3% ao dia.
O panorama global
O dia 18 de julho registrou a marca de 14,4 milhões pessoas infectadas e de 604,2 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 4,2%. Foram 234,7 mil casos e 5,7 mil óbitos em 24 horas.
No gráfico abaixo, a curva do número de casos parecia indicar uma reversão em meados de abril, começando a esboçar um declínio. Porém, manteve a tendência de alta e acelerou a subida, com um recorde impressionante acima de 250 mil casos em 24 horas nos últimos dois dias da 29ª SE. A liderança absoluta coube aos EUA, seguido de Brasil e Índia. Os 3 países juntos somaram cerca de 150 mil casos. África do Sul aparece em 4º lugar, com mais de 13 mil casos. Rússia, México e Colômbia também são destaques. Somente nos últimos 5 dias, ocorreram mais de 1 milhão de casos no globo.
A curva de mortalidade apresentou uma variação máxima diária em 16 de abril com 10,5 mil óbitos. A partir deste dia houve queda até o valor mínimo no dia 25 de maio. Porém, a variação diária voltou a subir e manteve uma média de 5 mil mortes diárias na 29ª SE. O Brasil sozinho respondeu por 1.043 mortes, representando 21% das mortes globais.
Ou seja, a pandemia que parecia estar diminuindo o ritmo com a redução dos casos e das mortes, principalmente com o controle conseguido na Europa, voltou a manter alto número absoluto de casos e de mortes (mesmo com queda dos números relativos). O ajuste polinomial indica a continuidade do aumento da morbimortalidade na próxima semana.
O gráfico abaixo mostra como o número de casos cresceu ao longo das semanas epidemiológicas (SE). Na 10ª SE (de 01 a 07 de março) houve 19 mil pessoas contaminadas em 7 dias. Os números foram crescendo até 578 mil casos na 15ª SE e apresentou uma queda até a 18ª SE. Mas voltou a apresentar tendência de aumento contínuo até chegar a 1,58 milhão de casos na 29ª SE (12 a 18 de julho). O mês de julho deve acumular mais de 6 milhões de casos, enquanto no mês de março foram 714 mil casos.
O gráfico abaixo mostra que na 10ª SE (de 01 a 07 de março) houve apenas 1 mil mortes, mas este número subiu rapidamente até o pico de 52 mil mortes na 16ª SE (12 a 18 de abril). A partir daí os números caíram até 28 mil óbitos na 22ª SE (24 a 30 de maio) e voltaram a crescer chegando a 37 mil óbitos na 29ª SE. No mês de março houve 35,8 mil mortes e em junho foram 136,3 mil óbitos e as projeções indicam que haverá mais de 150 mil mortes em julho de 2020.
Comparação entre o panorama nacional e global
Todos os dados acima mostram que a pandemia continua avançando tanto no Brasil quanto no mundo, mas em um ritmo relativo menor. O gráfico abaixo mostra que o Brasil estava acelerando em relação ao mundo até a semana a 21ª SE (17 a 23 de maio). O número de casos brasileiros chegou a subir 3 vezes mais rápido do que os casos mundiais. Mas começou a desacelerar na 25ª SE (14-20/06) e a diferença caiu para 1,8 vezes, sendo que na 29ª SE (12 a 18 de julho) houve empate. Ou seja, o aumento do número de casos, atualmente, cresce em ritmo relativo semelhante no Brasil e no mundo.
Da mesma forma, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro ficou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença passou para mais de 3 vezes. Contudo, no mês de junho houve desaceleração do ritmo brasileiro e a diferença caiu de 3,5 para 2,5 vezes entre a velocidade brasileira e global na 24ª SE. Na 29ª SE (12 a 18 de julho) a diferença caiu para 1,6 vezes, a menor diferença da série histórica.
Como disse Michael Ryan, diretor de emergências da OMS, existem países que controlam o Sars-CoV-2 e outros que são controlados pelo novo coronavírus. A Oceania é um continente que conseguiu barrar a entrada do vírus e teve apenas 13,5 mil casos e 144 mortes (menos do que as 261 mortes da cidade de Niterói).
De modo geral, os países do leste asiático conseguiram evitar uma grande mortalidade da covid-19 e tiveram menos mortes do que Niterói: Malásia 32 milhões de habitantes e 122 mortes, Tailândia 70 milhões de habitantes e 58 mortes e Sri Lanka 21 milhões de habitantes e 11 mortes.
Por outro lado, há países em que o vírus está se espalhando em alta velocidade como Índia, Paquistão, Bangladesh e Arábia Saudita que estão em situação difícil e apresentam alto número de casos e de mortes. A África do Sul também está sofrendo bastante com o avanço do coronavírus. Mas o epicentro da pandemia no mundo está nas Américas com a liderança cabendo aos EUA e ao Brasil, mas com países como Chile, Peru, México, Colômbia, Panamá apresentando altos coeficientes de incidência e de mortalidade.
Após o quatro mês da primeira vítima fatal da covid-19, o Brasil bateu o recorde de mortes na semana passada (12 a 18/07) e mesmo que tenha chegado ao pico, ainda tem um longo caminho pela frente para zerar o número óbitos, pois a parte direita da curva gaussiana é sempre maior do que a parte esquerda.
O caso do Irã serve de exemplo. No dia 06 de abril o Irã apresentou o pico da média móvel, quando o país tinha 3.739 mortes. O número de mortes caiu e voltou a subir, de tal forma que no dia 18 de julho o país já tem uma média móvel de 192 óbitos e um total acumulado de 13.791 mortes. Ou seja, o total de mortes atualmente é 3,7 vezes maior do que no primeiro pico e o número de vidas perdidas continua aumentando.
A maioria dos países apresenta cerca de 3 vezes mais mortes do que aquelas ocorridas antes pico, mas o Irã, provavelmente vai ter 5 ou 6 vezes mais mortes do que aquelas ocorridas no primeiro pico.
Se, no Brasil, o pico de mortes ocorreu com o número acumulado de cerca de 80 mil e se a experiência internacional indicar um padrão, a mortalidade brasileira da covid-19 pode alcançar a cifra de 240 mil óbitos. Mas se seguir o Irã poderá ter mais de 400 mil óbitos. O certo é que, em terras tupiniquins, “o pior ainda está por vir” em termos de quantidade de vítimas fatais. Parafraseando Saint-Hilaire: “Ou o Brasil acaba com a covid-19, ou a covid-19 acaba com o Brasil”.