A Argentina passou a ser, proporcionalmente, o país com mais novos casos de Covid-19 em todo continente americano, à frente dos Estados Unidos. Apesar da explosão de contágios, o governo flexibilizou o protocolo de isolamento e não prevê restrições. A estratégia visa apertar o cerco aos não-vacinados e ampliar opções de vacinação.
Por Márcio Resende, compartilhado de RFI
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Desde o dia 13 de janeiro, a Argentina é o país da América Latina com mais novos casos de Covid-19, sobretudo da variante ômicron, proporcionalmente à sua população de 45 milhões de habitantes.
Segundo o portal Our World in Data, entre os dias 8 e 15 de janeiro, a Argentina acumulou 2.481 casos por cada milhão de habitantes. Os Estados Unidos, que lideravam o ranking no continente, ficaram para trás com 2.466 contágios por cada milhão de habitantes. Mesmo no acumulado de casos desde o começo da pandemia (7,094 milhões), a Argentina é o país latino-americano com mais contágios por milhão de habitantes.
Desde a semana passada, todos os dias são contabilizados mais de cem mil casos diários no país. Eles só diminuíram nas últimas horas (65.241 contágios e 51 falecidos) porque o número de registros cai pela metade no final de semana.
A Argentina está entre os países que testa menos (200 mil exames diários). Isso explica que a taxa de positividade da Argentina seja a mais alta do mundo neste momento: em média 63% todos os dias. Um número seis vezes maior do que o máximo de 10% recomendado pela OMAS (Organização Mundial da Saúde). Para os especialistas, a taxa diária real de contágios na Argentina deve estar em torno de 500 mil casos por dia.
“Testamos pouco e vacinamos pouco, especialmente a terceira dose, a mais necessária para nos protegermos da ômicron. Aplicamos 200 mil doses diárias, quando deveríamos vacinar o dobro. Precisamos acelerar todas essas variáveis antes da chegada do outono”, indica à RFI Roberto Debbag, presidente da Sociedade Latino-americana de Infectologia Pediátrica.
Comportamento contraditório
Quem lê a descrição desse cenário pode imaginar que a população tem tomado mais cuidado, que tem cancelado as viagens de férias e adotado mais medidas de prevenção, mas a realidade é bem diferente. Esta maior onda de contágios desde que começou a pandemia convive com um fluxo recorde de turistas às cidades de veraneio, sobretudo na costa atlântica, com praias lotadas. As cidades turísticas da Argentina vivem um boom de ocupação como não se via há anos.
“A consequência dessa multidão nas praias é a circulação acelerada do vírus. Muita gente sente que a ômicron não traz riscos graves à saúde e age como se não houvesse risco”, observa Ricardo Teijeiro, da Sociedade Argentina de Infectologia.
Até este fim-de-semana, a Argentina viveu uma onda de calor extremo, a segunda mais elevada da História. Em Buenos Aires, o termômetro marcou 41,5°C, com sensação térmica de 46,9°C, um nível só superado em 1957 com 43,3°C e sensação de 61°C.
As elevadas temperaturas levaram muita gente às praças e aos parques, onde os cuidados preventivos não foram respeitados. Foi como se a própria população tivesse decretado o fim da pandemia.
Apesar de os casos com a variante ômicron não terem a mesma taxa de letalidade do que as variantes anteriores, a quantidade de falecidos na Argentina tem aumentado, mesmo que em menor ritmo. Na quarta-feira passada (12), houve 139 mortos, o dobro do dia anterior. Para se encontrar um número tão alto, é preciso ir a 17 de setembro, quando a variante delta era a principal, com 185 mortos.
Sem restrições
Esse comportamento social poderia levar o governo a aplicar medidas de restrição à circulação de pessoas, mas a reação tem sido diferente. A ordem tem sido evitar qualquer restrição para não afetar a economia. É o oposto da postura adotada em 2020, quando a Argentina viveu a mais prolongada e estrita quarentena do mundo, com 233 dias de duração.
“Não existe mais margem para novas restrições”, afirma Roberto Debbag. “Caso tentem aplicar medidas restritivas correm o risco de gerar manifestações de repúdio que levariam a mais aglomerações e a mais casos”, e diz infectologista Luis Cámera. Aproveitando que 74% dos argentinos estão completamente vacinados (85% com uma dose), embora apenas 20% tenham a terceira dose, o governo flexibilizou o protocolo de isolamento para contatos estreitos de contagiados.
“Em vez de observarmos a ocupação dos leitos de UTI, o que nos preocupa são as faltas no trabalho”, revelou, na semana passada, a ministra da Saúde, Carla Vizzotti, ao anunciar flexibilizações no protocolo de isolamento. Quem estiver completamente vacinado com as três doses e for assintomático, não precisará ficar em quarentena. Antes, eram cinco dias de isolamento.
Só quem não tiver nenhuma dose deverá continuar com o isolamento de 10 dias. Essa flexibilização visa amenizar o problema de falta de pessoal, devido aos contágios, em serviços essenciais com Saúde, Bombeiros e Polícia, mas também no setor privado. Baseia-se na ocupação de leitos de terapia intensiva de 42,4%, um número considerado baixo mas que tem crescido: há duas semanas esse índice era de 37%.
Cerco aos não vacinados
Por um lado, a ômicron é mais grave em quem não está vacinado e por outro, na Argentina sobram vacinas. Há cerca de 20 milhões de doses distribuídas, mas não aplicadas. Por isso, a ordem é apertar o cerco aos não vacinados.
Uma forma de pressionar é o passaporte vacinal que tem sido adotado por várias províncias. Ainda não foi adotado na capital, Buenos Aires, mas ao redor da cidade, quem quiser ir a um evento, a um teatro, a uma repartição pública ou mesmo a um restaurante, precisa do certificado de vacinação.
Outra província de Córdoba, as farmácias começaram a vacinar. Na província de Buenos Aires, há postos itinerantes em supermercados, praças, shopping center e praias.
Em várias províncias do Norte e do Nordeste do país, começaram a ir casa por casa, atrás daqueles que têm dúvidas ou que não têm acesso fácil à vacina. Em Catamarca, quem não estiver vacinado, mas for contagiado e procurar um hospital público, terá de pagar o atendimento.