Covid-19: engarrafamentos voltaram antes de afrouxamento de medidas

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Por Agência Fiocruz de Notícias, compartilhado de Projeto Colabora – 

Pesquisa da Fiocruz constata aumento da circulação em cinco capitais e cientistas alertam para ameaça de descontrole da pandemia

Trânsito engarrafado no Rio de Janeiro: pesquisa da Fiocruz aponta que aumento da circulação de veículos começou antes mesmo do relaxamento das medidas de isolamento social (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Equipe de pesquisadores do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz) constatou que a população brasileira retomou a circulação por grandes cidades há duas semanas, antes do relaxamento das medidas de isolamento ser efetivamente adotado por alguns prefeitos e governadores. O estudo foi feito a partir de dados disponíveis no sistema MonitoraCovid-19 sobre a intensidade do trânsito de veículos, com base no aplicativo Waze e em técnicas de Big Data. A análise foi publicada na nota técnica Intensidade de trânsito e relaxamento do isolamento social em grandes cidades.




Para o estudo, os pesquisadores avaliaram dados diários (de 9 de março a 1º de junho) de mobilidade de veículos em cinco regiões metropolitanas, todas com forte incidência de Covid-19 (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Manaus e Porto Alegre). O objetivo era mensurar, através do volume de tráfego de veículos, a adesão ao isolamento social nessas cidades.

Usando os sinais de posição (GPS) de telefones celulares para medir a velocidade do trânsito e a ocorrência de engarrafamentos, o estudo constatou que, desde meados de março (quando começou o isolamento social), houve forte redução do trânsito em todas as cinco metrópoles. Porém, nas últimas duas semanas, registrou-se um aumento médio de 20% nos engarrafamentos de trânsito nessas cinco regiões metropolitanas, notadamente em Manaus e Porto Alegre. Esses engarrafamentos aconteceram principalmente de segunda a sexta-feira, mas em Manaus e Porto Alegre foi constatado que o trânsito aumentou também nos finais de semana.

Geógrafo, especialista em Saúde Pública e vice-diretor do Icict/Fiocruz, Christovam Barcellos diz que essa constatação complementa estudos de outras instituições e informações de jornais que vêm indicando uma queda na adesão ao isolamento social. “Por que as pessoas estão andando mais de carro? É possível que tenha havido um aumento nas atividades de trabalho ou na urgência em resolver outras questões cotidianas, após tantas semanas de isolamento. O ponto é que, em cidades como Porto Alegre e Manaus, observa-se também a ocorrência de engarrafamentos nos fins de semana, o que indica que a população está saindo de casa a lazer”, alerta.

Essas capitais podem exportar o vírus e importar doentes graves nas próximas semanas, devido ao relaxamento no isolamento social, como mostram os mapas de fluxo de internação

Diego Xavier
Epidemiologista do Icict/Fiocruz

O pesquisador chama atenção ainda para a importância de se estudar o comportamento social na epidemia de Covid-19. “Nosso sentimento é de que as práticas de investigação epidemiológica vêm se perdendo. Isso deveria ser realizado principalmente pelas prefeituras, com apoio de órgãos centrais, como os Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde . É preciso ter agentes de saúde, enfermeiros e médicos de família que conversem mais profundamente com os pacientes e seus contatos, para saber como eles podem ter se infectado, por onde andaram e qual a possibilidade de terem infectado outras pessoas”, destaca Barcellos. “Além disso, é possível usar técnicas mais modernas, como Big Data, para monitorar a mobilidade da população e identificar situações de risco. Isso foi feito de maneira muito forte na Coreia do Sul e trouxe ótimos resultados na contenção do vírus. Aqui, ainda não sabemos o porquê de o volume de engarrafamentos ter aumentado em Recife, nas sextas-feiras das últimas duas semanas, por exemplo”.

Com o aumento no fluxo no trânsito, o vírus também pode estar circulando com mais intensidade dentro das regiões metropolitanas e expandindo-se das capitais para as periferias. “Essas capitais podem exportar o vírus e importar doentes graves nas próximas semanas, devido ao relaxamento no isolamento social, como mostram os mapas de fluxo de internação”, explica Diego Xavier, epidemiologista do Icict/Fiocruz e participante do projeto MonitoraCovid-19.

Na nota técnica, os pesquisadores lembram que o Brasil ainda apresenta um padrão ascendente da curva epidemiológica da Covid, mesmo considerando o baixo número de testes e, portanto, de confirmação de casos. “O país apresenta uma defasagem de cerca de um mês da epidemia em relação aos países da Europa. Além disso, estados e municípios brasileiros encontram-se em momentos epidemiológicos distintos”, afirmam os especialistas da Fiocruz, que criticam as autoridades. “Mesmo assim, alguns governantes insistem em adotar medidas de relaxamento social sem considerar o processo de difusão do vírus e do fluxo de doentes entre cidades, principalmente entre municípios da mesma região metropolitana”,

Os pesquisadores alertam ainda que o processo de interiorização da covid-19 continua avançando. Até semana passada, dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 1.417 ainda não apresentaram o primeiro caso e 3.873 ainda não registraram o primeiro óbito em residentes. “Os municípios maiores em termos
populacionais já apresentaram casos e óbitos, pois foram os primeiros a registrarem a doença. Esses mesmos municípios maiores foram os primeiros a adotarem e manterem medidas de isolamento, o que, como efeito, retardou o aparecimento de casos nos municípios menores”, lembram os pesquisadores, acrescentando, entretanto, que o avanço da doença para municípios do interior segue acontecendo e acaba por afetar o sistema de atendimento das grandes cidades.

“À medida que aumenta a circulação das pessoas nas grandes cidade e áreas metropolitanas, é provável que os casos graves de covid-19 demandem cuidados intensivos para as populações residentes nestas áreas. Esse cenário, somado ao processo de interiorização, e consequentemente o aumento do envio de pacientes para cidades maiores, configura um panorama preocupante quanto ao limite da capacidade dos sistemas de saúde”, conclui a nota técnica, que recomenda o monitoramento desses deslocamentos para que sejam elaboradas medidas capazes de reduzi-los.

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